Do Vigário (Lisboa)

Quando estava de portas abertas era um bar de tapas e também uma loja de discos. Mora em plena Alfama, é gerida por um colecionador de discos. E por estes dias tem ativo um modelo de vendas online que prevê recolhas por take away ou entrega ao domicílio. Texto: Nuno Galopim

É um bar e restaurante de tapas mas, também, uma loja de discos. Em plena Alfama, na rua do Vigário, o do Vigário não esconde a sua identidade de alma rock’n’roll nas paredes. Há imagens dos Radiohead, Beastie Boys, Hendrix ou Beatles, nas várias fotografias que podemos ver na galeria de imagens na sua página no Facebook. Tem as portas fechadas por estes dias. Não há copos nem tapas até tudo isto passar… Mas os discos esses respiram. E a loja criou um sistema de entrega ao domicílio em Lisboa, tendo criado uma “montra virtual” na plataforma Discogs (ver link mais abaixo). A lista inclui discos “usados, novos e raridades para venda por take-away na loja ou entrega gratuita em Lisboa (acima de 50€). Pagamento preferencial por MBway ou MB”.

No início houve uma ideia… E, até mesmo, uma fonte de inspiração. “Parece mal dizer que foi High Fidelity?”, pergunta Luís Fundo. É colecionador de vinil há 20 anos e teve como primeiro álbum o clássico Absolutely Live dos Doors (em cassete dupla), quando tinha 9 anos. Isto “porque dava cabo das cassetes do irmão mais velho”. Foi o irmão quem lhe ensinou-me “o básico do Porto alternativo nos anos 80: Joy Division, Sex Pistols, Clash, Dead Kennedys, Cramps, Violent Femmes, Siouxie e tudo mais”. Ouviam “a Rádio Cultura no Porto (uma rádio pirata)” e “por isso sempre” gostou de música. Depois fez-se economista e trabalhou nessa área durante19 anos. A certa altura começou “a ter a ideia romântica da loja de discos” mas o seu “lado financeiro precisou de outra alternativa para gerar algum rendimento adicional”. Decidiu juntar tudo: “restaurante, bar e discos”. Era “algo diferente em Lisboa, ainda mais em Alfama”. Não quer com isto dizer que tenha sido “especialmente original, acima de tudo era o conceito que se ajustava” a si. Trocou “o fato pelas Vans xadrez” e sentiu-se, e ainda hoje confessa que sente, “muito feliz”.

Luís mora em Alfama há mais de dez anos. “Sendo do Bonfim no Porto”, este é o seu “bairro adotado”. E continua: “Sempre tive o sonho de ter um espaço aqui que fosse diferente e ao meu estilo. O local em si mesmo foi um conjunto de situações que ajudaram. Tinha um amigo que queira vender e eu andava à procura. Não havia nada assim em Alfama. Discos, petiscos, bar… Foi um conceito estranho para todos no início. ‘Aquela decoração com discos é gira!’… Mas são para vender… Também somos uma loja de discos. ‘Ainda se compram discos?’. Dito isto temos aqui próximo a histórica Flur em Santa Apolónia embora num registo diferente”.

A seleção de discos que ali podemos encontrar inclui usados e novos, “sendo que há desde tropicalismo, folk, glam, indie ou punk”, representando “todas as décadas”, entre edições originais e reedições, “com preços interessantes”. Há desde “Amália aos Dead Kennedys (se faz algum sentido)”. Mas, observa Luís, “diria, muito mais rock”.

Quando estavam com as portas aberta ao público os discos eram um motivo para atrair clientes. Luís sublinha: “Sempre vendemos discos com esta ideia. Aliás, os discos tanto fazem as pessoas entrar como fugir. ‘Vou jantar ao lado de caixas de vinil?’. Fomo-nos habituando. Há quem adore a ideia e há quem sinta receio. Mas não são só os discos, também a música de forma geral. Sempre foi o conceito de termos música a tocar continuamente e ela fazer parte do espaço. Temos muitos chegam para os discos e ficam a noite toda para comer e beber. E repetem. Os turistas vão ao fado uma noite e vêm ter connosco o resto das vezes. Quando o Thurston Moore (foto em baixo) dos Sonic Youth nos visitou foi porque quis ver o que estávamos a fazer. Quando ele me disse: ‘You have a very cool place’, podia quase morrer ali. Ao mesmo tempo, uma vez tínhamos um grupo de senhoras que ia entrar para jantar e viu o poster do Johnny Cash a fazer pilas e saíram todas com medo. Foi delicioso o momento, mas uma noite pouco lucrativa diria”.

A pandemia, como acima se referiu, obrigou a loja (e restaurante) a ficar com as portas fechadas. Luís conta o que então aconteceu: “Começámos a fazer entregas de discos em Lisboa e take away na loja. O mercado online não era uma opção mas nesta altura de algum aperto temos que nos virar para lá. Eu compro discos online e adoro poder ter acesso a tanta oferta. No nosso caso era uma questão de capacidade. A parte do restaurante/bar era demasiado absorvente para gerirmos vendas online. Agora já não!”.

E como tem funcionado a loja online? Luís colocou e tem “vindo a acrescentar a uma lista no Discogs (aqui). A lista apresenta “muitas raridades”, muitas da sua própria “coleção pessoal de há 20 anos”, assim como “coisas novas selecionadas”. E observa: “Felizmente, temos alguns amigos e clientes novos que nos têm apoiado”.

Poderá esta pandemia (e consequente crise) mudar tanto o mundo dos bares como o das lojas de discos nos tempos mais próximos? “Sim, completamente”, responde. “Os bares vão ser das últimas prioridades para abrir, muito devido ao agrupamento de pessoas”, defende. E continua: “As lojas de discos dependem muito do movimento de pessoas e, sejamos sinceros, em Lisboa e Porto, precisam do turismo. Vai haver muita coisa que não volta a abrir ou volta com um conceito diferente. O que temos de fazer é procurar ajudar-nos uns aos outros. A malta dos discos, da música ao vivo, do fado, do rock, do rap, do pop, os DJs, rádio e media em geral. Promoção mútua de eventos e atividades, cooperações, tudo o que ponha a roda a girar novamente. O futuro é os espaços, provavelmente concorrentes, trabalharem juntos para reanimar o mercado. Quanto mais alargarmos os nossos horizontes, melhor. O espaço está lá em Alfama e queremos trabalhar com mais gente em qualquer área. Liguem e mandem mensagens! Estamos a falar com dois artistas para termos T-shirts e posters na loja física (@jafundotshirts e @whythelongplayface) para alargar a oferta, sempre relacionado com a nossa música. Mas queremos mais! As pessoas que gostam de discos, e música, não desapareceram. Os senhorios das lojas e os bancos também não. Todos temos de esperar pelo dia em que nos soltam outra vez! Esperem, porque vamos estar lá no dia a seguir a dar o nosso melhor”.

Como nota vale a pena sublinhar que a entrevista foi feita por email. Eu já tinha planos de passar pela loja e por lá jantar, mas essa ideia fica adiada para quando voltar a ser possível. Por isso conversei com o Luís por email… E, na hora de responder, ele verteu um copo de vinho e colocou no gira discos Is This Is dos Strokes, Mutantes S21 dos Mão Morta e Echoes dos Rapture, tendo terminado as respostas ao com de Boatman’s Call de Nick Cave. E sublinhou: “os meus vizinhos de Alfama são gente boa e já aceitam o meu ‘barulho’ o suficiente”.

Do Vigário – Pub Records Tapas

Morada: Rua do Vigário 74

1100-616 Alfama, Lisboa, Portugal

Telefone: 916 294 676

Email: dovigariorecords@gmail.com 

Loja online: Consultar na plataforma Discogs aqui

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