Dez discos que definiram o meu gosto – Isabel Roma

Cada disco pode contar várias histórias. E quem quiser mais do que ficar olhar para as capas pode agora ler aqui… Dez discos… e as respetivas histórias. E assim nasce o gosto de cada um. E hoje quem partilha aqui os seus dez discos e as respetivas memórias é a Isabel Roma.

O Galopim não pára… e não deixa ninguém parado, mesmo em isolamento profilático! Desta vez desafiou pessoas a escolher os 10 discos que tenham sido mais importantes para definir o gosto musical de cada um. Além de não ser uma escolha simples, porque obviamente obriga a um enorme exercício de seleção, os discos devem ser comentados, num outro exercício, quase psicoterapêutico, que justifique as opções. Como a seleção tem de recair sobre os discos que definem o que cada um ouve ainda hoje, vou abster-me de referir outros álbuns ou singles relevantes, como os primeiros que me ofereceram, os primeiros que comprei, os das bandas mais recentes que me influenciam hoje em dia, etc. Vou centrar-me apenas nos discos que realmente me definiram musicalmente, as epifanias da adolescência! Vamos ver se sou capaz de andar para trás e para diante e explicar-me de forma coerente… Texto: Isabel Roma

The Cure “Disinregration”

(1989)

É evidente! A minha primeira escolha nunca poderia ser outra senão The Cure. São a banda da minha vida, a que mais ouvi e a que mais ouço ainda hoje, a que mais vezes vi ao vivo, a que mais condicionou o que veio a ser o meu gosto musical. Embora já se ouvissem discos deles em minha casa, foi só em 89, com o “Disintegration” (em particular com a canção “Lullaby”) que eu entrei a sério nesse mundo bipolar de melancolia festiva que são os Cure. Por causa deste disco fui ouvir o que havia para trás: os sete álbuns de originais editados antes do “Disintegration”, mas também as suas influências e outras bandas lhes estavam associadas. Foi assim que cheguei a Bowie, a Joy Division, a Jimi Hendrix, a Nick Cave (aiii…), a Psychedelic Furs ou a Bauhaus e depois a NIN ou a Mogwai… Podia continuar a escrever só sobre discos dos Cure, mas vou tentar conter-me!

Pink Floyd “The Dark Side of The Moon”

(1973)

Antes de prosseguir viagem tenho de fazer uma analepse, por causa de um dos discos que mais ouvi na vida. A minha mãe é fan de Beatles, de Elvis, de Creedence Clearwater Revival, mas os Pink Floyd, em particular o álbum “The Dark Side of the Moon”, tiveram um particular impacto em mim. Decorei as letras ainda miúda, decorei os sons mecânicos, os gritos, tudo! Pouco tempo depois vim a perceber que o “Wish You Were Here”, de 1975, ainda me falaria mais ao coração. Mas toda aquela mensagem política, social e humanista, de um e de outro discos, fazem parte da minha formação enquanto pessoa e levaram-me a procurar mais música com mensagens semelhantes, mas não necessariamente com semelhanças musicais.

Joy Division “Unknown Pleasures”

(1979)

Voltando aos Cure e às suas influências ou associações. Rapidamente percebi que havia uma relação de amor/ódio entre a banda de Robert Smith e a de Ian Curtis, que tiveram percursos cruzados naqueles anos iniciais. Na verdade, é tudo bem mais ligeiro do que parece e o respeito prevaleceu sempre. De todo o modo, ainda em 1989/ 90, ao recuar nos Cure, alguém me falou dum concerto que aconteceu a 4 de março de 1979, no Marquee, em que os Cure convidaram os Joy Division para abrirem para eles. Não conhecia Joy Division, fui procurar e comprei o “Unknown Pleasures” de 1979. Na altura foi, talvez, um pouco demais para assimilar. Mas canções como “Disorder” ou “She’s Lost Control” ganharam, de imediato, estatuto de hinos. Por causa deles ainda ouvi muito New Order, mas nunca tiveram o mesmo impacto em mim.

David Bowie “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”

(1972)

Os Cure são conhecidos pelos enormes concertos ao vivo: nunca menos de duas horas, normalmente chegam às três! E porquê tanto tempo? Influências… e traumas! David Bowie é uma das maiores ascendências musicais de Robert Smith (e de todos os músicos que viram o “Top of the Pops” de 6 de julho de 1972, já se sabe!). Soube dessa ascendência musical pela irmã da minha amiga Luísa, a Paula, que me deu a ouvir o disco “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”. Mas só anos mais depois fiquei a saber desta história: o adolescente Robert Smith, depois de ver o tal “Top of the Pops”, andou a poupar para ir ver o Bowie ao vivo. Num dia de chuva lá foi ele, de autocarro, várias horas, sozinho, cheio de frio. Chegou ao concerto e, antes de conseguir aquecer sequer, David Bowie despediu-se. Foram dias e horas de ansiedade que se esgotaram em menos de quarenta minutos. A admiração não diminuiu, mas ficou a promessa de que, se algum dia tivesse uma banda, Robert nunca faria a mesma coisa aos seus fans. Independentemente deste episódio, a genialidade de Bowie conquistou-me à primeira vez que ouvi “Starman”. Só conheci o disco em 1989/90, anos depois do enorme sucesso do dueto Bowie/Jagger no “Dancing in the Street”, de que eu não gostava nada! Por isso, “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars” foi uma espécie de redescoberta e aceitação. Mais ainda porque a primeira vez que eu tinha ouvido a canção “Ziggy Stardust” não tinha sido pelo Bowie, mas pelos Bauhaus… (sem julgamentos… eu andava, ainda ando, para a frente para trás à procura de música, com anos de atraso!). Por causa do Bowie ainda fui parar aos Stooges e ao maravilhoso mundo do Iggy Pop, mas também à poesia estranha de Leonard Cohen (porque o João, amigo da minha mãe, nos gravou uma cassete onde os juntou todos!).

Bauhaus “Press the Eject and Give Me the Tape”

(1982)

Os Bauhaus, lembro-me claramente, fui procurar porque li qualquer coisa no Blitz. A primeira coisa que ouvi foi, como disse acima, o “Ziggy Stardust”, porque o meu amigo Nuno tinha isso numa cassete, que depois me copiou, e onde incluiu o disco “Press the Eject and Give Me the Tape”. A fita da cassete ficou particularmente gasta nas partes das canções “Kick in the Eye” e “Double Dare”. Foi até à exaustão! Só encontrei o cd à venda já início dos 90. Por causa dos Bauhaus, naturalmente, segui as carreiras a solo de todos, em particular a do Peter Murphy.

Peter Murphy “Deep”

(1989)

Este disco apareceu-me mais ou menos na mesma altura do “Disintegration” dos Cure e do “Doolittle” dos Pixies, em fins de 89/inícios de 1990. São mais ou menos a minha santíssima trindade musical! O tema “Cuts You Up” passava incessantemente na rádio. Era impossível não gostar daquele pop com voz profunda. Mas ouvir o disco completo dá outra coerência à canção, que vem embrulhada em pérolas como “Marlene Dietrich’s Favourite Poem” ou “A Strange Kind of Love”. Na páscoa de 1990 o meu primo João Paulo, que já era fan, tinha uma cassete com o “Deep” e os dois discos a solo do Peter Murphy, anteriores ao “Deep”: o “Should the World Fail to Fall Apart” e o “Love Hysteria”. Não cabiam lá os três discos completos, mas lembro-me claramente de ouvir a canção “Indigo Eyes” pela primeira vez!

Pixies “Doolittle”

(1989)

Ah, os Pixies, os Pixies… Não há nada deles que eu não goste! São, ao mesmo tempo, agressivos e suaves, introspetivos, mas sem ter pena de ninguém. O “Doolittle” não parava de tocar na rádio, em 1989, o ano que me definiu musicalmente. Na altura eu tinha 12 anos, mas, obviamente, não tive noção do que me estava a acontecer. A minha amiga Luísa adorava Pixies. Acho que foi em casa dela que ouvi pela primeira vez, provavelmente o “Sufer Rosa”. Ela tinha imensas cassetes com música mesmo muito boa como Sisters of Mercy, The Cure, Bauhaus, The Jesus and Mary Chain, Pixies, The Smiths. O gosto musical dela teve muita influência em mim, só percebi isso anos depois. Com o tempo, todos nós perdemos a capacidade de ouvir o “Here Comes Your Man”, mas não há dúvida de que é uma canção pop bem catita! De todo o modo, o “Doolittle” ofereceu-nos canções inesquecíveis como “Monkey Gone to Heaven”, “Debaser”, “Wave of Mutilation” ou “Hey”. E expressões incríveis como “slicing up eyeballs”! E depois os Pixies ofereceram-nos projetos como as Breeders e a curta carreira a solo do Charles, aka Black Francis aka Frank Black.

Nirvana “Nevermind”

(1991)

Foi um choque! Acho que todos temos esse momento, com uma canção, com um acontecimento, com um filme. Uma espécie de mudança decisiva.  Este disco, em particular, foi essa mudança, esse choque, para muita gente da minha geração. Nunca mais nada foi igual. E era inevitável ouvir o tema “Smells Like Teen Spirit” vinte vezes por dia. Falava-nos direto à rebeldia da adolescência! Foi o primeiro disco que me fez andar para a frente, sem primeiro ir para trás. Claro que depois também fui às raízes, mas naquela época já só queria avançar. Com os Nirvana fui parar a Smashing Pumpkins, Alice in Chains ou a Stone Temple Pilots. E depois percebi que os Pixies tinham tido aqui uma enorme interferência. E os Sonic Youth também. E os Jane’s Addiction. E, de repente, estava tudo ligado à música que eu já ouvia. O “Nevermind” aqueceu-nos o inverno de 91/92, mas aqueceu-nos ainda mais o verão de 1992! Foi o primeiro verão em que trabalhei a sério, num bar de piscina ao pé de casa. Esta cassete estava sempre a tocar! Nessa altura eu ainda não tinha o disco e acho que a cassete que tocava era a do meu amigo Clive, que nesse verão também me pôs a ouvir o “Use Your Illusion II” dos Guns N’ Roses e o “Unplugged” do Eric Clapton, mas que não tiveram grande consequência nas minhas escolhas musicais. Já o “Nevermind” teve enormes consequências, que depois se prolongaram em Temple of the Dog, Soundgarden, Pearl Jam, Screaming Trees, e depois em QOTSA, e depois em Arctic Monkeys e depois…

Palma’s Gang “Ao Vivo no Johnny Guitar”

(1993)

Mudança radical de sentido… ou não! Lembro-me de ouvir Jorge Palma desde miúda, na rádio. Creio que a primeira canção dele que ouvi foi “Deixa-me rir”. Mas não comecei logo pelo Jorge, porque o meu pai gosta muito do Zeca e do Zé Mário e do Godinho, por isso até comecei mais por Sérgio Godinho, pelas letras complexas e simultaneamente claras, pela dicção rápida e interpretação inimitável! Mas uns levaram-me aos outros, enfim, o costume! O primeiro disco do Palma que tive foi este “Ao Vivo no Johnny Guitar”, muito mais rock’n’roll do que a música tradicional de cantautor. Também gravado em cassete, por algum amigo, já não me lembro bem, sei que ouvia sempre este disco a pensar “porque é que eu não estava lá…”. O Palma é uma espécie de poeta do sentir lusitano. Tudo o que escreve parece ter sido escrito a pensar em cada um de nós. Mesmo as histórias mais pessoais são parecidas com as nossas. Aqui no nosso cantinho só me lembro de outro caso semelhante, que é o André Henriques, dos Linda Martini: bolas, que ele escreve mesmo direto ao coração! Depois deste do “Ao Vivo no Johnny Guitar” comprei o “Só”, claro, e depois tudo o resto! E nunca mais me desliguei dele. É um verdadeiro caso de devoção nacional, mesmo quando, ao vivo, troca as letras! Ao Palma temos a agradecer expressões que viraram quase ditados populares como “Ai Portugal, Portugal, de que é que estás à espera” ou “domingo sabe de cor o que vai dizer segunda-feira” ou ainda “reduz as necessidades se queres passar bem”. É o meu cantor preferido para quando leio um romance, porque adoro associar canções a personagens (por exemplo, associo a personagem Eliza Sommers, da Isabel Allende, à canção “Duas Amigas”).

GNR “In Vivo”

(1990)

Neste ponto podia estar este “In Vivo” dos GNR ou o “Mingos & Os Samurais” do Rui Veloso. Não que o impacto de um e de outro seja semelhante: O “Mingos & Os Samurais” teve mais impacto em mim, enquanto adolescente, mas não tanto o Rui Veloso; os GNR significam, ainda hoje, muito mais para mim, enquanto pessoa, do que o “In Vivo” isoladamente. Optei pelo “In Vivo” precisamente pelo facto dos GNR nunca mais terem saído da minha vida. De todo o modo, os discos foram editados mais ou menos na mesma altura e sei que os ouvia juntos, vezes sem conta. As letras do Rui eram-me mais próximas, talvez por contarem uma história de adolescentes, tal como eu era na altura (“…Ter uma nota no bolso pra cigarros e bilhar”). Mas a música dos GNR era do demo! Aquela versão do tema “Dunas” … E o tom nostálgico da frase “Sabem que me escondo na Bellevue, ninguém comparece ao meu rendez-vous”! Foi amor súbito, renovado no “Rock In Rio Douro”, que rendeu uma das melhores festas da minha adolescência, para mim e para o Nuno André e para a Janinha e para a Marta e para a Bárbara e para o David e para todos os meus colegas do liceu: o concerto de 1993 no Estádio das Antas! E eu gosto mesmo é duma boa festa!

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