Cada disco pode contar várias histórias. E quem quiser mais do que ficar olhar para as capas pode agora ler aqui… Dez discos… e as respetivas histórias. E assim nasce o gosto de cada um. E hoje quem partilha aqui os seus dez discos e as respetivas memórias é o Vítor Belanciano.
Velvet Underground & Nico “Velvet Underground & Nico”
(1967)
Um dos álbuns mais influentes de sempre. Sem ele não teria havido Bowie, Stooges ou Can. Cheguei a ele pelo punk e pós-punk, quando compreendi que os Heads, Patti, Clash, Division ou Echo, não teriam existido sem esse disco, o mesmo acontecendo mais tarde com os Sonic Youth e tantos outros.

Marvin Gaye “What’s Going On”
(1971)
Há muitos discos de autores intemporais (de Miles Davis a Robert Wyatt) a que regresso muito assiduamente. Este é talvez o mais frequente. Descobri-o depois de perceber que muitos dos meus cantores de eleição (de D’ Angelo a Prince, ou Badu) vieram aqui sorver a influência, na maneira de cantar, na forma como a interpretação nunca se deslaça da introspeção das palavras.
Talking Heads “Remain In Light”
(1980)
Comprei-o depois de ler uma crítica entusiasmada (Musicalíssimo? Música & Som?) ao mesmo. Quando cheguei a casa e o coloquei a tocar, meti-o de lado. Não me entrou. Depois, aos poucos, fui-o percebendo, e transformou-se talvez no álbum com quem mantenho uma relação de descoberta mais próxima. Cada vez que o oiço é como se fosse a primeira vez, contendo sempre algo de familiar e ao mesmo tempo de renovado.
The Clash “Sandinista!”
(1980)
Um álbum enorme em todos os sentidos. Na dimensão (é triplo), na forma como propõe uma série de sínteses, do rock ao reggae-dub, da atitude de confronto do punk a um estádio politizado mais elaborado. Se o punk era um grito de revolta para o exterior, os The Clash, sem deixarem de ser isso, eram também um grito de agitação interior, tudo feito com imensa vibração.
Prince “Parade”
(1985)
A meio dos anos 80, o meu universo rondava as aventuras do pós-punk. Não era apenas a música, eram também os símbolos, a roupa, a forma de existir, uma certa contenção monocromática. Prince parecia a antítese de tudo isso. Excessivo, barroco, com rímel. Ninguém no meu círculo de sociabilidades percebia o fascínio. Mas acabei mesmo por entrar por ali e não me arrependi. Depois dele a minha relação com funk ou soul nunca mais foi a mesma.

Massive Attack “Blue Lines”
(1991)
Um dos álbuns que definiu os anos 90, mantendo-se actual até hoje. Num só gesto sintetizaram o que vinha de trás (pós-punk, soul, hip-hop, dub, acid-house) ao mesmo tempo que projectavam o que se seguiria (pós-hip-hop, canção electrónica, música de dança). Ou seja, era música de dança, na altura em que esta se afirmava definitivamente, mas em vez do hedonismo e do excesso, era feita a partir de um ponto de vista intimista e meditativo.
LCD Soundsystem “LCD Soundsystem”
(2005)
A partir dos anos 2000 a música popular entra em digestão retroactiva. Sempre havia sido assim. Mas a partir da era da internet isso tornou-se mais visível. O que é mau, quando se é mau e nada tem para se dizer. E é bom, quando se é bom, e se tem imensas coisas para dizer, e se trabalha com paixão, e as influências são apenas ferramentas e não o fim em si mesmo. Ninguém explicita isso tão bem quanto James Murphy e os seus LCD.
Buraka Som Sistema “From Buraka To The World”
(2006)
Numa altura em que o mundo dava sinais de inúmeros impasses (musicais, culturais, políticos, etc) e as ideias novas pareciam escassear, uma série de activistas da música – de M.I.A. aos portugueses Buraka – mostrava que existia ainda muito para desbravar, arriscando novas mesclas, baralhando muito do bom gosto instituído. Uma história feliz, que acompanhei muito de perto, e que continua a dar ramificações no Portugal, e no mundo, de hoje.
The Knife “Silent Shout”
(2006)
Mais do que um simples projecto musical, os irmãos Olof Dreijer e Fever Ray, sempre se assumiram como experiência total, onde som, imagem, performance, conceitos e política participam no mesmo vórtice. Algumas das suas acções criativas mais parecem autênticos manifestos. Não são únicos. De Björk a Laurie Anderson, outros existem que operam de forma semelhante. Mas neste álbum de electrónica nervosa e nocturna, essa totalidade é mais fascinante.
Nick Cave and the Bad Seeds “Ghosteen”
(2019)
Há obras que resumem um tempo. Há movimentos que reflectem uma época. E depois existem autores que nos acompanham, com altos e baixos, flutuações, mas dos quais sabemos sempre a que haveremos de regressar, aconteça o que acontecer. No meu caso, Robert Wyatt. Tom Waits, talvez. E Nick Cave. Ainda por cima, sou daqueles que defendem que nunca o tivemos tão capaz de gestos criativos ousados e pertinentes como nos últimos anos. O seu último álbum está aí para o comprovar.