Dez discos que definiram o meu gosto – Luís Viegas

Cada disco pode contar várias histórias. E quem quiser mais do que ficar olhar para as capas pode agora ler aqui… Dez discos… e as respetivas histórias. E assim nasce o gosto de cada um. E hoje quem partilha aqui os seus dez discos e as respetivas memórias é o Luís Viegas.

As semanas de confinamento têm infligido uma reflexão sobre como chegamos aqui. Ao ponto que nos encontramos.. Alguma inquietação. Para não dizer muita. Interrogações e dúvidas. Poucas soluções à vista. Vontade de nos adaptar, mas como!? Eis que começamos a recuar no tempo. A visitar as memórias.. A sacudir o pó dos discos. A arrumá-los. Foi o meu caso. Os CDs ainda estão uma balbúrdia. Cassetes são poucas. Tenho a maioria reunida no sótão de casa dos meus pais. Os contactos com os amigos e família são feitos apenas via digital. Começa a rápida contaminação dos “lives”, o trabalho no Zoom, no Teams ou no Skype. Tudo para encurtar distâncias e matar saudades. Nestas experiencias há coisas que rapidamente percebemos que não funcionam, e discutimos uns com os outros sobre isso mesmo. No entanto, não há ideias melhores. O que conta neste momento é manter-nos activos. Paralelamente começamos a ter ajuda na viagem às memórias. Os nossos amigos começam a desafiar-nos, através das redes sociais, marcando-nos e desafiando-nos a partilhar a partilhar os álbuns (10) que mais contribuíram para o gosto musical de cada um de nós. Eu começo a pensar…

A música tem sido o maior e melhor veículo de crescimento pessoal ao longo dos últimos 25 anos. Os últimos 10 anos principalmente. Abriu-me horizontes, fez-me conhecer culturas, pessoas, hábitos, que provavelmente a minha vida não chegaria. O meu gosto está em constante desenvolvimento, sendo influenciado pela música que oiço diariamente. Num processo insaciável de busca permanente. Logo penso, não vou conseguir. Sou contactado pelo Nuno Galopim para fazer tarefa igual para o seu blogue Gira-Discos. Irrecusável. Está a ficar ainda mais sério. Isto é preciso muita disciplina e ter critérios, penso. Embora a disciplina possa ser um facilitador muito útil para conseguirmos ser eficazes nos nossos objectivos, os critérios vão excluir discos que são essenciais à viagem pela experiência que cada disco me trouxe, e o que me fez abrir horizontes. Aí percebi. Não vai dar para todos. Vou obrigatoriamente ser tendencioso. É uma das possíveis viagens. 

Klaus Doldinger e Giorgio Moreder  e LimhalNever Ending Story, Original Soundtrack”

(1984)

É das primeiras viagens musicais feita no confinamento do meu quarto. Tinha 13 anos, há três anos a viver em Lisboa. Aos dez tinha deixado Tavira, a minha cidade berço. Fiquei fascinado com a história escrita por Michael Ende em 1979, que é trazida para a tela em 1984, chegando a Portugal em 1985. Não li o livro mas vi o filme de produção alemã, falado em inglês. O filme  e a própria banda sonora passavam a ideia romântica que uma história feliz não tem fim. Embora saiba que não é literal, gosto de acreditar na ideia.    

GNR “Valsa dos Detectives”

(1989)

Os GNR são das primeiras bandas portuguesas que acompanho enquanto fã, na minha juventude. Adoro as letras, as composições, e as emblemáticas prestações. Lembro-me de ir aos espectáculos da Fonte Luminosa em 1991 e no Estádio José de Alvalade em 1992. Recordo-me ainda de ter sentido na altura o frenesim de groupie quando partilhei hotel com a banda em Oliveira do Hospital. Encontrava-me lá por estar em preparação para o exame de Código para a Carta de Condução. “Valsa dos Detectives” e “Rock in Rio Douro”, são para mim os melhores álbuns da banda. Tenho o privilégio de ter os dois. O primeiro desde que ele saiu. O segundo comprei-o mais tarde numa feira de antiguidades num Verão em Tavira.  

Fausto Bordalo Dias “Madrugada dos Trapeiros”

(1977)

O Fausto Bordalo Dias é um incontornável poeta e compositor da música portuguesa. Para mim um dos melhores, senão o melhor. Não foi cedo que tive curiosidade e sensibilidade para mergulhar no repertório do Fausto. Já o fiz crescido. Escreve um poema de amor sem utilizar um único adjectivo (Foi por ela).  Compõe a música e letra em simultâneo. Já me confessou que rasgou muito papel. Este disco gravado entre 1976 e 77, como muitos outros conta com um naipe de excelentes músicos onde se destacam o Mestre Paulinho das Garotas e Rão Kyao, contando ainda com Sérgio Godinho nos coros em “Atrás dos Tempos”. Comprei-o numa feira de antiguidades na Avenida da Liberdade juntamente com o “Despertar dos Alquimistas”.

Queen “Hot Space”

(1982)

Os Queen são outra das bandas da minha juventude. Tenho vários discos deles, e recordo-me do mítico espectáculo no estádio de Wembley em 1986. As performances do Freddy Mercury e restantes companheiros na altura chamavam-me mais à atenção que os compatriotas Rolling Stones. A forma como os Queen compunham a sua música, produziam os seus vídeos parecia-me na altura mais disruptiva e desafiante. Este disco em particular destaco-o por conter “Cool Cat”, e “Under Pressure” que junta aos Queen, David Bowie. Ambos temas que fazem parte do espólio sonoro coletivo. Este disco em particular veio aterrar à colecção de surpresa. A minha amiga Filipa Palet trouxe-o sem avisar num jantar que eu e Madalena organizámos em casa com amigos.   

Bombino “Agadez”

(2011)

Chego ao Bombino e a este disco numa história de partilha e amor. Conhecido pelo Jimmy Hendrix do deserto, é numa conversa à porta da Mesa de Frades onde tínhamos acabado de ouvir Ricardo Ribeiro, que uma das restantes convivas do grupo, a Paula Nascimento, partilha comigo e com a Mónica Jardim que tinha visto um artista fora de série em Paris. Disse o nome, Bombino, e eu escrevi num bloco de notas, uma espécie de moleskine de bolso. No dia seguinte, vou pesquisar na internet. Cedo percebi que a Paula tinha sido uma grande olheira. Contactei o manager e nesse ano estava a fazer um espectáculo com ele no entretanto extinto CCB Fora de Si. E temos a questão da história de partilha resolvida. Entretanto, já depois de ter conhecido o Bombino e o bom músico que ele era e é, comecei cada vez mais a viajar com o disco. Estava viciado. Tar Hani, nome de uma das faixas, em tamaxeque quer dizer Meu Amor. Quis o destino que o Bombino andasse na Europa e fosse oportuno fazer um espectáculo em Lisboa. Na altura pesquisei, e o melhor local era o Bleza. Já conhecia uma das donas, a Madalena, mas pedi-lhe para nos encontrarmos pois precisava saber se o Bleza estaria interessado em fazer o espectáculo e levei-lhe o disco, Agadez. Aí começou a nossa história de amor. 

Ernst Reijseger / Harmen Fraanje / Mola Sylla “Down Deep”

(2013)

Corria o ano de 2013, e era fundada a Ao Sul do Mundo. Éramos cinco fundadores carregados de inquietação e fustigados pela austeridade Troikana que tinha enviado a produção cultural para níveis abaixo dos mínimos e esvaziado os bolsos ao cidadão comum. Em resposta agimos cooperando e juntando forças. Um dos fundadores era igualmente Director Artístico e de Produção do FMM Sines. O Carlos Seixas. Nesse ano, fui convidado para colaborar com o festival, onde já era assíduo militante, e amiúde colocava grupos a actuar quando a direcção do festival entendia. Nesse ano vi actuar Ernst Reijseger com o seu violoncelo e coordenei a sessão que ele fez com os mais novos no auditório.  Nesse ano também conheci David Neerman, vibarfonista multi-instrumentista e compositor. Já o conhecia da dupla Kouyaté-Neerman. Em 2014, propomos, por sugestão do Carlos Seixas, um espectáculo especial precedido de residência artística à Fundação Culturgest que juntaria Lula Pena, uma das artistas da Ao Sul do Mundo, ao vibrafonista David Neerman e o violoncelista Ernst Reijseger.  O repertório seria o da Lula Pena. Foi na residência que o Ernst me ofereceu este belíssimo disco de folk/free jazz. A residência não chegou a ser profícua. O espectáculo entre os três não se chegou a realizar.

Bulimundo “Bulimundo”

(1981)

Gravado em 1981 na Holanda, numa sessão em que gravaram dois álbuns, este e o sucessor “Ó Mundo Ka Bu Kába” editados pela Black Power Records, a banda fundada por Carlos Alberto “Catchás” em 1977, na Pedra Badejo, na Ilha de Santiago apresentava um funaná com ambientes psicadélicos à mistura. Revolucionários para a época. Eu só vim a descobri-los mais tarde por intermédio da Madalena e do Alcides e de toda a escola do Bleza. Tive a sorte de os ver ao vivo na cidade da Praia, no espectáculo de encerramento do A.M.E. – Atlantic Music Expo e abertura para o Kriol Jazz. O programa era composto por Dead Combo e Bulimundo. A praça estava cheia por residentes e convidados estrangeiros afectos à indústria da música. Eu estava a ver o espectáculo e ao meu lado estava o músico e meu amigo João Pires, que me dizia “O que é isto? Isto é funaná Pink Floyd”. O espectáculo foi soberbo. Consegui através de uma amigo residente em Cabo Verde, João Barbosa comprar este vinil, a muito custo. Entretanto noutra viagem consegui igualmente comprar o CD na loja de discos da Harmonia. Aconselho a escuta à discografia e vê-los ao vivo.

Elza Soares “A mulher do fim do mundo”

(2015)

Algures entre Maio e Junho de 2016 recebo email de um parceiro em Londres, Lewis Robinson da editora Mais um Discos com o press release da Elza Soares apresentando “A Mulher do Fim do Mundo”. Confesso que a minha primeira reacção foi estranha. Guardei o email e coloquei a bandeirinha. Passados poucos dias escrevi-lhe a pedir se não me enviava o álbum ou algum tema para eu ouvir. Enviou-me o álbum todo em MP3. Com vontade de resolver a minha intriga inicial deitei-me no sofá da minha casa a ouvir o álbum. Mexeu comigo desde o primeiro acorde, remexeu desde a primeira à última estrofe de cada letra. Pensei. Tenho de conseguir fazer esta artista e apresentar este disco ao vivo em Portugal. O disco já o tinha em MP3, mas isso não chegava. Era preciso fazê-lo chegar às pessoas. A mensagem contida nele era qualquer coisa. Era especial. Era forte. Era actual. Era urgente. Tinha reunião com a Vanessa Careta programadora do então Vodafone Mexefest. Lancei o nome para ver o que ela achava. Já tínhamos o Charles Bradley no cartaz, que entretanto viria a cancelar mais tarde por motivos de saúde.  A Vanessa não me deu esperança, até final de Agosto onde me diz que afinal o Luís Montez – Música no Coração estava interessado em programar a Elza. Entretanto pedi a um colega e amigo o contacto do empresário da Elza Soares e começamos a comunicar. Havia outro colega que já estava com datas em negociação cerca de duas semanas antes do período que desejávamos. Cheguei a dar a coisa por perdida. No entanto voltámos à mesa de negociações. A Elza Soares veio a Portugal apresentar A Mulher do Fim do Mundo para três espectáculos na Casa da Música – Porto, Festival Sons em Trânsito – Aveiro, e Vodafone Mexefest – Lisboa. No Coliseu deu-me o vinil que me autografou.

Medeiros/Lucas “Mar Aberto”

(2015)

Os nossos grandes amigos e parceiros Pedro Azevedo, Fábio e Sara Cunha tinham criado a Mira, projecto de management que albergava Medeiros/Lucas. Tinham lançado nesse ano o primeiro álbum com o selo da Lovers & Lollypops e CTL. Precisavam de parceiro para agenciamento. Fizeram chegar o vinil à Ao Sul do Mundo. Trouxe-o para casa, e sou surpreendido por um álbum que considero belo. Primeiro pela combinação inusitada de duas almas açorianas de idades bem distintas que não são gémeas mas geniais.  Musicalmente cruzam a folk com o atlântico. Posteriormente lançaram “Terra do Corpo” e “Sol de Março”. Qualquer dos três mereceram as melhores classificações da crítica especializada, e estão nos meus discos de referência da música portuguesa.

Conan Osiris “Adoro Bolos”

(2017)

Algures entre final de Fevereiro e Março de 2018, somos contactados, eu e a Felícia, por uma ex-aluna minha, Raquel Bravo.  Dizia-nos que era colega de um rapaz que fazia música que era uma grande cena, uma pedrada no charco. Pedia-nos ajuda por achar que poderíamos desenvolver trabalho com o Tiago, uma vez que ele ainda não tinha feito espectáculos ao vivo e precisava de estrutura de apoio. Para isso era preciso falarmos. Era preciso conhecê-lo, e ele conhecer-nos. Combinámos um primeiro encontro, e ao segundo o Tiago compareceu. Lembro-me de descermos a Avenida da Liberdade os quatro, em direcção ao restaurante. Lembro-me de conversarmos, e no momento eu já tinha escutado  a música dele. A Felícia já o tinha ido ver à ZDB na primeira parte da Linn da Quebrada. Eu tinha estranhado a sua música, a sua forma de compor e escrever. Mas parecia que alguma coisa me cativava para o seu universo. A forma como ele ligava tudo, como ele lia tudo. Por isso, num acto de atrevimento e tentativa de ir ao seu encontro, à sua frente, nesse primeiro encontro disse-lhe me fazia lembrar uma buganvília. Ele riu-se. Começámos a trabalhar poucas semanas depois.  Este álbum, “Adoro Bolos”, de edição AVNL em digital, foi em Dezembro de 2019 editado pela Ao Sul do Mundo com a cortesia da AVNL e distribuição da Sony Music Portugal. É um dos últimos álbuns que me fez quebrar fronteiras do gosto. Recentemente o mais importante a desempenhar esse papel.

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