France Gall: retratos de juventude na França dos anos 60

A editora de Jack White reeditou recentemente no formato de LP em vinil três álbuns que a cantora France Gall lançou entre 1965 e 1968. Todos eles refletem uma etapa na qual Serge Gainsbourg foi um dos seus mais importantes colaboradores. Texto: Nuno Galopim

Nascida em Paris em 1947, filha de um letrista (que chegou a escrever canções para ela) e de uma cantora, France Gall tinha já gravado duas canções de Serge Gainsbourg – Laissez Tomber les Filles e N’Ecoute Pas les Idoles, ambas de 1964 – quando, em 1965, viveu um momento de triunfo eurovisivo com Poupée de Cire Poupée de Son. A canção, que correspondia a uma primeira vitória eurovisiva de linguagens da emergente cultura pop, deu então visibilidade não apenas a France Gall mas ao próprio yé yé francês que, poucos anos antes, tinha dado primeiros sinais de visibilidade internacional com Françoise Hardy.

         A vitória na Eurovisão levou assim a uma plateia mais vasta o álbum então editado por France Gall. O deisco, que correspondia ao seu quarto lançamento a 33 rotações, foi pensado certamente como uma plataforma de apresentação da cantora a novos públicos que tinham acabado de a conhecer no concurso e leva também ao alinhamento algumas canções já antes editadas em singles, EP e álbuns. Poupée de Cire, Poupée de Son é um disco ainda claramente definido em ambiente yé yé, de formas e temas juvenis e, na verdade, focado num formato de canção bubblegum que a voz de France Gall veste em sintonia com todos os demais elementos em jogo. Além da canção que dava título ao LP, o álbum tem o seu segundo momento de maior interesse precisamente na segunda canção ali assinada por Serge Gainsbourg (Laissez Tomber Les Filles, na verdade a sua primeira composição para a voz de France Gall).

Popupée de Cire, Poupée de Son é o mais antigo da série de três álbuns de France Gall que a Third Man Records, de Jack White, reeditou já este ano. Apesar da carga popular do título este é, de longe, o menos estimulante do trio. Vale a pena focar mais as atenções em Baby Pop, de 1966. O alinhamento, que inclui três canções de Gainsbourg – Baby Pop, Attents Ou Va-T’en e Nous Ne Sommes Pas des Anges – é ainda um belo documento do yé yé francês, mas mostra um trabalho mais elaborado, sobretudo nos arranjos (interpretados pela orquestra de Alain Goraguer), chegando a envolver um belo trabalho para teclados em Cet Air Là.

Se bem que Baby Pop seja muitas vezes apontado como o grande álbum de France Gall nos anos 60, a maior (e melhor) surpresa deste lote de reedições estará em 1968. Se no álbum de 1966 havia um trabalho mais elaborado, aqui encontramos expressões de maior arrojo não apenas nos arranjos mas também na composição. Sinais dos tempos, o álbum assimila os ares dos tempos, integrando elementos da caleidoscópica cultura psicadélica em canções que, sem perder o seu apelo juvenil, soam agora mais desafiantes. Os arranjos orquestrais de Toi Que Je Veux, que baralham as linguagens de época ou os sabores indianos que temperam, logo depois, a Chanson Indienne, são um perfeito cartão de visita a um alinhamento que conta com Gainsbourg em apenas dois momentos, em Nefertiti e Teenie Weenie Booppie. O tom exótico, cinematográfico, da primeira destas canções é um belo exemplo do diálogo entre uma certa teatralidade e uma vontade em elevar a canção pop a outros patamares que caracterizava muitas das visões de artistas que, estimulados por criações recentes dos Beatles, Beach Boys ou Pink Floyd, procuravam novas sensações, rotas e destinos para aventuras para voz, instrumentos e outra imaginação. Bebé Requin e Les Yeux Bleus sublinha uma curiosidade em espreitar ecos do jazz em clima pop. Já Teenie Weenie Booppie parece aqui uma cápsula do tempo acabada de descobrir, lembrando as genéticas dos primeiros passos da parceria entre Gainsbourg e Gall (o arranjo, contudo, mostra que não estávamos mais em 1964…).

         1968 assinala o final de uma etapa na obra de France Gall. Termina aqui não apenas a sua colaboração com Serge Gainsbourg como o acordo que a ligava à Phillips não seria renovado. Os resultados talvez dececionantes de 1968 terão em parte contribuído para lançar uma sucessão de acontecimentos que levariam pouco depois a cantora a fixar-se por algum tempo na Alemanha, gravando uma sucessão de singles incapazes de definir um caminho (como o tinham feito os discos de 1963 a 68). Um então jovem Giorgio Moroder surge entre vários colaboradores pontuais num tempo em que France Gall acaba por se afastar da imagem de estrela juvenil que vestira nos anos 60, preparando a transição para uma idade adulta que se começa a manifestar evidente no álbum France Gall, de 1975 (o facto de o assinar com o nome é por si só uma clara afirmação de desejo de renascimento).

“Poupée de Cire Poupée de Son”, “Baby Pop” e “1968” estão disponíveis em novas prensagens em vinil pela Third Man Records.

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