Um académico começou por mergulhar fisicamente nos espaços onde Bowie viveu. Mas quando escreve um livro ao qual chama “Why Bowie Matters” acaba a falar mais de si do que sobre aquele que, pelos vistos, foi figura marcante na sua vida. Texto: Nuno Galopim

David Bowie deve ser um dos artistas da sua geração com mais vasta bibliografia publicada. Das biografias (há várias, algumas bastante recomendáveis) a olhares mais focados sobre períodos específicos, álbuns em particular ou olhando o seu trabalho com as imagens, não faltam títulos. Se me pedirem para escolher “um” livro sobre Bowie terei de apontar a “bíblia” de absoluta referência que é The Complete David Bowie, de Nicholas Pegg (a consultar sempre na mais recente edição, já que as novidades não deixaram de chegar). Mas depois há livros nos quais sentimos o impacte de Bowie naqueles que o admiram. E aí podemos ir desde a ficção que se desenha em To Major Tom – The Bowie Letters, de Dave Thompson, que assina cartas imaginárias enviadas ao músico à reação de Paul Morley que, poucos meses depois do desaparecimento do artista, lhe dedicou The Age Of Bowie, em cujas páginas encontramos a história de como os discos e a figura marcaram o jovem jornalista ao longo da década de 70. Entre a lista (extensa) de livros sobre Bowie assinados por grandes admiradores seus – e na qual não podem faltar Rebel Rebel e Ashes to Ashes, os dois volumes nos quais Chris O’Leary juntou os textos sobre a integral das canções que foi publicando originalmente no seu blogue – encontramos agora uma nova proposta. Tem por título Why Bowie Matters e é uma tentativa de um académico em tentar explicar a importância do músico. A ideia é boa. Mas na verdade fracassa. E porquê? Porque o autor acaba a falar mais de si e da importância que Bowie teve na sua formação individual, tropeçando naquela rasteira (muito frequente em algum jornalismo musical) de autores que não entendem que a vida daqueles sobre quem escrevem é mais interessante do que as suas. Fosse o título Why Bowie Matters To Me e a coisa tinha sido mais esclarecedora (e eu teria poupado 12,99 libras).
Will Brooker é um académico (trabalha na área dos estudos culturais) e explica-nos aqui como descobriu Bowie e como as suas canções, entrevistas, imagens e atitudes foram importantes para a sua própria formação individual. O livro centra-se muito na exploração deste relacionamento e em experiências “imersivas” nas quais o autor procurou caminhar entre os espaços em que Bowie viveu, sobretudo o bairro londrino em que cresceu e a zona de Manhattan onde morou nos últimos anos da sua vida.
Apesar da dose excessiva do era uma vez do autor (mesmo com Bowie a cada esquina), o livro guarda alguns momentos de boa leitura. Sobretudo na sequência em que Will Brooker reencontra (e entrevista) figuras que conheceram o jovem David Jones nos anos 60, notando-se aí o modo como, ao longo dos tempos, Bowie fez um revisionismo da sua própria narrativa, criando uma mitologia que se sobrepôs à realidade. Há ainda notas sobre a relação de Bowie com a obra de George Orwell. E numa outra sequência do livro o autor debate as várias expressões de afirmação identitárias que Bowie diz e contradiz ao longo dos tempos. De resto, a coisa é desinteressante e revela mais vaidade do autor do que capacidade em debater a real importância cultural e social daquele de quem, afinal, deveria estar a falar.
“Why Bowie Matters”, de Will Brooker, é uma edição de 308 páginas da William Collins