Cada disco pode contar várias histórias. E quem quiser mais do que ficar olhar para as capas pode agora ler aqui… Dez discos… e as respetivas histórias. E assim nasce o gosto de cada um. E hoje quem partilha aqui os seus dez discos e as respetivas memórias é o Rui Pedro Tendinha
The Go-Betweens “1978-1990”
(1990)
A minha memória do final dos anos 80 e do começo dos anos 90 troca-se e confunde-se. Já não me lembro ( e nem quero confirmar via net…) quando passei um serão lindo de morrer com os Go-Betweens na Estufa Fria de Lisboa. Sei que me marcou e que, mais tarde, obriguei-me a comprar The Go-Betweens 1978-1990, colectânea que me fez recuperar o que não conhecia destes australianos. Na altura, andava também a flirtar com os Triffids, banda que certa imprensa queria colocar como rivais dos Go-Betweens. O meu caso de amor com esta banda acompanha também um pequeno grande romance que vivi nestes dias. Mas, claro, a memória já não se lembra dos detalhes. A minha musa desse romance ficava bem ao som ao da voz de Robert Forster, senhor que um dia apanhei mais ou menos por acaso num concerto a solo em Los Angeles.
Wham! “Last Christmas”
(single, 1984)
Foi na saudosa discoteca do Xenon que comprei este single no dia em que foi lançado. Um single que acompanhou as minhas descobertas pop mais melodiosas e que me fez acreditar verdadeiramente no talento de George Michael. Sei que foi pelos arranjos, sei que foi pela proposta de um hino melancólico a amores perdidos que esta canção entrou em repeat no meu quarto de adolescente. Pode um tema fazer com que nos tornemos mais românticos? Na altura acreditava que sim, mas os Kajagoogoo com Hang on Now ou os Soft Cell com Say Gello Wave Goodbye também ajudaram…
Pixies “Doolitle”
(1989)
Uma férias na Manta Rota, um grupo de amigos e uma cassete a tornar-se viciante. Foi esta a minha apresentação a Black Francis. Não são canções de verão mas no meu consciente foram a banda-sonora de um escapismo que me traz boas memórias. Foi também um disco que me fez imaginar uma América sem floreados de Hollywood e em que o som das tensões daqueles temas se trasnsformava nas minhas tensões. A partir daí, jurei ser fãs dos Pixies para sempre. Traí-me…Hoje respeito-os mas não os sigo. Convém apenas frisar que não melómano de nostalgias fundas…
David Bowie “Modern Love”
(máxi-single, 1983)
Aqui há manha cinéfila. Esta canção lembra-me fuga e sangue jovem, ou seja, lembra-me o desespero de Juliette Binoche em Má Raça, essa imensa e monumental obra-prima do Leos Carax. Bowie como figura perene de um certo cinema francês punk-pop. Foi a música que mais dancei numa altura em que não me apetecia dançar, a música que me fez imitar os trejeitos do senhor David Jones e também aquela que ainda hoje danço que é para dançar com efeito de álcool. Fiz questão na altura de preferir o maxi-single, não sei porquê. Comprei-o na discoteca do Apolo 70 para aproveitar e ver os cartazes que estavam na sala de cinema.
Sparks “Lil’ Beethoven”
(2002)
Cheguei tarde aos Sparks, mas mais vale tarde do que nunca. Este foi dos álbuns que me ensinou que o excesso pode ser minimal e que a loucura dos outros pode ser a nossa. Na semana em que tocaram no CCB, a canção How do I Get to Carnegie Hall não me saiu da cabeça – é talvez uma das canções que me dá sempre prazer ouvir, mesmo no luto. Curiosamente, em Nova Iorque, numa visita ao Carnegie Hall imaginei o refrão final mal cheguei à porta. Que bela assombração!
“Gorán Bregovic “Le Temps des Gitans / Kuduz”
(banda-sonora, 1990)
A banda-sonora da minha vida? É algo aleatório dizer isso mas quando via O Tempo dos Ciganos lembro-me que o maior efeito de encantamento não passava pela extravagância estética de Kusturica mas sim pela hipnose do som de Bregovic. Não sou um “expert” de “world music” mas ao ouvir estes sons senti-me transportado. Mais tarde, quando Bregovic visitou a Culturgest para um concerto de euforia estonteante senti-me transtornado. Transformado e transtornado – a experiência era de libertação no domínio do religioso.

Sérgio Godinho “Escritor de Canções”
(1990)
Começo dos anos 90. Vai-se a um concerto e fica-se com o vírus. Confesso, nessa altura o vício era a cena punk e pop anglo-saxónica. Música portuguesa? Mão Morta, Pop Dell’Arte, Variações e pouco mais. O meu amor era o que se apelidava de música moderna, mas sempre gostei do Sérgio. Pois bem, depois do concerto no Instituto Franco Portugais tudo mudou. Foi como uma revelação. Fiquei siderado. Por isso e muito mais, tinha que colocar aqui um disco ao vivo. É uma parte de mim e da minha geração que está ali. Pus-me em guarda.
Blur “Parklife”
(1994)
Numa altura em que me apaixonava por tudo e por nada as canções deste disco acompanharam-me na minha vida romântica. Foram também a banda-sonora de muitas viagens em que no cd do auto-rádio o disco passava em repeat. Achava que era um CD que tinha a ver comigo, não foi por acaso que a Gabriela Carrilho me apresentou o Damon Alburn numa discoteca do Cais do Sodré numa noite após um dos maiores concertos da minha vida (sim, os Blur no Coliseu). Lembro-me que Damon riu da minha provocação: estava com uma T-shirt dos Oasis para impressionar uma rapariga. Enfim… O tempo passa e continuo convicto que Parklife é a canção perfeita para fazer moshe com amigos, que End of a Century nunca desatualiza e que To The End é uma canção pop perfeita…
Nirvana “Nevermind”
(1991)
Sou dos sortudos que foram ao Dramático de Cascais ver o concerto dos Nirvana. Foi dos sortudos que apanhei o boom de Nevermind. Foi dos azarados que quis ter o cabelo à Kurt Cobain e fui ainda um dos azarados que exteriorizou a sua “angst” com Come as You Are. A vida passa mas este disco fica. São muitas as memórias que ele traz: amigos “grunge”, noites bravas e brindes constantes. Parece surreal termos sido tão felizes com um só disco…
Prefab Sprout “From Langley Park to Memphis”
(1988)
Voar com o Fred Astaire da pop. Foi assim que me senti numa tarde de março mal coloquei o álbum no giradiscos dos pais. Paddy McAloon tornava-se o meu melhor amigo invisível, bem ao lado de Nick Cave, Simon LeBon, Marc Almond ou Shane McGowan. Este disco foi também uma amostra das possibilidades das misturas na pop e da arte da reciclagem. A partir daí, aceitei sempre as propostas mais arriscadas, coisa que não deixa de ser irónica num disco tão solarengo e aberto. Há uns meses atrás tive um orgasmo múltiplo quando ao ver a série seminal I Am Not Ok With This deparo-me com o som deste disco numa cena em que um adolescente canta King of Rock n’Roll ao espelho. Esse adolescente sou eu, são tantos de nós….