Lançado a 10 de maio de 1982, “Rio” assegurou aos Duran Duran um estatuto com dimensão global, que conquistaram com a ajuda de uma nova ferramenta de comunicação: o teledisco. Mas o disco só chegou longe porque, na verdade, tinha grandes canções. Texto: Nuno Galopim

Foi a 10 de de maio de 1982 que Rio chegou às lojas. Com nove canções feitas de uma pop luminosa e hedonista, celebrando a cultura festiva dos oitentas (em clara oposição ao clima urbano mais assombrado de outros contemporâneos e muito distante de quaisquer vontades em traduzir os ecos dos males do quotidiano), o disco elevaria os Duran Duran do estatuto de jovens estrelas que se haviam destacado entre a geração new romantic que dera que falar entre 1980 e 81 ao patamar de estrelas globais. As primeiras de uma nova era em que o vídeo serviu para projetar pelos cantos do globo as imagens e as canções.
Os telediscos exuberantes e de grande orçamento que acompanharam Hungry Like The Wolf, Save a Prayer e Rio, filmados entre o Sri Lanka e Antígua e realizados por Russel Mulcahy, sublinharam não só a cor, o calor e o sentido social e politicamente descomprometido destas canções, como serviram os apetites de uma recém criada MTV que nos Duran Duran encontrou um entre os seus primeiros heróis, abrindo as portas do mercado americano ao grupo que, com outros do seu tempo, protagonizou uma nova “british invasion” como não se via desde 1964, então com os Beatles e os que se lhes seguiram.
O álbum foi gravado na Primavera de 1982 nos Air Studios, em Londres, seguindo um caminho distinto da pop de travo disco inicialmente sugerida pelo single My Own Way, lançado alguns meses antes, ainda em finais de 1981. A canção, de resto, acabaria por surgir regravada no alinhamento do álbum, destacando diálogos entre o baixo e bateria, definindo uma postura pop dançável que caracterizaria alguns dos temas fundamentais do disco, cedendo todavia espaço à trégua no Lado B, sobretudo na recta final do alinhamento que revelaria um clássico popular (Save a Prayer) e um verdadeiro hino de culto entre fãs (The Chauffeur). Inspirado pelo optimismo e cor que encontraram na América em 1981, o álbum celebrou essa descoberta, inclusivamente adoptando por nome uma marca imediatamente reconhecível da geografia americana: o Rio (de Janeiro), apesar da total invisibilidade do Brasil e cultura brasileira em quaisquer outros momentos do disco.

Tal como se notara entre as canções do álbum anterior os caminhos da tradição pop/rock cruzavam-se uma vez mais com uma predisposição natural para momentos de fuga noturna com a dança no horizonte (característica que de resto seria vincada nas misturas alternativas apresentadas na edição americana do álbum). Contudo, a presença de uma mais elaborada cenografia talhada pelos trabalhos para teclas amplificava o quadro quase cinematográfico dos acontecimentos sonoros, representando hoje este disco um claro exemplo de uma assinatura que faz de Nick Rhodes um dos teclistas de referência da história da pop.
Esta relação entre guitarras, estrutura rítmica e cuidado trabalho para teclas definiria um paradigma na sonoridade dos Duran Duran, ao qual o grupo regressaria em alguns dos mais marcantes dos seus episódios posteriores, seja quando em 1997 apresentaram o single Electric Barbarella ou, mais consequentemente, em 2010, quando fizeram de All You Need Is Now não apenas o seu melhor álbum depois de 1982 mas também o sucessor de Rio que, na verdade, até então nunca haviam criado.
O disco, uma vez mais produzido por Colin Thurston, traduz uma arrumação que divide as canções em dois grandes grupos. O lado A abre com o tema-título, um clássico (e aqui o teledisco ajudou) que guarda um dos mais notáveis trabalhos de baixo de John Taylor. Segue-se My Own Way, numa leitura que trava o ímpeto disco da versão do single ainda lançado em 1981 e propõe um primeiro flirt com linhas funk que conheceriam desenvolvimentos posteriores não apenas em Union of The Snake ou The Reflex, mas sobretudo no álbum Notorious (e ao que tudo parece indicar, talvez também em Paper Gods). Lonely In Your Nightmare evoca a elegância de uma pop à la Roxy Music. Depois vem Hungry Like The Wolf, que é talvez o mais perene dos êxitos aqui nascidos. E este lado fecha com Hold Back The Rain, tema na mesma linha do anterior e que poderia ter representado um quinto single…
O lado B apresenta New Religion, que sugere como subtítulo a ideia de um diálogo entre o ego e o alter-ego, clima narrativo que a instrumentação mais elaborada e sombria depois vinca. Segue-se Last Chance on The Stairway, o elo mais fraco do alinhamento e a única destas canções que não teve vida maior além do disco. Save a Prayer retoma o clima de viagem interior que New Religion mostrara a abrir esta face do disco, revelando outro dos clássicos maiores do grupo (que curiosamente só teria edição em single nos EUA numa versão ao vivo extraída do álbum Arena, lançada sem grande impacte em inícios de 1985). O disco fecha com The Chauffeur, que é de todos os temas aquele que mais valoriza e destaca o trabalho de filigrana de acontecimentos nas teclas. Nunca foi single (devia ter sido), mas não só teve um teledisco como ainda hoje regressa por vezes ao alinhamento de concertos do grupo.
Na capa surgia uma ilustração de Nagel que se tornou icónica e foi mais tarde auto-citada pelos próprios Duran Duran na contracapa de Medazzaland (1997). O design, como sucedeu com muitas das capas desta etapa na vida dos Duran Duran, esteve a cargo de Malcolm Garrett, da Assorted Images. A fotografia, que vemos num losango (figura geométrica que teria projeção nas capas dos singles e continuidade até em momentos posteriores na discografia do grupo) é um pormenor de uma das imagens da sessão da qual nasceu a fotografia usada na lyric sheet (a capa interior).
Esta segue as pistas a lilás sugeridas nos retângulos onde o alinhamento e números se série surgiam na contracapa do álbum. Na frente desta capa apresenta-se uma das fotografias de uma série assinada por Andrew Earl. América? O título do álbum e toda a sua alma americana tal poderiam sugerir… Mas na verdade a imagem foi tirada… em Londres (a catedral de St. Paul é, de resto, bem visível no fundo, sobre Roger e John Taylor). Note-se a opção pelo trajar de fatos mais clássicos (apesar do garrido nas cores das escolhas de Roger e de Nick Rhodes), bem longe do look dos dias em que eram heróis new romantic um ano antes. O verso desta capa interior inclui as letras das canções e as datas em que foram escritas. Repare-se que a letra de The Chauffeur data de 1978. Ou seja, do ano da formação do grupo, mas na verdade escrita por Simon Le Bon dois anos antes de se juntar aos Duran Duran.
Foram retirados quatro singles do alinhamento de Rio. Um deles, como acima foi referido, lançado alguns meses antes, e numa versão consideravelmente diferente daquela que depois encontraríamos no álbum. Além desses quatro singles duas outras canções do álbum tiveram ainda direito a teledisco.
My Own Way
O quarto single dos Duran Duran, lançado em Novembro de 1981, representou a partida para o seu segundo álbum, que seria apenas lançado quase seis meses depois. Gravado em Outubro, ou seja, muito antes das demais canções que depois surgiriam em Rio, My Own Way assinalava evidente afastamento do som apresentado no álbum de estreia, apostando numa revinvenção do legado do disco na forma de uma canção pop rápida e melodiosa, destacando-se na sua estrutura uma camada de ‘disco strings’ tocadas nos teclados pelo próprio Nick Rhodes. O single ficou aquém do esperado, atingindo apenas o número 14 no Reino Unido. Em Portugal foi, contudo, um dos maiores sucessos dos Duran Duran, tendo-se mantido por sete semanas no primeiro lugar. Houve, inclusivamente, uma edição especial do single (com capa diferente e um autocolante como bónus) para o mercado português. O grupo terá, aparentemente, desenvolvido uma má relação com My Own Way, nunca tendo incluído o single nas compilações ‘oficiais’ Decade ou Greatest.
Hungry Like The Wolf
O segundo single de Rio chegou às lojas de discos poucos dias antes do álbum. Acompanhado por um teledisco rodado no Sri Lanka, Hungry Like The Wolf foi como uma alavanca, projetando o grupo para um patamar de popularidade global que o álbum Rio depois sustentou. No Reino Unido deu-lhes um número 5 e nos EUA, a remistura de Kershenbaum lançada alguns meses depois levaria a canção ao número 3. Em Portugal atingiu o primeiro lugar. Hungry LIke The Wolf é hoje um dos clássicos maiores dos Duran Duran, invariavelmente recordado nos seus concertos. A canção nasceu num dia de trabalho nos estúdios londrinos da EMI em inícios de 1982. Tudo partiu de um som criado por Nick Rhodes num teclado Roland Jupiter 8, ao qual Simon Le Bon foi acrescentando uma letra e sucessivas repetições do som “do”, mais tarde acolhendo um riff criado numa Les Paul por Andy Taylor e a secção rítmica que se seguiu, completando a sua forma. Com Colin Thurson, semanas depois, já nos Air Studios, a canção ganharia a sua forma definitiva.
Save a Prayer
O sexto single dos Duran Duran revelou o primeiro sucesso global do grupo no formato da balada mid tempo, registo que lhes daria, 11 anos depois, um dos outros êxitos transversais da sua obra, Ordinary Word. Canção relativamente longa para os três minutos habituais no panorama pop de inícios de 80 (a versão do single dura 5’25”), Save a Prayer é exemplo claro do tom sofisticado, claramente influenciado por um sentido de elegância escutada nos Roxy Music de finais de 70, que caracterizou o álbum Rio. Foi o primeiro single do grupo a ser lançado numa etapa em que a sua exposição mundial deles fazia então o grupo mais popular do mundo. Para espanto do grupo e editora, não lhes deu (ainda) o primeiro número um em Inglaterra. A canção tornou-se num clássico do seu tempo e é um dos originais dos Duran Duran com mais versões gravadas, das visão mais “convencional” de Tony Hadley à abordagem radical dos Shut Up And Dance. É também citada em canções de nomes como os U2 e Arctic Monkeys. No lado B do single foi incluída uma versão remisturada de Hold Back The Rain, faixa que na versão original surgiu no álbum Rio. Este tema chegou já a ser usado pela NASA para acordar os astronautas do Space Shuttle cuja reentrada na Terra fora travada, nos dias anteriores, pela chuva intensa sobre a base aérea onde a nave deveria aterrar.
Rio
Rio foi editado em novembro de 1982 como o quarto single extraído do álbum. E mesmo não tendo repetido o êxito global de Hungry Like The Wolf ou Save a Prayer, é hoje recordado como um dos clássicos maiores da obra do grupo. Uma das razões para esse estatuto decorre do sucesso (e grande visibilidade) que teve o teledisco, em grande parte rodado a bordo de um veleiro, em Antígua, no qual a banda surge a bordo de um iate em pose jet set, vestindo fatos de Anthony Price. São inúmeras as referencias e citações que a canção teve nestes 30 anos, de uma passagem na letra de I Bet You Look Good On The Dancefloor dos Artic Monkeys à leitura que os Nirvana fizeram em palco por ocasião de uma atuação no Brasil. A canção abre com uma sequência de ruídos, criados em estúdio por Nick Rhodes, na verdade nada mais que a gravação de uma série de varetas de metal lançadas sobre as cordas de um piano… Daí cresce uma canção pop, com presença protagonista do saxofone numa sequência instrumental perto do final. Editado como single em Novembro de 1982, Rio deu mais um top ten britânico ao grupo (atingiu o nº 9). Nos EUA, depois da descoberta da canção pelos DJs no alinhamento do EP Carnival, o single de Rio foi lançado já em março de 1983, aí atingindo o nº 14. Em Portugal, Rio foi o único single da produção dos Duran Duran entre 1981 e 83 a não conhecer edição local.
Os telediscos de Lonely In Your Nightmare e The Chauffeur foram criados para o videoálbum Duran Duran, lançado em 1983.
Esta versão ao vivo de New Religion foi extraída do filme-concerto As The Lights Go Down, de 1984.