Um retrato de Ian Curtis por Anton Corbijn

Estreado em 2007, “Control” é um dos melhores ‘biopics’ criados em torno de figuras do mundo da música. Por detrás das câmaras estava um fotógrafo que em tempos tinha já criado um teledisco (póstumo) para os Joy Division. Texto: Nuno Galopim

Baseado na biografia assinada pela viúva, Deborah Curtis (publicada em Portugal, pela Assírio & Alvim, com o título Carícias DistantesControl é um filme mais centrado na figura do homem do que na sua música e todo o mito que depois se fez um dos maiores da história da cultura pop. O homem de quem se fala é Ian Curtis, vocalista dos Joy Division e uma das mais influentes figuras surgidas entre as movimentações que mudaram os rumos da música popular depois da revolução punk.

Control é um biopic consciente da medida em que os contextos de tempo, lugar, sociedade marcam uma vida e, depois, os caminhos que todas estas realidades encontram para se expressar numa obra. E logo aqui se define um patamar de relacionamentos usado em favor de uma narrativa que nunca se perde em desvios e caminhos paralelos.

O filme vive também de um feliz episódio de bom casting. Os actores que dão vida aos Joy Divsion não só são fisicamente parecidos com os músicos, como são eles quem interpreta e canta as canções, dando-lhes uma certa verdade de carne e osso. O filme mostra rara sobriedade numa evocação que, mesmo elegíaca, não se perde numa divinização exacerbada do mito. Ian Curtis é, aqui, um homem atormentado, divido, perdido. Mas, sem a patine de glamour e exagero que muitas vezes acompanha os mitos, o Ian Curtis de Control é arrepiantemente real.

Se por um lado a música é inevitavelmente uma peça fulcral em toda a narrativa, por outro é na figura de Ian Curtis que Anton Corbijn se concentra. Os traços de personalidade e o acumular de experiências vai moldá-lo. E quem estiver atento às canções que vão surgindo acaba por verificar como não deixaram nunca de ser um espaço de mergulho interior profundamente honesto e, ao mesmo tempo, assustadoramente revelador. Vemos, por exemplo, uma sequência na qual canta Isolation, ao gravar o segundo álbum. Está atormentado em várias frentes: o casamento a desmoronar, as incertezas de um novo amor possível, os cada vez mais pesados desafios da vida profissional, a epilepsia que de manifestava cada vez mais frequentemente, isto sem esquecer os efeitos secundários da medicação e uma sensação de culpa herdada de vários destes conflitos interiores. Mas Corbijn não força a narrativa a explicar-se. A canção fala por si. O momento de solidão na cabine de gravação dá-lhe um sentido de terrível realidade. E tem tanto peso na narrativa este momento como aqueles em que vemos cenas da vida urbana cinzenta de Macclesfield (de onde Ian sempre quis sair, como confessa à belga Annik por quem se apaixona nos últimos meses de vida) ou os momentos em que vemos o jovem cantor entregue a um trabalho como funcionário público na cidade onde vivia.

O realizador não quer fazer nunca do filme um ensaio sobre a relação entre a vida de Ian Curtis e as suas canções. Mas a verdade é que Control consegue fazer com que cada espectador, depois, acabe por regressar aos discos dos Joy Division. O texto está sempre no contexto, pelo que várias leituras podem ser feitas consoante a familiaridade de cada um com a história de Ian Curtis e dos Joy Division. Dois exemplos? O produtor Martin Hannett, peça importantíssima na criação do som em disco dos Joy Division, surge com o seu ar deslavado “clássico” mas nem sequer o seu nome chega a ser referido (ou explicado). O mítico concerto dos Sex Pistols no Lesser Free Trade Hall (a 4 de junho de 1976) está representado. Mas de todo é aqui retratado com as purpurinas do mito, como o fez Michael Winterbottom em 24 Hour Party People. De resto há mais exploração de ligações da iconografia dos Joy Division nesse outro filme sobre Tony Wilson e a Factory do que em Control. E Winterbotton chega mesmo a incluir imagens de Atmosphere de Anton Corbijn. Control opta por fechar ao som desta canção. São filmes diferentes (e ainda bem, porque se completam).

Corbijn sabe filmar canções e músicos. Tal como na obra fotográfica e nos muitos telediscos que tinha já assinado para nomes de referência na pop desde meados dos anos 80 (de David Sylvian aos Front 242, dos Depeche Mode aos U2, sem esquecer os Joy Division, para quem criou imagens para Atmosphere em 1988), Anton Corbijn rodou Control a preto e branco. Mas mesmo ciente de uma aposta estética concreta nunca afoga a história sob o peso das imagens.

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