Editado em maio de 1980, o segundo álbum dos Human League corresponde ao final de uma etapa que precedeu a separação do grupo (partindo dois dos elementos para formar os Heaven 17). O disco é um importante exemplo de demanda pioneira na área da pop eletrónica. Texto: Nuno Galopim

Surgidos na Sheffield de meados de 70, os The Future (Martyn Ware e Ian Craig Marsh) transformaram-se em Human League, fazendo das eletrónicas um espaço de rebeldia face ao panorama musical não muito diferente do que então acontecia com bandas punk. Na cidade não havia quem não sonhasse com caminhos possíveis de fuga ao que, aparentemente, se desenhava na frente de cada um como um destino inevitável num dia a dia entre a casa, o trabalho na indústria e horas livres e as de sono para completar os ciclos de cada semana, logo renovados em mais do mesmo. Na verdade, esta visão sombria não data dos anos 70, já que, bem antes, já George Orwell tinha descrito Sheffield como “a cidade mais feia do velho mundo”. E num texto que abre o livro que acompanha a caixa de 4CD Dreams To Fill The Vacuum – The Sound of Sheffield 1977-1988, recentemente editada pela Cherry Red, Sheffield é descrito como um lugar “que durante gerações tinha sacrificado a estética em busca de uma visão industrial”. E tal como os Kraftwerk traduziram através da sua música uma expressão da vida alemã do seu tempo, também muita da música que emergiu de Sheffield por esses dias acabou por ser um espelho direto do contexto social e estético.
É claro que nem todas as bandas de Sheffield surgidas em finais dos anos 70 nasciam com uma mesma orientação (nem o encantamento dos “novos” sintetizadores era presença com protagonismo garantido). Mas a verdade é que ali surgiram então alguns nomes visionários de uma geração que foi pioneira na assimilação das eletrónicas no formato da canção popular, em busca da construção de um futuro (umas vezes mais luminoso, outras mais cético ou desencantado). Um pouco como se da herança dos sons metronómicos das fábricas, do bater do metal sobre o metal, brotasse uma lógica que, com a ajuda de novas ferramentas (e sob a descoberta de novas ideias que, entretanto, borbulhavam na Europa continental e a liberalização do preço dos sintetizadores já perto do fim da década), desenhasse assim um possível caminho de fuga. Se Bowie e os demais heróis nascidos do glam tinham motivado novos sonhos pop e o punk libertado as amarras do que era ou não possível, as referências plasticamente marcantes vinham da Europa continental, sobretudo da Alemanha.
Os Cabaret Voltaire (de Sheffield) assinalaram ali primeiros passos exploratórios. Também pioneiros, os Human League acrescentaram à sua demanda o desafio de uma visão pop, que começou por se manifestar em primeiros singles, como Beling Boiled (1978) ou, mais ainda, no menos sombrio Empire State Human (1979), não perdendo o gosto pelo desafio das formas, como mostraram no EP The Dignity of Labour (1979). Co-produzido pela própria banda, juntamente com Colin Thurston (que um ano depois estaria a trabalhar com os Duran Duran) Reproduction (1979), o álbum de estreia, procurava juntar esses dois mundos. Passou longe das atenções, mas definiu caminhos que o grupo aperfeiçoou no disco seguinte. Criado na companhia de Richard Mainwaring (que depois esteve com os OMD em Architecture & Morality) o segundo álbum dos Human League não perde nem as atmosferas sombrias e industriais (made in Sheffield) nem o impulso exploratório na abordagem aos sons, mas mostra não só uma composição mais segura como, sobretudo, um maior domínio na arte de moldar as arestas. A visão pop levantada por Empire State Human expandia-se através de canções como Only After Dark (uma versão de um original de Mick Ronson) ou The Touchables (que já adivinham o passo seguinte, em Dare), ao mesmo tempo que o “rigor” maquinal mantém a arquitetura industrial de The Black Hit Of Space, Dreams Of Living ou A Crow and a Baby. E WXJL Tonight parece olhar até para o pós-Dare! Love Kills ensaia um olhar pop eletrónico sobre o fulgor habitual das canções rock. Toyota City e Gordon’s Gin (um original de Jeff Wayne) mantém firme o gosto pelo desenho de cenografias. E uma nova versão de Being Boiled mostra uma atenção mais vincada ao poder da batida e do ritmo, como que a preparar caminho para (pouco depois) chegar de forma mais assertiva às pistas de dança.
Podemos encarar Travelogue como um disco de transição entre uma etapa de postura de ensaio e experiência natural em qualquer esforço pioneiro e a força da afirmação de plena maturidade da canção pop eletrónica que, um ano depois, se afirmaria não só em Dare como também em Penthouse and Pavement, álbum de estreia dos Heaven 17, banda que nasce da separação que ocorre entre os Human League depois de editado este seu segundo álbum. Mas mesmo sendo um disco que indicia transições, Travelogue merece ser apontado, mesmo antes desses dois álbuns de 1981 dos Human League e Heaven 17, como um disco a incluir entre a lista de referências da primeira geração de grandes álbuns da história da pop eletrónica.