DJ e documentarista, tem já uma assinalável obra, sobretudo focada nos domínios da música popular, incluindo títulos como “Uivo” (sobre António Sérgio) ou “Musica em Pó” sobre colecionadores de discos. Assinou ainda as séries “Casa das Máquinas” e “Fios Bem Ligados”, para a Antena 3 e RTP2. Hoje fala-nos dos seus discos.

Qual foi o primeiro disco que compraste.
Em 2008 vim para Lisboa após a Universidade e depois de alguns anos a passar música só com CDs, transitei para o vinil. Lembro-me de ter comprado o “Cherchez Le Garçon” dos Taxi Girl e mais uns 3 ou 4 singles da caixa de 1€ numa loja perto do Largo do Carmo.
E o mais recente…
Ainda antes da pandemia ter escalado por cá, comprei por um single turco de ’76 com um break funky super porreiro que só esta semana chegou. O título do tema é “Kanım Kaynadı Sana” e a interprete Gülistan Okan.
O que procuras juntar mais na tua coleção?
Deixei de comprar LPs há alguns anos, focando-me exclusivamente nos sete polegadas pois compro exclusivamente para DJ sets e a minha motivação inicial mais séria ia beber muito ao movimento Mod e na partilha de discos menos conhecidos. Já comprei e vendi milhares de discos, mas hoje só tenho mesmo os que quero partilhar numa pista, em ambientes mais calmos ou programas de rádio. Não me interessa a quantidade nem ter “palha” só para fazer número, numa espécie de feng-shui desfiz-me de absolutamente tudo o que não me interessava e desde então não tenho um disco que não esteja na prateleira com algum propósito.
Um disco pelo qual estejas à procura há já algum tempo.
O Danyel Gérard é um cantor francês que aparece em TODAS as bancas de discos em Portugal com discos tenebrosos, mas existe um single dele com o tema “Sexólogie” no lado-B que é uma malha incrível de psicadelia francesa. Nunca tive dinheiro para o comprar ao preço que aparece online, mas ainda acredito que o encontrarei pelo preço de uma moeda numa feira.
Um disco pelo qual esperaste anos até que finalmente o encontraste.
Um daqueles temas que baralha com a cronologia musical no mundo pós-internet é o “Vibration”, uma espécie de Acid-House minimalista de 1959 composto por dois compositores de música concreta, Kid Baltan e Tom Dissevelt para a Phillips. Um dia esse EP estava à minha espera na caixa dos 50 cêntimos na Groovie Records.
Limite de preço para comprares um disco… Existe? E é quanto?
Como freelancer cultural, sou um digger bastante pobre e conto pelos dedos os discos que comprei por mais de 20 e tal / 30 euros. Cheguei aos 35€ ao comprar um EP com o tema “Koi Lutera” – um proto-techno indiano fascinante – ou na versão turca do tema “Yali Yali”, com uma linha de baixo tripante imortalizada no filme Jesus Christ Superstar.
Lojas de eleição em Portugal…
Sou mais de armazéns bolorentos do que propriamente de lojas, e nesse aspeto a zona do Oeste (de onde sou) é maravilhosa. Sou um gajo com um orçamento ultra reduzido e tenho mesmo pena de não poder ajudar mais o comércio nacional no que toca a discos – a wantlist não pára de crescer -, mas tenho um apreço monstruoso pela Groovie ou a Peekaboo dada a oferta que estão a dar à cidade de Lisboa.
Trabalhas por vezes como DJ. É uma maneira de dar uso à coleção?
Sempre comprei discos com o intuito de divulgar o seu conteúdo em DJ sets, e não me sinto em nada prejudicado por me ter focado exclusivamente em discos de sete polegadas. Há tanta música boa no mundo! A maioria dos discos que uso em DJ sets valem 1 a 3€ – os chamados “cheapos” – mas quero acreditar que no quadro de DJs onde me insiro pouca gente os “roda”. Se eu puder ter um conjunto de discos que caraterizem os meus sets, melhor! Deixei de me preocupar com a velha questão de ter de levar alguns hits na mala para alegrar o público. Estamos em 2020, caraças, a abertura das pessoas para ouvir coisas que não conhecem é muito maior e a qualidade dos temas não é proporcional aos dígitos do valor no Discogs.
Como te manténs informado sobre discos que te possam interessar como colecionador?
No Instagram. Uso-o exclusivamente para partilhar discos e seguir malta dos discos (e o meu gato!).
Que formatos tens representados na coleção?
Principalmente singles e EPs em sete-polegadas mais umas poucas dezenas de LPs e um par de máxis.
Os artistas de quem mais discos tens?
The Zombies.
Editoras cujos discos tenhas comprado mesmo sem conhecer os artistas…
Sempre que me cruzo com algum single da Mute baratinho, trago-o se tiver dinheiro. O gosto do senhor Daniel Miller é um selo de qualidade.
Uma capa preferida
O “Electric Lucifer” do Bruce Haack.
Um disco do qual normalmente ninguém gosta e tens como tesouro.
O Pirata (Pirate Rap Attack) do Rui de Castro. Imagino que existam poucas unidades por aí deste exemplo percursor de Rap em Portugal, e num DJ set já me pediram ao rolar esse tema “por favor, muda isso que me está a dar dor de cabeça!“
Como tens arrumados os discos?
– Música Meridional, onde tenho os discos árabes, da Turquia, Índia, Brasil, etc.;
– Funk/Disco;
– Soul/Psicadelia/Freakbeat;
– Pós-Punk/Electro/SynthPop;
– Exótica/Easy-Listening/Electrónica 70s;
– 70s/80s portugueses junto com os discos para vender;
– LPs com poucas dezenas de discos de Library Music, Bandas Sonoras, sound effects, Eletrónica.
Um artista que ainda tenhas por explorar…
Ralph Lundsten, um compositor sueco de música cósmica dos 70s regada a sintetizadores.
Um disco de que antes não gostasses e agora tens entre os preferidos.
A versão japonesa “Dentaku” da “Pocket Calculator” pelos Kraftwerk. Esse single nunca me soava bem no meio de um set calmo, até o sentia irritante, até que um dia decidi colocá-lo a 33rpm. Tudo mudou!
Ao fazer um documentário sobre o universo dos colecionadores o que te interessou mais procurar na fase de pesquisa?
Com o “Música em Pó” nunca quis qualquer tipo de competição “entre os maiores coleccionadores”, tanto que nunca é referida a quantidade de discos de nenhum. Tentei ter um leque abrangente de malta que colecciona discos: desde o fanatismo (no bom sentido da palavra!) pelos autógrafos ao DJ que só procura um compasso de um tema específico. Interessou-me perceber o que os motivava a dedicar tanto da sua vida à sua colecção com uma pitada de voyeurismo vinílico “para encher o olho”.
Há discos que fixam histórias pessoais de quem os compra. Queres partilhar um desses discos e a respectiva história?
Das sensações mais bonitas que se pode ter no diggin’ é comprar um disco ao acaso (por exemplo, pelo simples “click” que o título da música ou o nome da banda te dá no cérebro naquele micro-segundo que passas por ele), e ao chegar a casa perceber que aquele tema/álbum/artista que desconhecias é fantástico. Isso já me aconteceu muitas vezes: conheci a Suzanne Ciani por ter comprado um disco seu de uma colecção privada em Rio Maior; a Incredible Bongo Band num armazém em Aljubarrota ou o Tó Neto numa feira de discos nas Caldas… No entanto, a história mais estranha que tenho é de uma venda: no ano passado, numa fase bastante apertada financeiramente mesmo, resolvi olhar individualmente cada disco que tinha para ver se havia algum que onde desse para fazer alguns trocos (e é uma coisa que até faço com alguma frequência). No fundo de uma caixa vejo um single da Atlantic que tinha há anos parado, “Give You Plenty Lovin’” do Sam Moore. Não me consigo lembrar, até hoje, onde o comprei, mas como olhava sempre para ele como uma balada que podia um dia dar jeito para um DJ set de soul mais melodioso. Descobri que não tinha dado atenção ao lado b que era um santo-graal do Northern Soul. Vendi-o após 30 minutos de o colocar no Discogs por 900 euros.
Um disco menos conhecido que recomendes…
O único disco dos britânicos July. Psicadelia britânica de 1968 absolutamente deliciosa. E o disco é bem baratinho.