Licenciado e doutorado em sociologia (dos media), com um percurso académico feito entre instituições como a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Universidade de Stirling (na Escócia), Pedro Nunes fala-nos hoje da sua coleção de discos.

Qual foi o primeiro disco que compraste?
“Beatles for Sale” quando ainda andava na primária. Claro que não foi com o meu dinheiro e estava acompanhado pelos meus pais mas foi uma escolha minha depois de uma primeira introdução aos Beatles com as duas colectâneas da varanda, “1962-1966” e “1967-1970”. Ainda o tenho com o preço na contracapa: 305 escudos. Com o meu dinheiro acho que foi o “The Rolling Stones No.2”. Comprei-o na discoteca do centro comercial AC Santos em Alvalade. Tinha uma música chamada “I Can’t Be Satisfied” que assumi ser a “(I Can’t Get No) Satisfaction”.
E o mais recente…
“Hot Buttered Soul” de Isaac Hayes. Mandei vir do Reino Unido pelo Discogs e só chegou ao fim de dois meses e meio por culpa do bichinho.
O que procuras juntar mais na tua coleção?
Nada em particular. Nos últimos tempos tenho comprado mais na área da world music (categorização muito discutível, bem sei) e depois há alguns discos que aguardo por uma reedição a um preço razoável. Mas não há nenhum filão ou artista que ache que tenha de estar melhor representado na minha discoteca.
Um disco pelo qual estejas à procura há já algum tempo.
Refiro dois… O álbum de Mark Kozelek com os Desertshore de 2013, que não comprei na altura em que saiu e que, entretanto, deixou de estar disponível. É excelente e certamente que comprarei o LP se vier a ser reeditado nesse formato. “Bosporus Bridges Vol. 2: a wide selection of Turkish jazz and funk” (2011). É a segunda de três colectâneas com o mesmo título. De momento apenas o primeiro e terceiro volumes se encontram no mercado, pelo que o preço desta no mercado de usados é proibitivo. Qualquer um dos três é óptimo!
Um disco pelo qual esperaste anos até que finalmente o encontraste.
“Spirits Rejoice!” do Louis Moholo Octet (1978). É um baterista sul-africano de jazz que colaborou com vários nomes sonantes e gravou sob diversas formas. Procurava o álbum há alguns anos mas foi finalmente reeditado no ano passado. Acima de tudo por um longo tema fantástico que me deixa sempre com um sorriso de orelha a orelha, o “You Ain’t Gonna Know Me Cause You Think You Know Me”.

Limite de preço para comprares um disco… Existe? E é quanto?
Durante algum tempo foi 20€ por um LP mas recentemente, com o surgimento do Discogs e os portes de envio, comecei a gastar acima dessa marca. Diria que neste momento anda pelos 25€. Mas pontualmente já gastei mais.
Lojas de eleição em Portugal…
Nenhuma em especial. Talvez destaque o Pedro da Feira da Ladra porque já o conheço há muitos anos e acabou por ser importante para as minhas descobertas no campo da world e de cenas alemãs da década de 70 (kraut, electronica, etc). Também a Discolecção na Calçada do Duque porque tem uma boa selecção em segunda mão a preços acessíveis e porque sempre que lá vou apanho com conversas dignas de um High Fidelity caso fosse realizado pelo Tarantino 😊 A Sound Club no Espaço Chiado para encontrar a melhor selecção de música portuguesa em 2ª mão (desde que não estejam rabiscados na contracapa!). E a Carbono por ter muita coisa (apesar dos maus-fígados no atendimento!)
Ter um trabalho académico que se cruza com estes universos interfere sobre o gosto e, consequentemente, a coleção?
Não sou musicólogo apesar de estar integrado num centro de investigação em música. Sou licenciado e doutorado em sociologia (dos media) o que faz uma certa diferença na abordagem à música enquanto objecto de estudo. Não teve grande impacto no gosto. Pela escolha de determinados temas de investigação descobri algumas músicas, nomeadamente os artistas de Batida editados pela Príncipe Discos e de algumas correntes dentro da música de dança electrónica editados pela Groovement. Mas diria que foi mais ao contrário: foi o meu gosto por música e o facto de ela ser central na minha vida que me fez estudá-la de um ponto de vista sociológico.
Como te manténs informado sobre discos que te possam interessar como colecionador?
Não ando propriamente em sites de colecionadores ou consulto revistas do género. Quando há um disco que me interessa procuro ver preços nos sites habituais (Discogs, eBay, Amazon). Para descobrir novas músicas e artistas limito-me a estar atento a sugestões de amigos no FB e depois a explorar esses e outros artistas semelhantes no YouTube e Spotify. Também vou estando atento à Pitchfork apesar de não gostar de 80% do que eles põem nos píncaros. 😊
Que formatos tens representados na coleção?
LPs e CDs acima de tudo. Mas mantenho com orgulho o meu móvelzinho de parede cheio de cassetes gravadas (as históricas BASF e TDK de 90 e 60 minutos).
Os artistas de quem mais discos tens?
Roy Harper, Jethro Tull e Rolling Stones. No caso do Harper porque fiquei fã ainda na adolescência e, como não acedia aos discos de outra forma, mandei vir uma série deles de Inglaterra através da Gema Records, que era um serviço de distribuição de discos por envio postal que só os aficionados conheciam. Os Tull e os Stones também são bandas que vêm da adolescência daí estarem tão representados.
Editoras cujos discos tenhas comprado mesmo sem conhecer os artistas…
Pelas razões acima indicadas, comprei alguns da Príncipe Discos e da Groovement. Mas fora dessa circunstância particular não olho para a editora para escolher os discos.

Uma capa preferida
“Out of Our Heads” (versão UK) dos Rolling Stones.
Uma disco do qual normalmente ninguém gosta e tens como tesouro.
Não é que ninguém goste mas já por mais de uma vez alguém olhou para a minha colecção e reparou: “Mas… tu gostas de Mike Oldfield???”. O “Ommadawn” (1975) é um disco magnífico. Aliás todos até ao “Incantations” (1978) são bons.
Como tens arrumados os discos?
Por ordem alfabética. E num móvel à parte os de world e de música clássica.
Um artista que ainda tenhas por explorar…
Certamente haverá alguns mas nenhum que possa identificar. Caso contrário já o teria explorado, estando a música à distância de uns cliques (no YouTube e Spotify, sobretudo).
Um disco de que antes não gostasses e agora tens entre os preferidos.
Assim de repente só me lembro do “Maxinquaye” do Tricky. Não é que não gostasse mas passou-me um bocado ao lado quando saiu e só fiquei fã já depois de ter saído o segundo, “Pre-Millenium Tension”. Na altura não estava preparado para aquele trip-hop com uso recorrente de samplers. Era uma linguagem nova para mim. Mas depois bateu forte. São dois álbuns brutais.
Ficaste com discos de familiares? Ainda estão na tua coleção?
Sim. Fiquei com alguns dos meus pais quando me mudei para a minha residência actual e claro que permanecem na minha colecção. Entre eles, vários LPs do José Afonso, dois do Sérgio Godinho (“Sobreviventes” e “À Queima Roupa”), um do GAC (“Ronda de Alegria”), o “The Freewheelin’” do Bob Dylan e vários de música clássica. As bolachas dos discos da Orfeu do Zeca e as da Deutsche Gramophone fazem parte do meu imaginário infanto-juvenil.

Há discos que fixam histórias pessoais de quem os compra. Queres partilhar um desses discos e a respectiva história?
Os nossos gostos musicais e os discos que nos marcam estão muitas vezes ligados às nossas sociabilidades e relações pessoais. Refiro por exemplo o “Melt” do Peter Gabriel (1980), que a minha mãe me ofereceu na altura em que saiu e que permaneceu ao longo dos anos como um disco (e capa também) importante para mim. Ofereceu-me porque eu tinha gostado do single “Games Without Frontiers” mas também porque o PG era referido na imprensa como um músico com ideias progressistas. Este disco representa a minha iniciação a uma música mais ‘cerebral’, com outros conceitos e ideias para lá dos riffs dos Stones e das melodias e refrões perfeitos dos Beatles a que estava habituado.
No final da adolescência comprei outro disco que ainda hoje adoro, o “Strange Times” (1986) dos Chameleons, por influência de um amigo de liceu que viria a falecer poucos anos mais tarde, o Pedro Mariz. Um tipo muito inteligente e cheio de ideias que, na altura (finais de oitentas), criou uma pequena editora (a Feedback) e que viria a lançar um único disco (Feedback 001, uma colectânea de novas bandas da zona de Lisboa) que hoje não se encontra em lado nenhum.
Um disco menos conhecido que recomendes…
Recomendo, sem dúvida, este dos Chameleons (banda e disco criminosamente ignorados no seu tempo) e outros cinco: “Flat, Baroque & Berserk” de Roy Harper (1970); “2nd” dos Agitation Free (1973); “Letzte Tage – Letzte Nächte” dos Popol Vuh (1976); “Shiny Beast” de Captain Beefheart (1978); e “Apple Venus Vol.1” dos XTC (1999). Não são obscuridades, longe disso, mas são discos menos conhecidos, em alguns casos na própria discografia dos respectivos artistas, e são todos excelentes.
Há alguns anos, era realmente uma tarefa árdua encontrar a compilação Feedback, desaparecida na voragem do tempo, mas hoje a música vive num intenso mercado global e é bastante fácil arranjá-la. Aliás, nos anos subsequentes ao seu lançamento, muitas lojas de discos foram ficando a um passo da extinção, o que prejudicou a circulação deste e de tantos outros discos. A minha cópia foi desencantada, há já muitos anos, no Canadá!!!
https://www.discogs.com/sell/release/3735778?ev=rb
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