Afinal o CD não morreu… E até parece estar de boa saúde.

O formato de CD tem sido o mais adicionado à plataforma digital Discogs… Notando que as notícias da morte do CD foram talvez manifestamente exageradas, o GiRA DiSCOS foi ouvir lojas, editores, colecionadores e músicos… É que, afinal, o CD não desapareceu. Texto: Nuno Galopim

Um levantamento recentemente publicado no blogue da plataforma digital Discogs mostrou que o CD está a ser ali o formato mais adicionado por colecionadores e vendedores de todo o mundo. Face aos números de 2019 nota-se um crescimento em todos os formatos, mas o que mais aumenta (e domina a oferta) é claramente o CD.

Estaria o discurso que antevia a morte deste formato a pensar um cenário de futuro que afinal não se confirma? De facto, e lembrando velhas palavras de Mark Twain, podemos dizer que as notícias da morte do CD foram manifestamente exageradas.

O seu lugar no panorama das novas edições e dos consumos naturalmente mudou (com o streaming a afirmar-se globalmente como líder nos consumos de música gravada). Mas tal como o vinil e a cassete conheceram novas vidas, também ao CD parece estar reservado um lugar no presente e futuro da nossa relação com a música.

Escutemos as lojas…

Hugo Moutinho, da Louie Louie – Lisboa, defende que “é possível que cada vez mais o CD esteja presente no Discogs por oposição às margens exorbitantes praticadas na Amazon, que era onde se vendia mais” este mesmo formato. “Muitos vendedores, ou lojas, ao colocarem o seu stock no Discogs (de vinil ou CD) estão a potenciar encomendas de mais do que um artigo”, observa, notando que na sua loja “o CD ainda vai mexendo, principalmente em segunda mão e se for barato. Nas novas edições há cada vez menos interesse, só mesmo bandas de culto e, mais uma vez, se forem baratos”. Hugo acrescenta que ali que hoje compra CD “o público mais velho que não aderiu ao vinil ou os mais novos que não se deixaram apanhar pela moda do vinil e querem ter o formato físico dos álbuns que gostam”. Na verdade, sublinha, “não há um tipo de edição mais procurado, como no caso do vinil em que os colecionadores preferem edições originais, ou o mais antigas possível”. Ainda assim, “há quem prefira as primeiras edições de um CD por causa da masterização, e há quem as renegue preferindo edições mais recentes, mas são poucos. A edições especiais são mais difíceis de vender porque normalmente são caras. Aí só mesmo os colecionadores é que as procuram ou quando alguém quer dar uma prenda especial”.

         Na Flur (também em Lisboa), André Santos conta ao GiRA DiSCOS que o CD ainda mexe. E “bastante”. A loja tem “imensos clientes que só compram CD”, acrescentando que “há muita música” que vendem, como o jazz ou a música mais eletrónica e experimental “que só existe – e só faz sentido – existir em CD”. O comprador de CD é por isso o cliente que “prefere o formato ou que só encontra alguns géneros de que gosta nesse formato”. Ali são procurados em CD tanto os discos “novos ou clássicos, estes últimos por normalmente estão a bom preço. Edições limitadas nem por isso, mas também o foco da Flur nunca é por aí”.

         Na Lucky Lux, em Coimbra, Rui Ferreira confirma haver “clientes que só compram CDs, alguns entre os melhores clientes da loja”. São sobretudo “apreciadores de música que não têm gira-discos e que gostam de ter os discos em formato físico”. Quanto ao tipo de discos, diz que quem procura CD quer “de tudo um pouco, desde edições recentes (por exemplo as últimas edições da Lux Records) até discos de fundo de catálogo”. Mas os CD mais procurados “são as edições descatalogadas e sem reedições”.

         Rui Quintela, da Louie Louie – Porto reconhece que as vendas de CD “caíram imenso nos últimos dez anos”, mas “ultimamente estabilizaram, embora num nível baixo, incomparável com o que se vendia há uma década”. Na Louie Louie – Porto há “clientes exclusivamente deste formato, principalmente na faixa etária acima dos 35-40 anos”, mas recentemente nota “também alguns miúdos a comprar este formato”, talvez “por causa dos preços dos discos de vinil nos últimos anos terem atingido preços proibitivos”. E como conseguem “ter uma razoável seleção de CDs em segunda mão e novos com preços entre os 5 e os 7.50 euros, ainda se vão vendendo, mas raramente acima destes preços”. Raramente há ali em stock “as últimas novidades, principalmente porque um CD é difícil de vender se o preço for superior a 7.50 ou 10 euros”. Assim sendo a loja especializou-se “nos lançamentos em vinil” e “para o CD” só funcionam “por encomenda”. E há “sempre algumas, que normalmente” conseguem “satisfazer em cerca de uma semana”. Rui nota que, “como houve um desinvestimento das grandes superfícies neste formato, e as lojas de discos que abriram nos últimos anos foram todas dedicadas ao vinil, há nesta altura mais oferta em discos de vinil do que em CDs, pelo menos no Porto e Lisboa. Assim, também há menos concorrência neste mercado, para além de algumas grandes superfícies”. Por exemplo no Porto “há apenas mais uma loja que tem uma secção de CDs”, além da Louie Louie, observa. Pessoalmente não vê “grande preferência no tipo de edições, até porque cada vez saem menos edições especiais em CD. Esse mercado caiu totalmente para as edições em vinil, aí sim, nota-se mais preocupação em querer a edição limitada, vinil colorido, etc”.

Edições a preços elevados

Nos últimos tempos notou-se o aparecimento de alguns CD a preços já consideráveis na plataforma Discogs. Hugo Moutinho nota que, mesmo assim, o “número está ainda muito longe do vinil” e que “essencialmente são edições muito limitadas, ou especiais, que acabaram por não ter reedição”. André Santos também os aponta como “casos mais raros, mas há alguns” e que, tal como Hugo apontou, em “regra geral nunca atingem os preços – ou a raridade – do vinil”. Rui Ferreira revela que o disco mais caro que alguma vez vendeu foi um CD single: Nirvana, Pennyroyal Tea, por 680 euros. E observa que “as edições dos anos 90 em CD de discos dos Mão Morta são todas valiosas”. Rui acha “mesmo que o CD vai ter um movimento revivalista idêntico ao que se passou com o vinil”. Além dos Mão Morta Rui Quintela lembra-se “de alguns CDs portugueses que atingem preços elevados dada a sua raridade, como por exemplo os primeiros do Sam The Kid, Da Weasel, Mind Da Gap ou dos A Naifa. O primeiro CD dos Zen vendia-se usado a 25 ou 30 euros, até sair a reedição há uns anos”. Rui Quintela sublinha que “também há CDs internacionais já bastante raros, e cada vez mais… Tudo o que teve apenas uma edição em CD terá tendência a ficar raro. Há CDs dos Coil ou Current 93 que atingem centenas de euros e alguns dos Little Feat, igualmente. Há também CDs que embora banais têm certas edições muito procuradas (HDCD, edições japonesas, etc…)”.

Falam os editores…

Rui Portulez, da Valentim de Carvalho, começa por responder que, “enquanto formato, o CD terá os dias contados, tal como o vinil teve em tempos”.  E faz aqui uma breve contextualização: “A grande machadada no CD foi dada pelos serviços de streaming e pelo fácil acesso à música via Internet. Do YouTube ao Spotify, é fácil ouvir de forma gratuita quase tudo o que existe. E se se optar por assinatura, é possível ouvir quase tudo com qualidade, sem publicidade, etc. Os computadores portáteis e os carros deixaram de ter leitor de CD, reforçando a tendência digital e a desmaterialização. Mesmo o download e o armazenamento começam a fazer cada vez menos sentido, dada a facilidade de uso generalizado (aplica-se também a filmes, naturalmente) da cloud, por exemplo”. Neste contexto a “lógica de possuir o objeto e poder manuseá-lo, admirá-lo, vivê-lo, tem vindo a concentrar-se cada vez mais no vinil, sobretudo por motivos inspiracionais e pelo argumento da qualidade de som, quando na verdade serão poucos os que de facto ouvem música na velha aparelhagem”. O CD “fica assim confinado a peça de resistência, mantendo todas as especificidades que lhe estão na origem: portabilidade, qualidade, facilidade e reduzida ocupação de espaço. E funciona sem wi-fi e até sem eletricidade”. Quem tem “leitores e estantes, móveis ou torres atulhadas, essas aves raras, tê-los-á para sempre (pois o desgaste do objeto é bastante reduzido) ou enquanto o leitor de CDs aguentar. E serão esses melómanos” os que “mais beneficiarão do mercado de usados, onde haverá a possibilidade de ir encontrando os discos que faltam na “coleção”. Prevê-se que tal como as K7s, o CD também definhe e se torne mais um gadget. Claro que todos aqueles que ainda sonhem com ilhas desertas terão no CD o seu formato de eleição, optando pela única rede possível, que servirá eventualmente para unir duas palmeiras”. E por isso remata: “Materialistas românticos do mundo, uni-vos!”.

         José Moças, da independente Tradissom conta que, pelas informações que tem do mercado “as majors vendem cada vez mais digitalmente, é uma diferença abismal para as vendas físicas”. No entanto “as pequenas editoras”, como a sua, “que não conseguem ter expressão no digital, porque têm um catálogo pequeno, refugiam-se na edição de música em formatos que até fogem ao CD convencional”. A Tradisom “cada vez mais aposta na edição de livros bem documentados, com CD ou DVD dentro e sempre em edições numeradas e limitadas” e “essa é a forma de ultrapassar a decadência da veda dos CDs que é real e provavelmente não tem retrocesso”. José Moças acrescenta que “também é verdade que o vinil ganhou um espaço novo nas prateleiras das lojas, não só na maior cadeia que é a FNAC, como nas diversas lojas de vinil que parecem reforçar a sua presença”. E conclui: “a Tradisom, consciente das mudanças, seguirá o caminho do exemplo do livro com os concertos inéditos do José Afonso, com edição de 5000 exemplares esgotada em pouco mais de seis meses”.

E o que pensam os colecionadores?

Rui Miguel Abreu diz-nos que “apesar de ter crescido com o vinil (e com as cassetes)”, cedo abraçou “igualmente o CD” e nunca foi “daqueles fundamentalistas que o renegaram em detrimento de uma qualquer noção bacoca de purismo”. E continua: “Tenho muitos CDs e gosto deles por múltiplas razões: porque me permitem ter cópias digitais alternativas de coisas que tinha inicialmente em formato analógico, porque oferecem outras possibilidades de artwork, de embalagem, porque sendo um formato mais barato de fabricar permitiram a muitas editoras independentes florescerem, etc. Acredito que o futuro do CD está assegurado: por um lado servirá para grandes edições antológicas, daqueles que nos permitirão arrumar em bonitas caixas discografias inteiras (mandei vir agora, por exemplo, uma caixa com 29 CDs de Fela Kuti e recentemente tinha comprado outra com 21 CDs dos Art Ensemble of Chicago!!). Depois, vamos começar (já começámos, na verdade…) a assistir à valorização de muitas edições em CD no mercado de colecionismo, tal como aconteceu com muito vinil. E não nos poderemos esquecer, ainda que as recentes vagas de lançamentos em vinil às vezes até nos façam esquecer isso, que há muita grande música que teve a primeira ou até exclusiva edição em CD e que essa será sempre a peça de coleção a reter”.

         Isilda Sanches também começa por citar Mark Twain, e concorda que, tal  “como quase todas as notícias de morte, as da morte do CD foram francamente exageradas”. Lembra ainda que o vinil “já foi considerado obsoleto, a cassete uma memória longínqua mas ambos têm crescido no mercado”. Pelo que sabe, como nos conta, “há bastante procura de CDs nos países de Leste e em Africa e há mesmo um circuito diggin de CDs, até porque há muita coisa, sobretudo dos anos 90, que nunca teve edição em vinil. E mesmo quando existe versão em vinil, é mais barato comprar em CD. Além disso, a duração do CD permitia incluir faixas extra ou fazer compilações que reúnem vários máxis, por exemplo, o que torna o formato prático e económico. Isso é aliás vulgar com a música de dança. Mas em 2020, apesar de um certo desinteresse, continuam a existir editoras que valorizam o formato, até porque é mais fácil, rápido e barato do que editar vinil e continua a ser um objeto físico”. Para a radialista da Antena 3 “talvez o maior problema do CD atualmente seja não ser suficientemente sexy…” Mas Isilda acredita “que seja uma questão de tempo até ganhar valor fetichista, o que depende também das edições sobreviverem sem defeito! Ao contrário do apregoado na altura em que se decretou a morte do vinil e o domínio do CD, este não é incorruptível…”

         Álvaro Costa crê que o CD “continua a ser um formato portátil e de grande mobilidade” e que “recentemente, com o aumento da chamada arqueologia pop e da abertura de arquivos, a maior abertura dos chamados “estates” a editar em melhores condições os chamados bootlegs ou simples demo tapes que artistas e seus respetivos managements procuravam impedir, a indústria do disco encontrou um novo espaço que mantém o formato ativo e rentável”. Se o vinil “cresceu como peça de coleção deluxe, a nova função do CD permite uma nova e bem-vinda utilidade na recomposição de carreiras e tendências que a cultura pop desenvolveu”. O CD será assim “consequentemente um produto com objetivos específicos”. Para os novos artistas “serve mais como apresentação formal, embora estes encontrem nos formatos digitais a sua mais óbvia expressão, num tempo em que são os concertos e respetivas tours a sua base econômica”. Não é “crível que os novos melómanos recuperem o CD como formato base de escuta”.

         Por sua vez Luís Costa acredita que a sobrevivência do CD de deve à “própria natureza humana, que cria modas e tendências que nascem, florescem e morrem, passando a ser motivo de troça durante décadas, para depois renascerem com um interesse renovado”. E dá como exemplo “a música dos Abba, que foi ridicularizada durante anos a fio, e que se tornou novamente popular à escala mundial, graças ao filme Mamma Mia”. Além disto crê que este estado das coisas “terá a ver também com a boa relação entre a portabilidade do formato e a própria qualidade sonora”. Resumindo: “já houve um distanciamento suficiente para o CD voltar a ser um item apetecido pelos colecionadores, tanto no mercado de usados, como no de novos lançamentos”.

         Miguel Ângelo, que junta ao perfil como colecionador o facto de ser músico, conta que, “embora tivesse achado graça, assim como metáfora dos tempos, ao “lixo” de plástico que os nova iorquinos deixavam do lado de fora das suas portas – depois de riparem para os seus PCs a sua coleção de CDs – aqui há uns bons anos atrás”, ele “pessoalmente nunca o faria”. E continua: “Embora tenha regressado ao vinil de modo definitivo nos primeiros anos do novo Milénio – e tivesse deixado de comprar CDs e quase de os ouvir – as minhas paredes de estantes servem muitas vezes de passeio jardim na escolha das minhas re-audições (seja por um artigo lido numa revista, seja por uma data de aniversário). São objetos-memória dos quais não gosto de me separar, para que não esqueça factos e momentos associados a cada um daqueles discos”. Mesmo assim não antevê “um regresso aos CDs como aconteceu o regresso ao vinil, nem em termos pessoais nem de novo mercado”. Nos usados “a história poderá ter contornos diferentes – graças ao colecionismo – e o digipack poderá readquirir algum estatuto”. Mas Miguel Ângelo julga “que sempre só pelo objeto pois a qualidade 320k oferecida pelo streaming (e até melhor, no caso do Tidal) faz com que a maior parte das vezes não se faça o esforço de tirar uma rodela de plástico da caixa e introduzi-lo no leitor… A não ser que seja um super áudio CD.”

Para Nuno Gonçalves, dos The Gift, “ouvir um CD no carro é ainda um prazer. A compressão do online em termos de som torna a sensação menos sensorial. Acho que continua a ser o meu formato favorito”, confessa. E sobre o trabalho com o formato acrescenta: “Nos Gift sempre acreditámos no valor da peça. Editar na caixa normal de Jewel Case poderá ser algo pouco apetecível do ponto de vista do consumidor, ainda que com preços extremamente reduzidos, do ponto de vista do editor – significará mais margem, contudo as edições em livro com booklets acima das 40 páginas transformam o prazer de ouvir um CD em algo muito mais íntimo e muito mais próximo do músico ou banda. É isso que fazemos desde 2004 desde a edição do Am-Fm“. Além disso, remata: “Ter um leitor de CD evita os cabos mini-jack, as chamadas a meio da melhor canção, as distrações de notificações. Há coisas que evoluem, mas dar um pequeno passo atrás beneficia quem ainda ouve musica e discos do principio ao fim”.

Um pensamento

  1. Sem presunção ou saudosismo, o vinil é o formato que melhor reprodução pode fornecer. Mas…
    no tempo em que se gravava das masters para vinil, não de agora que se grava da remasterização comprimida para CD.
    Num gira discos afinado e equilibrado em comparativo a CD com a mesma obra dos anos analógicos a diferença é prazerosamente superior do vinil.
    A tecnologia CD por si só já é algo suspeita (bits) tendo sua virtude a superior amostragem em gama de frequência, ausência de ruído, capacidade e praticidade mas… O paradoxo, nos estúdios ao incrementarem taxas de compressão ridículas, destruíram um formato no contexto da qualidade de reprodução. Principalmente na indústria pop rock 99% dos CDs têm excessiva compressão. Criam fadiga auditiva. O mesmo se passa no streaming, ou pior. Raras excepções como o tidal ainda atinge qualidade CD se for associado a um bom dac.
    Saúde
    Pedro

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