Philip Glass “Akhnaten” (1987)

Estreada em 1983, a terceira das óperas-retrato de Philip Glass conquistou recentemente um lugar definitivo no “cânone” através da aclamada produção conjunta da English National Opera e do Met. A única gravação existente corresponde à produção original. Texto: Nuno Galopim

Três retratos de três figuras que, pela sua visão, mudaram o mundo. Einstein na ciência, Gandhi na política, Akenaton na religião. Foram estes os três rostos das óperas-retrato que Philip Glass criou entre meados de 70 e a primeira metade dos anos 80. Foram as suas três primeiras óperas, a cada uma surgindo novos dados e formas, com as três o compositor abrindo espaço àquele que se afirmaria como um dos caminhos centrais da sua obra. Todas elas juntando à demanda estética as marcas de um ser político. De resto, Glass nunca se demoveu de refletir sobre o mundo político na sua música. E se os textos da Sinfonia N.º 5 ( de 1999) expressam uma vontade de busca de um entendimento ecuménico e de paz para a humanidade, em Hydrogen Jukebox (de 1990, sobre textos de Allen Ginsberg), estabelece o retrato de seis arquétipos do americano de finais do século XX. Além disso Glass mantém em paralelo com o seu trabalho como compositor uma relação próxima com a Tibet House, organização que visa chamar atenção para a causa tibetana. E todos os anos é curador do concerto de recolha de fundos que é organizado no Carnegie Hall.

Estreada em 1983, Akhnaten completou a trilogia de óperas-retrato encetada em Einstein On The Beach (1976) e continuada depois em Satyagraha (1980), esta última centrada na figura de Ghandi. O interesse de Philip Glass pela figura do faraó Akenaton (inicialmente coroado como Amenófis IV) surgiu após a leitura de Moisés e o Monoteísmo, de Sigmund Freud e Édipo de Akhnaten, de Immanuel Velikóvski. Neles o faraó da 18ª dinastia (que se crê ter reinado entre os anos 1353 e 1336 a.C.) é sobretudo evocado pelo papel religioso que tomou, criando uma religião monoteísta centrada no culto de Aton, o deus Sol. Ópera em três actos, foi estreada em Hamburgo (Alemanha), só depois levada a cena em Nova Iorque.

Pensada para expor à plateia, através de uma sequência cronológica de eventos, a figura do faraó que governantes posteriores do Egipto tentaram apagar da história (pelo que apontavam como “heretismo” de uma religião abandonada pouco depois do seu reinado), Akhnaten começa por nos colocar perante o funeral do seu pai, o faraó Amenófis III. Segue-se a coroação do novo rei, a sua adopção do novo culto, a fundação de uma nova cidade dedicada ao Sol. Ao mesmo tempo que os sacerdotes da velha ordem conspiram, o faraó vive, com a família, mergulhado numa fé que o afasta progressivamente do mundo à sua volta. O ataque à cidade de Amaena e a morte da família real chegam no fim da ópera, seguindo-se um epílogo no presente, no qual os espíritos do faraó, sua mulher, mãe e filhas pairam sobre as ruínas da sua cidade.

Para o papel protagonista Philip Glass escolheu um contratenor (sublinhando um registo vocal pouco comum na época da estreia da ópera). Esta opção vinca o carácter andrógnio que conhecemos das representações de Akhenaton que chegaram aos nossos dias e que hoje são por alguns egiptólogos tidas não como resultado de uma malformação física, mas antes uma construção simbólica de um rei que, como o seu Deus, era pai e mãe de tudo e todos. Por seu lado, a opção de não usar violinos sublinha o carácter sombrio da tragédia que se apresenta.

Afastada do minimalismo de Einstein On The Beach, sublinhando a busca de um lirismo e de qualidades narrativas entretanto já experimentadas em SatyagrahaAkhnaten foi, na altura, o trabalho mais próximo da tradição operática de Philip Glass. A ópera, contudo, mantém firmes muitos dos seus princípios linguísticos, assim como segue ideias na construção do libreto que lhe permitem uma perfeita identificação com as duas outras obras que com esta completam a trilogia de óperas-retrato. Os cantores usam várias línguas, lendo e cantando textos oriundos de várias fontes, desde uma estela encontrada no túmulo de Ay (que se crê ter sido o penúltimo faraó da 18ª dinastia), textos biblícos e acádios, assim como fragmentos de recentes guias turísticos do Egipto. A narração, assim como o Hino ao Sol (a peça central da ópera) surgem na língua da plateia frente à qual a ópera é apresentada. A gravação em disco editada em 1987 pela CBS Classics, toma o inglês (a língua do compositor) como referência. Nesta gravação, na qual Dennis Russel Davies dirige a Stuttgart State Opera, o papel protagonista cabe ao contratenor Paul Eswood.

Akhnaten teve assim estreia em disco em 1987 nesta gravação lançada (tal como as duas óperas anteriores) em vinil e CD pela CBS Masterworks. Desde então a mesma gravação teve novo lançamento, mas com outra capa. O tempo fez desta ópera uma das que mais produções tem merecido entre a obra de Glass. Sobre a história da composição da ópera e da montagem da primeira produção há um documentário disponível em DVD. Trata-se de “A Composer’s Notes – Philip Glass and the Making of an Opera”, de Michael Blackwood, editado em 2014 pela Orange Mountain Music, a editora do próprio Philip Glass. Com texto do próprio compositor, o livro “A Música de Philip Glass” (traduzido entre nós pela Quasi) tem um extenso capítulo dedicado a esta ópera.

Sobre a recente produção no Met (que corresponde às imagens acima apresentadas) pode ler aqui.

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