Editado no ano 2001 o álbum “L’Absente” representa um momento maior na discografia do músico bretão que hoje completa 50 anos. Aqui se cruzam a Bretanha e Paris, a música instrumental e a canção, e alguns convidados de primeira água. Texto: Nuno Galopim

É muitas vezes descrito como o compositor das bandas sonoras de O Fabuloso Destino de Amelie Poulain ou Adeus Lenine… Mas na verdade o melhor da obra do francês chegou em discos editados em nome próprio como Le Phare (mais contemplativo e quase essencialmente instrumental) ou L’Absente (onde contracenava com as vozes convidadas de Lisa Germano e Neil Hannon).
Natural de Brest (na Bretanha), onde nasceu em 1970, Yann Tiersen começou a aprender a tocar piano e violino ao mesmo tempo que descobria as palavras, a leitura e a escrita. Nos anos 80 voltou-se para guitarra elétrica e, marcado primeiro pelos ecos da cultura punk e, depois, pelo contacto com bandas como os Einstuerzende Neubaute, Nick Cave & The Bad Seeds e outras mais que viu ao vivo em Rennes (onde então residia), juntou outros valores e referências à construção de uma identidade que, na hora de mostrar primeiros discos na verdade parecia mais dada a vincar genéticas das vivências rurais que as formas da música urbana que, entretanto, assimilara. Profissionalmente começou por fazer música para teatro e curtas-metragens. Ao mesmo tempo, em casa, foi criando peças para guitarra, violino e acordeão que acabou por gravar nos álbuns La Valse des Monstres (1995) e Rue des Cascades (1996), os seus dois primeiros discos. Le Phare, editado em 1998, é um álbum claramente dominado ainda por traços das paisagens da Bretanha. Mas depois de uma parceria com Dominique A (da qual nasce o belo Monochrome, integrado no alinhamento do álbum de 1998) lançam-se as bases para um trabalho de cruzamentos mais profundos que, no seguinte L’Absente (2001) não só juntam aos cenários parisienses sugeridos pelo acordeão como um gosto em trabalhar uma visão para o formato da canção.
Na verdade há dois EP que ajudam a contar o caminho que levou Yann Tiersen de Le Phare a L’Absente. A sua passagem em 1998 pelos Rencontres Trans Musicales (em Rennes), numa atuação que envolveu nomes como os de Neil Hannon (dos Divine Comedy) e vozes da música francesa como Dominique A ou Françoise Breut foi fixada no EP Black Sessions: Yann Tiersen. Pouco depois Tout Est Calme, novo EP editado já em 1999, reforça o interesse na exploração da canção. E quando Jean-Pierre Jeunet aborda o músico bretão para que este assinasse a banda sonora de O Fabuloso Destino de Amèlie Poualin (que daria uma dimensão internacional à visibilidade da sua obra), Yann Tiersen está já a trabalhar num disco que não só representa a confluência destas experiências recentes como acaba até por traduzir depois a convivência com a escrita da música para o filme. Tanto que inclui Les Jours Tristes, uma versão cantada (por Neil Hannon) de uma das peças usadas na banda sonora do filme de Jeunet.
A canção na voz de Neil Hannon não representa contudo o único episódio feliz no alinhamento do álbum que, juntamente com o anterior Le Phare, capta os momentos mais inspirados (e interessantes) da discografia de Yann Tiersen. L’Absente divide o alinhamento entre temas instrumentais e canções, a estas últimas chamando vozes como Lisa Germano, a atriz Natacha Régnier ou o já habitual parceiro Dominique A, num elenco que junta ainda o grupo folk Les Tetes Raides e que nos timbres e cores dos instrumentos traduz o álbum mais rico em acontecimentos e sabores na obra de Yann Tiersen, juntando ondas martenot e uma orquestra de câmara a um corpo já habituado a explorar as presenças do violino, do acordeão ou da guitarra. O disco teve edição em LP e CD, representando o álbum em vinil (apenas editado em França na altura) uma peça já digna de atenção entre colecionadores, com preços raramente abaixo dos 70 euros.