Depois do sucesso de “Autobahn” o grupo fixou-se no seu próprio estúdio e produziu o seu primeiro álbum concetual. A comunicação pela rádio estava no centro das atenções. Mas a radioatividade juntava um plano extra de leituras ao disco. Texto: Nuno Galopim

O impacte de Autobahn e as importantes mudanças na imagem do grupo durante a digressão que se sucedeu apresentavam, em 1975, uma banda claramente modificada. O sucesso e as suas consequências financeiras permitiram equipar o estúdio Kling Klang (em Dusseldorf) e assim prescindir da necessidade de outros lugares e parceiros para trabalhar e gravar nova música. Ao mesmo tempo, a regularidade na relação com Karl Bartos e Wolfgang Flur fixavam a formação do grupo naquele que seria o seu line up “clássico”, que se manteria fixo até 1986, assinando assim o registo da etapa mais substancial da sua discografia. Radio-Activity, lançado em 1975, seria o primeiro fruto das mudanças.
O disco, que musicalmente assinala uma etapa intermediária na progressão entre as ideias sugeridas em Autobahn (1974) e a afirmação maior de uma linguagem, que seria definida entre Trans Europe Express (1977) e The Man Machine (1978), é também expressão do desejo em elaborar uma peça concetual, emergindo a ideia de um interesse em refletir sobre o papel da comunicação. Em concreto, a comunicação via rádio.
Como em muitas outras criações dos Kraftwerk, o álbum assinalava um ponto de diálogo entre uma ideia de nostalgia (evocando esse meio que havia tido um papel protagonista antes da chegada da televisão) e ao mesmo tempo colocando em cena ideias do presente. Estas ganham forma numa das primeiras manifestações musicais de um ceticismo perante a cada mais presente energia nuclear, sugerindo muitas das composições uma duplicidade de leituras. De resto, o disco surgiu nas lojas oito meses depois de protestos contra uma central nuclear em Wyhl, que tinham desencadeado o que viria a ser uma mobilização alargada de opiniões contra a energia nuclear.
O tema-título, é de resto um exemplo claro da dupla face de interpretações, com uma possível leitura sobre a rádio como meio de comunicação, mas ao mesmo tempo aludindo à descoberta do casal Curie, falando em concreto de radioatividade, cabendo ao verso “it’s in the air for you and me” o papel de sublinhar essa carga de ambiguidade, que ora conhece argumentos no primeiro sentido num outro tema como Airwaves ou, no segundo, em Geiger Counter. Já em Radio Stars, a dupla leitura está no confronto entre um título que sugere a ideia de estrelas da rádio e o universo que a música nos dá a escutar depois, projetando-nos mais longe, pelo universo.
A associação dos Kraftwerk a uma tomada de posição política quanto à energia nuclear não foi devidamente descodificada, tendo uma foto promocional que então tiraram frente a uma central na Holanda gerado alguns equívocos. O tempo acabaria por deixar as coisas mais claras quando, anos mais tarde, o grupo tomou partido em campanhas concretas e em 1991 apresentou uma abordagem menos ambígua – e de alerta para com os perigos lançados sobre o ambiente – na nova versão de Radio-Activity criada para o álbum de 1991 The Mix e que ainda hoje é a que prevalece nas suas atuações ao vivo.
Musicalmente este é um disco também de passagem de um patamar do que até recentemente seria experimental rumo a uma mais firme expressão das linguagens da pop. Na verdade há no álbum apenas algumas canções que possamos entender como formalmente… pop. Uma delas o tema-título, a outra o magnífico Antenna, injustamente secundarizado desde sempre (foi inclusivamente escolhido como o lado B para o single Radio-Activity). Um outro exemplo será Radioland. Há outros momentos com voz, mas nos quais esta é entendida sem a lógica verbal mais habitual na canção pop, sugerindo antes a presença humana num quadro instrumental dominado pelas electrónicas – com uma série de novos instrumentos recentemente adquiridos, entre eles um Vako Orchestron – fazendo deste disco o primeiro na obra dos Kraftwerk sem a presença dos instrumentos analógicos (como por exemplo a flauta) que até aqui haviam surgido nas suas gravações.
De novo há também aqui a estreia da voz “robótica” que escutamos em The Voice of Energy – tema que faz a ponte para Antenna na abertura da face B do álbum – mostrando o registo modificado da voz humana que a partir de então o grupo passa a usar nas suas apresentações em concerto.
A capa original do disco usava a imagem de um aparelho de rádio alemão usado nos anos 40. Um modelo aprovado por Goebbels que tinha um limite de captação até 200 km, tentando impedir a escuta de propaganda aliada. A mais recente reedição, com som remasterizado, optou pelo símbolo da radioatividade, que desvia assim o foco da leitura para as questões mais ambientais que o álbum então levantou.