28. Wendy Carlos “Switched-On Bach” (1968)

Este é o número 28 da lista “100 Discos Daqueles que Raramente Aparecem nas Listas… Editado em 1968 tem na sua génese uma carreira que cruzou a formação em física com um curso de composição e um papel de aconselhamento junto de Robert Moog. Texto: Nuno Galopim

Dos intonarumori de Luigi Russolo às demonstrações do instrumento criado por Leon Theremin que o regime de Estaline quis tomar como manifestação de propaganda do génio soviético, da utilização das ondas martenot na Fête des Belles Eaux (1937) de Olivier Messaien às criações “laboratoriais” que entre os anos 50 e 60 ganhavam forma nos estúdios de rádio coordenados por Pierre Schaeffer e Karlheinz Stockhausen, a história da música eletrónica já somava episódios consideráveis para se afirmar como um espaço relevante na invenção musical do século XX. As experiências em estúdio de pioneiros como Raymond Scott, Joe Meek, Tom Dissevelt ou Kid Baltan, assim como a criação de música para o cinema (como é o caso do labor assinado por Louis e Bebe Barron em “O Planeta Proibido”, tinham criado já pontes de contacto entre os domínios da música de vanguarda e da invenção mais erudita, sugerindo pontos de comunicação para com os horizontes da cultura popular. Todavia, as mais “populares” expressões da presença da música eletrónica em domínio popular na segunda metade dos anos 60 manifestavam-se sobretudo através da utilização do estúdio de gravação como um elemento interventivo na criação musical. Discos dos Beatles, Beach Boys, Rolling Stones ou Pink Floyd eram exemplos evidentes de novas possibilidades em jogo. Faltava, todavia, encontrar uma rota para que as novas formas de criar sons pudessem chegar não apenas ao grande público mas também a outras músicas… E foi aí que entrou em cena um álbum criado por uma compositora e instrumentista, que tinha, contudo, no seu currículo uma formação em física… E quando os universos da ciência e da tecnologia se cruzaram com um desafio feito de música, os resultados ultrapassaram todas as previsões.

            Nascida em Rhode Island em 1939, Wendy Carlos tinha começado a estudar física antes de focar atenções no curso de composição na Columbia University, em Nova Iorque. É através do Columbia-Princeton Electronic Music Center que descobre um interesse pelas possibilidades da música eletrónica e estabelece ligações a várias figuras pioneiras de um novo mundo em desenvolvimento. Entre esses contactos está Robert Moog, que conhece numa feira de equipamentos de áudio e de quem se torna consultora para o desenvolvimento daquele que será o mítico sintetizador Moog (a quem dará sugestões fulcrais para o desenvolvimento da capacidade das teclas traduzirem a sensibilidade dos dedos do teclista, daí emergindo a noção de teclado “touch sensitive”). Wendy instala um Moog na sua casa em Manhattan, que partilha com Rachel Elkind e os seus gatos… E começa então a desenvolver uma ideia de abordagem “moderna” (e desafiante) a música de outro tempo, afastando-se assim do caráter mais exploratório de algumas das obras por si antes criadas, sobretudo nos tempos de estudante. Em 1964 tinha já abordado, ocasionalmente a música de Bach… Agora, o mergulho seria mais profundo… e transformador.

            É assim, nesse novo “laboratório” caseiro que, com um Moog que mais parecia uma central telefónica PBX do que os futuros sintetizadores, que Wendy, com a ajuda na produção de Rachel, investem por uma abordagem inovadora (e nada canónica) a várias peças de Bach. O trabalho não se prendia apenas com a mera execução no teclado de transcrições de partituras de peças de Bach, mas com todo um exigente labor entre botões, faders e manípulos, procurando alargar a paleta de cores e, assim, criar uma maior diversidade de registos de som ao interpretar cada uma das peças. Foram preciso cinco meses para conseguir terminar as dez peças envolvidas no alinhamento. O próprio Moog, ao escutar as gravações, não imaginava que a sua criação podia sugerir a diversidade cromática da paleta de sons, julgando que tal seria apenas possível com uma orquestra…

            Foi Rachel Elkind quem apresentou à editora Columbia o projeto para este disco. E, mesmo sem grandes expectativas comerciais, a editora deu-lhes liberdade artística para avançar. Switched-On Bach teve edição em disco em outubro de 1968… Na capa víamos uma figura envergando um traje dos tempos de Johann Sebastian Bach e, ao fundo da sala, o Moog usado na gravação. Há um gato por perto, assim como um tapete persa no chão (características que acompanharam várias futuras captações de imagem na casa de Wendy Carlos). E, contrariando as próprias expectativas da editora, o sucesso foi imediato, atingindo vendas na ordem do milhão, chegando ao Top 10 de álbuns nos EUA e permanecendo em lugares cimeiros na tabela de música clássica por alguns anos… O sucesso do disco levou a editora a sugerir uma sequela, que ganhou forma em 1969 em The Well Tempered Synthesizer. Atento, Stanley Kubrick ouviu os dois discos… E pouco depois convidava Wendy Carlos para criar música para A Laranja Mecânica.

O sucesso de Switched-On Bach esteve na origem de um estímulo para que Robert Moog desenvolvesse um sintetizador mais “portátil” e com maior sensibilidade ao toque, surgindo então o Mini-Moog. Do impacte enorme do disco e das suas consequências no desenvolvimento dos sintetizadores surgiu um motor que animaria, a breve prazo, uma explosão de novas visões para a música eletrónica nos espaços da música popular.

As edições originais e primeiras reedições de “Switched-On Bach” apresentam o disco assinado como Walter Carlos, já que surgiram antes da transição de género que se deu nos anos 70. A edição original de “Switched-On Bach” surgiu na forma de um LP em vinil, existindo ainda em cassete e cartucho. Em função das opções locais dos territórios a capa ora mostrava a figura humana sentada (mais exuberante nos gestos) ou em pé.

Da discografias de Wendy Carlos vale a pena descobrir discos como:

“The Well Tempered Synthesizer” (1969)

“A Clockwork Orange” (1972)

“Sonic Seasonings” (1972)

Se gostou, experimente ouvir:

Tomita “Snowflakes are Dancing” (1974)

Lambarena “Bach To Africa” (1993)

The Art Of Noise “The Seduction of Claude Debussy” (1999)

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