Colecionador de Amália, Ramiro Guiñazú é argentino. Conheceu pessoalmente Amália em 1997 e nos últimos anos tem reunido uma coleção com discos dos mais variados tempos e países que, por sua vez, estão na origem do seu livro “Amália no Mundo”, editado pela Tradisom.

Como nasceu a tua coleção de discos de Amália?
A minha coleção de discos da Amália nasceu um tempo depois de eu a ter conhecido pessoalmente em 1997. Comecei a ouvir toda a música que andava à volta da casa dos meus pais. Aqui na Argentina era na altura muito difícil arranjar discos dela no mercado. Finalmente os CD não foram suficientes para acalmar a sede de novos fados e descobri então que em vinil havia imensa musica inédita…
Qual foi o primeiro disco de Amália que compraste?
O primeiro que comprei não me lembro bem. Lembro-me sim do primeiro que chegou às minhas mãos. Apareceu quase de milagre: na altura vários colecionadores da Amália andávamos à procura da cantiga “Vieste Depois” de um 78 rpm da Columbia (1953). A loucura por encontrá-lo chegou a tal ponto que, quando apareceu no ebay, pagaram cerca de 2400 euros por esse disco. Naturalmente perdi-o nessa primeira oportunidade. Depois apareceu no Brasil a um preço razoável e comprei… A ansiedade quando chegou era imensa, mas quando abri a caixa o disco estava partido! Cheguei a chorar nesse momento. Tal foi meu destino que contei esta desilusão a um amigo do meu trabalho em Madrid e ele disse-me logo de repente: olha que numa casa ao pé do meu escritório, que é muito antiga, há alguns discos num móvel … Pois fomos lá ver. Não imaginas a minha cara quando, entre outros discos antigos, aparece um LP de 10 polegadas: “Os 8 Maiores Êxitos” a primeira compilação em vinil dos 78 rotações que continha o famoso tema inédito! Passei anos ao pé dele sem saber que existia! Nesse preciso momento começou a loucura pelos discos da Amália.

E o mais recente?…
O mais recente foi apenas em dezembro. Estive anos à sua procura. É o EP “Triste”, um disco japonês com a musica feita por Amália para uma novela da TV japonesa nos anos 80. Foi complicado trazê-lo desde a Alemanha por causa da alfândega aqui na Argentina. Mas finalmente Chegou!

Um disco de Amália pelo qual estejas à procura há já algum tempo.
Há muito anos que procuro o EP “Marchas de Lisboa por Amália” de 1963. Já apareceu à venda varias vezes na internet, mas não sei porquê, nunca tive ocasião de o comprar. É um disco importante no conjunto de cinco singles de Marchas dos anos 60.

Um disco de Amália pelo qual esperaste anos até que finalmente o encontraste.
Esperei anos pela primeira edição do LP “Com Que Voz”. E a razão é por que aparecem imensas cópias deste disco que, talvez por ser tão popular, é raro encontrá-lo em boas condições. A espera valeu mesmo a pena. Quando encontrei a “peça perfeita” vinha em ótimas condições até com uma faixa de publicidade do disco que não é fácil de achar.

Limite de preço para comprares um disco de Amália… Existe? E é quanto?
Nunca tive limites! Confesso que no momento final de leiloar (ebay principalmente) às vezes perdi a cabeça… Realmente o mais caro que paguei foi o disco “Amália em Johanesburgo”, que na altura prometia um concerto raro, e afinal era apenas uma compilação! Foram uns 80 euros mas valeu a pena já que é raro mesmo.

Quais são os discos mais raros de Amália?
Há vários discos difíceis, mas realmente hoje em dia para quem sabe procurar bem na internet, em geral, quase tudo aparece. É verdade que, durante anos, procurava quatro ou cinco vezes por dia nos sites conhecidos de venda de discos. Era uma verdadeira obsessão. E sem isso não teria conseguido escrever o “Amália no Mundo”.
Lojas de eleição para encontrar discos de Amália. Em Portugal quais são? E no estrangeiro?…
Na verdade, na internet encontrei a maior parte dos discos, outros em algumas feiras de discos em Lisboa. Na Feira da Ladra apareceram coisas bonitas. Fora de Portugal, em Madrid ou Londres é que existem lojas boas com discos em ótimas condições.
Como te manténs informado sobre discos que te possam interessar como colecionador?
Eu chamo-lhe a “Ronda dos Leilões”… Tenho quatro ou cinco sites-chave na internet onde sei que há coisas bonitas. Pelo menos uma vez por semana faço aquela ronda com as palavras “mágicas”: Amália ou Fado.
Já aconteceu surgirem discos de Amália de que nunca tinhas ouvido falar?
No início da coleção falava-se de alguns mitos na discografia Amaliana como o disco “Amália Revient a l’Olympia” ou o EP “O Carapau e a Sardinha” mas estes nunca apareceram. Desde a publicação do meu livro, em 2014, ainda não apareceu nenhum disco novo. Apareceram sim algumas edições raras de outros países, que não conhecia, mas com as mesmas capas de sempre.
De que país são as edições mais surpreendentes?
O Japão tem edições que surpreendem pelas capas com aquelas faixas com a tradução em japonês. Tambem há edições muito raras da Venezuela, que aparecem de vez em vez, ou de Cuba, da editora Panart.
Uma capa preferida.
Sem dúvida a capa do LP “Lagrima” é maravilhosa! Coerência absoluta entre a imagem e o sentimento do conteúdo.

Que formatos tens representados na coleção de discos de Amália?
Principalmente vinil. Tenho quase todos os LP de 10 polegadas, LP de 12 polegadas, EP, singles. Tenho poucos 78 rpm… Talvez porque não tenho gramofone.
Como tens arrumados os discos?
É o grande tesouro da minha casa, fiz um móvel especialmente projetado para conter todos eles, o gira-discos e mais accesórios de audio. A sensação que eu tenho ao ver as espiras no vinil é como se fossem os sinais digitais da voz da Amália… Arrepia-me. Daí inspirei-me para o subtítulo do livro: “Sinais de uma vida nos sulcos de vinil”

Como surgiu a ideia de fazer um livro a partir da coleção?
A ideia surgiu em primeiro lugar da inquietação que eu tinha por cumprir. De certa maneira o “mandato” da Amália: ela tinha um medo imenso de ser esquecida, nem sei bem porquê. Pediu também aquela frase que tanto repetiu nos seus últimos anos “Chorem por mim”. Finalmente tive a sorte de me encontrar no caminho com meu Amigo José Moças da editora “Tradisom” que acreditou em mim para fazer um livro com a discografia e encontrei uma maneira muito bonita de “canalizar o meu pranto”, cumprindo ao mesmo tempo o pedido dela de não ser esquecida! Finalmente, digo sempre a mesma coisa: a sua única verdade está na sua voz.
Entre as edições recentes quais são as que mais te agradaram?
Tenho que dizer que o trabalho que o Frederico Santiago está a fazer na Valentim de Carvalho é uma coisa muito bem feita, sempre com um sentido, grande responsabilidade na escolha. Para responder a pergunta seria: Sempre a última edição da Valentim de Carvalho.
Além de Amália que outros artistas tens na coleção?
Se falarmos de vinil, só tenho discos da Amália. E alguns poucos da Celeste Rodrigues, já que infelizmente se perderam as bobines originais no incêndio do Chiado e considero que são jóias raras.
Um outro artista que ainda tenhas por explorar…
Alguns anos depois de acabar o livro, comecei a ouvir Tango. Tal vez seja um género inteiro que estou a explorar mais do que um artista determinado. Aliás, mesmo que não acredites, foi a Amália que me abriu as portas a outros géneros como a MPB, o tango ou jazz.
Há discos que fixam histórias pessoais de quem os compra. Queres partilhar um desses discos e a respetiva história?
Acho que quase todos os discos que fui comprando têm alguma história bonita na sua circunstância. Talvez neste momento me lembre mais duma historia muito divertida em torno do EP “Marchas populares” de 1968. O leilão na internet acabava à mesma hora que uma reunião com gente mutíssimo importante do meu trabalho. Eram quase oito pessoas naquela reunião, entre as quais havia até um representante de um emir árabe! Na hora de ir e puxar pelo disco, pedi desculpas… Fui ao computador e ganhei aquele disco! Voltei à sala com cara de “nada” mas tinha um sorriso imenso cá dentro! O meu chefe nunca soube disto… graças a deus.
Um disco de Amália menos conhecido que recomendes..
Existe um disco que em geral não é muito conhecido, mas ja teve varias edições em CD inclusivamente. É o “Cantigas Numa Língua Antiga”. Este disco é um conjunto de gravações anteriores ao ano de edição (1976). A tristeza na voz da Amália sente-se em cada verso. Ela sofreu muito nesta época depois do 25 de Abril, e na minha opinião, nota-se na sua voz um véu de dor no timbre da sua garganta. O brilho a que nos tinha habituado desde sua apoteose vocal (1965-1972) aparece neste disco de uma maneira fatal, confronta-nos com um destino inevitável, mas acrescenta a magia na interpretação de poemas como: “Mal-aventurado”, “Meu amigo esta longe”, ou “Amêndoa Amarga”.

Foi um privilégio para mim conhecer o Raminho, o meu mano cultural argentino! Bela entrevista!
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Meu Querido Moças! Sem ti nao havia livro nem nada!!! um grande Obrigado!!!
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