Kraftwerk “Trans-Europe Express” (1977)

Editado em 1977 “Trans Europe Express” é uma das obras-primas dos Kraftwerk e é reconhecido como um dos mais influentes discos criados nos anos 70. Depois de ensaios nos dois álbuns anteriores é aqui que a sua música atinge a visão procurada. Texto: Nuno Galopim

Se Autobahn foi o disco do eureka, assinalando a descoberta de uma ponte eficaz de relacionamento entre as electrónicas e a música popular, aos álbuns editados pelos Kraftwerk finais dos anos 70 coube o aperfeiçoar de todo um conjunto de possibilidades que abriram o caminho à pop electrónica e a muitas outras utilizações de novos sons e tecnologias em vários quadros formais e de género. Podemos entender The Man Machine, de 1978, como o paradigma que definiria o que era, afinal, uma primeira visão da pop electrónica que o futuro iria explorar. Um ano antes, porém, foi em Trans Europe Express que o grupo não só afinou a ideia de escrita de canções (já antes ensaiada entre Autobahn e Radio-Activity) mas uma abordagem mais minimalista à instrumentação, fixando uma linguagem que demarcou das demais suas contemporâneas, com ela colocando-se na linha da frente da invenção, representando o álbum um estimulante alienígena que destoava entre muitos outros títulos num tempo em que os efeitos da revolução punk cativavam atenções e dominavam muitas das revoluções em curso.

O disco começou a surgir durante a digressão que acompanhou o álbum de 1975 Radio-Activity e durante a qual o grupo começara a adotar uma nova imagem e uma disciplina que impedia consumo de álcool e drogas. Rigor e precisão em palco eram valor maior a defender. O disco, sucessor de Autobahn, tinha revelado a presença de uma série de novas canções, mas dividia ainda atenções por caminhos de maior liberdade formal, por vezes mais em rotas de deleite pelo som que em busca de uma arquitetura mais arrumada.

Em Trans Europe Express, sobretudo em temas como Showroom Dummies ou Hall of Mirrors há uma vontade em afinar o trabalho da canção, representando Europe Enldess uma clara abordagem ao melodismo característico da pop. No lado B a suite que abre ao som de Trans Europe Express, continua em Metal on Metal e, desde a reedição de 2009, termina com Azbug (até aqui segunda parte de Metal on Metal), define um reencontro com uma lógica conceptual que o grupo já antes tinha ensaiado e ainda voltaria a experimentar, desta vez partindo da sugestão do som da evolução de carruagens sobre caminhos de ferro para definir a matriz rítmica de uma composição, beneficiando a construção instrumental da entrada em cena de sequenciadores, que ajudaram sobretudo a talhar um novo trabalho de percussão electrónica. A sonoridade aqui definida teve impacte variado, e chegou mesmo a influenciar caminhos pioneiros na emergente cena hip hop depois de Metal on Metal ter sido samplado em Planet Rock de Afrika Bambaata.

O encantamento mútuo entre os Kraftwerk e David Bowie ganhou forma ao longo de 1976. Bowie desafiou o grupo a abrir os seus concertos e os Kraftwerk chegaram a falar que iriam gravar juntis, Nenhuma das ideias se concretizou. Mas se por um lado Bowie fazia anteceder a sua subida ao palco com música dos Kraftwerk, chegando mesmo a visitar depois Hutter e Schneider nos estúdios Kling Klang em Düsseldorf, por outro os alemães retribuíram mencionando não apenas “Station to Station” como mesmo um encontro com Bowie e Iggy Pop na letra de Trans-Europe Express.

O álbum, se por um lado representa uma segunda incursão do grupo pelo universo dos transportes (e vincando um interesse pelas dinâmicas do movimento), por outro alarga para lá das fronteiras da Alemanha a sua busca de um sentido de identidade. Se a rede viária alemã (parte dela dos anos 30 e 40, mas entretanto reconstruída no pós-guerra) fora o mote para o encontrar de uma geografia cultural em Autobahn, em Trans Europe Express celebrava-se antes a ideia de uma grande Europa, eventualmente sem fronteiras, sendo o “expresso” ferroviário uma expressão do livre movimento ao longo do seu território.

Curiosamente numa das etapas finais do trabalho em estúdio o grupo aceitou ir a Los Angeles para fazer a sua mistura (numa viagem onde aproveitaram a ocasião para ver, ao vivo, os Beach Boys que tinham inspirado Autobahn). Contudo, a mistura feita em Los Angeles foi deixada de fora da versão final, mantendo firme o cunho doméstico que, sem dúvidas, voltava a assinar a personalidade de um álbum que, assim, vincou a personalidade europeia desta etapa inicial do relacionamento da música electrónica com a cultura pop.

Há por vezes quem goste de falar de Trans Europe Express como um disco que encerra dois conceitos. Um deles o da visão europeia já aqui referida. O outro sendo o debate sobre os jogos entre o real e o aparente que se podem tirar de canções como Hall of Mirrors ou Showroom Dummies. Certa mesmo é a entrada em cena da ideia dos manequins – que surgiu da resposta a uma crítica de um jornalista que os achou comportaram-se como “showroom dummies” em concerto – que pouco depois estariam a chegar aos palcos e às fotografias promocionais, vincando outra das marcas de identidade do grupo.

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