Todd Haynes olhou para Bob Dylan e encontrou um mundo de possibilidades

Estreado em 2007, “I’m Not There” representou, depois de “Velvet Goldmine”, uma segunda incursão de Todd Haynes pelas suas memórias e reflexões como melómano. Olhou desta vez para Bob Dylan, mas multiplicou-o em diversas personagens. Texto: Nuno Galopim

Não é um biopic sobre Bob Dylan. De resto, o filme nem sequer assenta sob uma estrutura narrativa biográfica convencional. O músico norte-americano, sem dúvida alguma, é o ponto de partida. Mas em Não Estou Aí (I’m Not There no original) o que Todd Haynes nos propõe é um desafiante (e inteligente) conjunto de visões sobre momentos, marcas de personalidade, referências e mesmo factos que, juntos, sugerem visões possíveis sobre Bob Dylan. Como quem nos diz, há mais do que apenas uma personagem aqui. Há mais do que apenas a realidade a explorar aqui… Dylan é mais do que apenas um nome.

Mais um poema visual do que uma história, o filme usa uma série de figuras para nos sugerir uma amálgama de retratos livres (e muito pessoais) sobre uma voz protagonista da história da música popular. Os fragmentos narrativos, aqui reunidos, um pouco como as ideias e as palavras em muita da escrita de Dylan, não seguem uma cronologia nem mesmo um destino aparente. Cate Blanchett, Heath Ledger, Christian Bale, Marcus Carl Franklin, Ben Whishaw e Richard Gere compõem personagens distintas, cada qual inspirada por etapas distintas da vida (pessoal e artística) de Bob Dylan. Personagens e tempos cruzam-se, da sua soma nascendo assim a construção de uma ideia…

Em Não Estou Aí Todd Haynes revisita, com maior complexidade e ousadia formal e narrativa, o tom compósito do seu assombroso Veneno (longa metragem de estreia, de 1991). Aí atribuía a cada personagem (e sua história) uma linguagem visual própria, vincando distintas abordagens à direção de fotografia. Outra afinidade pode ser traçada com o seu Velvet Goldmine, de 1998, no qual desenhava uma visão autoral, apesar de aqui e ali ancorada em ecos da realidade, dos tempos do glam rock. Mas em Não Estou Aí eleva a patamares de ainda mais pessoal interpretação os modelos de revisitação da sua memória melómana.

Apesar dos ganchos factuais – que vão de um traveling por Nova Iorque onde vemos a figura de Moondog ao convívio com os Beatles, do encontro com Allen Ginsberg ao choque que as plateias folk sentiram quando a música de Dylan optou pela electricidade – Não Estou Aí é mais que uma colecção de instantes, de sugestões, de canções e imagens. Que, no fim, mesmo somadas e assimiladas, acabam por não revelar quem, afinal, é Bob Dylan. Porque, na verdade, ninguém o sabe…

Mesmo sendo poderosíssimas as sequências protagonizadas por Cate Blanchet (que retratam o período de mitificação da personagem em meados de 60, a história viagem a Inglaterra na qual conhece os Beatles e a polémica “eléctrica” que gerou controvérsia entre os primeiros admiradores) e igualmente pungentes as cenas nas quais vemos Heath Ledger e Christian Bale, o conhecedor do universo “Dylanesco” tirará mais partido da descoberta das visões de Todd Haynes que os desconhecedores da obra do músico. Para estes últimos, em jeito de trabalho de casa, nada como ver, antes de Não Estou Aí, o soberbo No Direction Home, documentário realizado por Martin Scorsese sobre os primeiros anos da carreira de Dylan. Ou, nas suas próprias palavras, ler o primeiro volume das Crónicas.

Nota ainda para a banda sonora, que inclui uma série de incursões pelo universo de Dylan assinadas por nomes como os Sonic Youth, Calexico, Jeff Tweedy, Sufjan Stevens, Steven Malkmus ou Yo La Tengo, isto sem esquecer o próprio Dylan.

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