Um olhar diferente sobre um disco que marcou a história da música eletrónica

Assinado por uma académica da área dos Gender Studies, o livro da série 33 1/3 dedicado a “Switched-on Bach” de Wendy Carlos junta ainda uma curiosidade sobre a demanda tecnológica e performativa que gerou este álbum histórico de 1968. Texto: Nuno Galopim

A relativa falta de informação biográfica e musicológica sobre uma das figuras maiores da geração que levou a música eletrónica dos espaços da exploração de vanguarda e dos primeiros estúdios (com ar de laboratório) para outros espaços e públicos vai ser finalmente resolvida este ano. É claro que há um site oficial (com design algo old school) no qual podemos mergulhar e aí ler, escutar ver e até mesmo interagir. Mas é com dois livros que o ano de 2020 vai sublinhar uma outra forma de podermos aceder à figura e obra de Wendy Carlos. Uma biografia, assinada por Amanda Swell, está agendada para lançamento em outubro. Para já um outro livro foca atenções no álbum que a colocou no mapa. Editado em 1968, Switched-On Bach causou um tremendo impacte em vários mundos (da pop à clássica), sugerindo reações bem diversas mas, acima de tudo, acabando por incentivar por um lado Robert Moog a desenvolver um modelo mais prático do grande sintetizador (com o qual Wendy Carlos criou este disco), abrindo portas a possibilidades que muitos outros artistas logo exploraram, tendo como consequência uma verdadeira revolução de acontecimentos que foram emergindo ao longo da década de 70 e, chegados a 1980, tinham entretanto gerado um mundo novo de sons nos domínios da música pop(ular).

         O álbum Switched-On Bach é o protagonista do volume 141 da série 33 1/3. É assinado por Roshanak Kheshiti, uma professora de Estudos Étnicos ligada ao programa de Critical Gender Studies da Universidadade da Universidade da Califórnia (em San Diego), que em 2015 tinha já publicado o livro Modernity’s Ear: Listening to Race and Gender in World Music. Neste pequeno novo livro, de apenas 109 páginas, a autora procura explorar relações entre os sintetizadores, a música eletrónica e a própria política mundial daquele tempo, tendo como epicentro este disco e, por ângulo de abordagem, uma perspetiva que envolve os estudos de género mas também um interesse pela tecnologia.

         Neste texto há duas narrativas fundamentais, para além das contextualizações em que a autora as apresenta. Por um lado o esforço tecnológico da equipa de Robert Moog (com a qual Wendy Carlos trabalhou intensamente) para desenvolver um sintetizador inovador. E, por outro, o desafio que foi, com as limitações desse Moog com look de armário de parede, encontrar soluções técnicas e performativas que permitiram encontrar as cores que Wendy Carlos lança sobre as peças de Bach aqui interpretadas de forma nunca antes escutada. Roshanak Kheshiti não mergulha na história de vida de Wendy Carlos (para isso teremos a biografia), mas nota que cedo a sua demanda era a de uma relação com os instrumentos eletrónicos que permitisse uma abordagem semelhante à de uma orquestra, talvez mesmo procurando mimetizá-la (algo que na verdade seria objeto de discos criados mais adiante). Ao mesmo tempo o livro não deixa de nos levar aos espaços de trabalho de Wendy Carlos, deixando-nos entrar no seu estúdio caseiro, notando duas presenças que se tornariam invariavelmente visíveis em futuras fotografias ou entrevisas ali filmadas. Por um lado um tapete persa (que de resto não é presença invulgar em estúdios). Por outro os gatos… Entre sintetizadores, tapetes e gatos há uma visionária que aqui começamos a poder conhecer melhor.

O livro é talvez demasiado curto, mas a verdade é que visa apenas a “aventura” técnica criativa que permitiu criar este disco e depois deixa-nos perante as consequências que lançou… Talvez uma figura vinda do jornalismo procurasse juntar outros meandros nesta narrativa (sobretudo no quadro do mundo musical e da própria cultura popular do seu tempo, assim como um olhar sobre “ousadias” que mais músicos lançaram sobre repertórios de outros tempos). Mas a invulgaridade dos pontos de vista de abordagem aos discos é precisamente uma das características da série 33 1/3. E nesse sentido este olhar comentado sobre Switched-On Bach acaba até por nos dar pistas diferentes da que o que certamente encontraríamos num belíssimo artigo na imprensa musical. Afinal, e também no domínio da criação de discurso escrito sobre música, estamos sempre a aprender uns com os outros.

“Switched-On Bach”, de Roshansk Khedhti, é o volume 141 da série 33 1/3. É uma edição paperback da Bloomsbury, com 109 páginas.

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