Surgiram no Canadá em finais da década de 70 e lançaram um single em 1980 e um álbum em 1981. Os dois discos acabam de conhecer uma reedição, reabrindo pontes de contacto com uma memória a reter na história da então chamada ‘cold wave’. Texto: Nuno Galopim
Os ecos da revolução de possibilidades que estava a ganhar forma na Europa, sobretudo na segunda metade da década de 70, abriu horizontes a novas explorações possíveis no espaço da canção pop. Contrastando com a complexidade das visões do rock progressivo, mas procurando igualmente caminhos distintos do fulgor elétrico que o punk colocara entretanto em cena, assistiu-se então à aurora de uma nova linguagem para a canção pop. Minimalista nos recursos (pioneiros) das ferramentas disponíveis. E ao mesmo tempo capaz de traduzir um presente socialmente assombrado, assim como visões de ficção científica de um futuro que parecia estar ao virar da esquina, uns encarando-o com esperança, outros com um sombrio pessimismo na verdade não muito distante do clima lançado pelas grandes distopias que a literatura tinha revelado em vários momentos da história do século XX. É nesta encruzilhada de sentidos, olhando em frente (mesmo por vezes não acreditando num futuro melhor), que uma pop eletrónica “fria”, “maquinal”, mas nem por isso menos entusiasmante, começou a ganhar forma. Sheffield, (feia) cidade industrial no Reino Unido, foi um dos primeiros pólos de invenção sobre ideias diretamente assimiladas das visões que estavam então sobretudo a nascer na Alemanha. Cabaret Voltaire e Human League foram então pioneiros no desenho de novos caminhos, a eles juntando-se pouco depois os Ultravox (e em particular as visões do seu primeiro vocalista John Foxx) e de Gary Numan (este a compreender o mapa em seu redor, transformando a banda new wave que criara numa proposta sob azimutes mais ao sabor das movimentações em cusro). Rapidamente as ideias que ganhavam forma entre os seus discos e performances (às quais a imprensa musical dava evidente atenção) surgiram estímulos que cruzaram o espaço e geraram outros pólos de atividade. Um deles ganhou forma do outro lado do Atântico entre um duo nascido em Brisbane (Canadá).
Brett Wickens tinha pertencido aos Spoon, uma banda new wave local. Afastou-se dos colegas para, juntamente com Roger Humprries, dar corpo a uma ideia mais desafiante… Criar pop eletrónica. É evidente que estavam atentos a John Foxx, os Ultravox, ecos do início da atividade dos Human League e, claro, toda uma gramática que apontava o dedo a sugestões vindas dos Kraftwerk (mas entretanto já sujeitas a mutações). Mas entre o single Climatic Nouveaux e o álbum The Absense of a Canary (respetivamente editados em 1980 e 1981) definiram um manifesto de ideias que conciliavam uma exploração da canção pop ao jeito do que então se descrevia como “cold wave” com um interesse algo cinematográfico em arrumar temas vocais e instrumentais num quadro maior segundo uma ordem definida não necessariamente como um arco narrativo mas como uma proposta plástica, um pouco como se arrumam peças na sala de uma exposição de belas artes. Não que The Absense of a Canary seja como um catálogo de cores, formas ou até mesmo de intenções, mas antes como uma criação esteticamente inovadora (para o quadro da época), que se apresentava segundo uma proposta de contemplação perante algo diferente.
É possível que muitos tenham ouvido falar pela primeira vez de uma pop eletrónica made in Canadá quando, em 1983, os Men Without Hats viram o single Safety Dance transformado num cartão de visita com expressão global. Nada como agora, a propóstio de uma belíssima reedição, reencontrar um disco que junta pistas significativas a uma primeira etapa da história da pop eletrónica. São contemporâneos de uns OMD ou Soft Cell, mas mesmo não tendo conhecido nem a sua longevidade ou sucesso, os Ceramic Hello têm neste seu disco de 1980 uma peça a juntar ao mapa da expansão global de novos caminhos que a pop experimentou na passagem dos anos 70 para os 80. Nota especial para detalhes da edição em vinil, que inclui um folheto interno com reprodução de recortes de imprensa da época (críticas e entrevistas) e a reprodução de páginas datilografadas com as letras das canções.
“The Absence of a Canary”, dos Ceramic Hello, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa reedição da Ice Machine