O invulgar fulgor (e bom humor) dos Sparks, a caminho de celebrar 50 anos entre os discos

O novo álbum editado pelos irmãos Ron e Russel Mael tem tanto de familiar como de surpreendente, revelando o seu melhor conjunto de novas canções desde as que em 2002 apresentaram no histórico “Lil’ Beethoven”, uma das suas obras-primas. Texto: Nuno Galopim

Em 2021 vamos assinalar a passagem de meio século sobre a edição daquele que foi o primeiro álbum dos Sparks. Na verdade, era assinado como Halfnelson, o nome pelo qual então respondiam. Mas pouco depois de terem editado o disco mudaram o nome para Sparks e alguns meses mais tarde o mesmo álbum surgiria igualmente renomeado… Mas tudo isto apenas para notar que, praticamente 50 anos depois, a chegada de um novo disco dos irmãos Ron e Russel Mael continua a sublinhar surpresa e encantamento, familiaridade e desafio, respirando ousadia e entusiasmo como poucas bandas o fazem com tanta história já contada… E note-se a diferença de ritmo criativo entre esta dupla e outras bandas ainda ativas da sua geração. Também aí não dão sinais de freio na linha do horizonte… E assim sendo, eis que 2020 assinala a edição de A Steady Drip Drip Drip, talvez o seu melhor disco desde que, em 2002, surpreenderam tudo e todos com o invulgarmente original Lil’ Beethoven, que devemos reconhecer como um dos picos criativos de toda a sua obra.

            Depois de terem passado por tantos mundos, do glam rock ao disco sound, da pop eletrónica ou da new wave a visões mais exploratórias, isto sem esquecer uma experiência de auto-citação no brilhante Plagiarism (de 1997), em Lil’ Beethoven juntaram visões que transcenderam as linguagens mais habituais da canção pop, integrando minimalismo e uma visão muito peculiar de grandiosidade sinfonista num quadro autoral claramente bem demarcado no qual o humor (o bom humor) é também um valor acrescentado. Não se quiseram repetir desde então. Nem procuraram achar novos “saltos quânticos” como aqueles que no passado surgiram em discos de descoberta de novos rumos como escutámos em Kimono in My House (1974), N. 1 In Heaven (1979), Gratuitous Sax and Senseless Violins (1994) ou os já citados Plagiarism e Lil’ Beetoven. Mas desde essse álbum histórico de 2002 têm refletido tanto uma noção de soma de experiências de evidente região demarcada com a procura de composições que, mesmo soando a coisa familiar, não deixem nunca de respirar a frescura da novidade e surpresa…

            Na linha instrumental (ou seja, com banda completa a bordo) do imediatamente anterior Hipopotamus, traduzindo uma vez mais o mesmo fulgor de um ADN pop clássico que há poucos anos revisitaram também em companhia dos Franz Ferdinand, o novo A Steady Drip Drip Drip apresenta os Sparks em terreno evidentemente seu, mas com um lote de canções que suplanta o efeito conjunto dos que têm vindo a fixar em disco desde Hello Young Lovers (de 2006). A pompa sinfonista, o delicioso exagero barroco das formas e o contraste nas opções minimalistas de algumas estruturas repetitivas, o gosto pelo calor e pela cor de grandes refrões, o humor (que não apaga uma visão preocupada do mundo que vivemos, como se escuta em Please Don’t Fuck Up My World) habitam um disco que tem tanto de seguras marcas de identidade (e continuidade) como aquele desejo (ainda não esgotado) de querer surpreender e desafiar quem os escuta… Esse fulgor juvenil, somado com a veterania de meio século a fazer canções) resula num álbum que só não baralha coordenadas porque, logo ao escutar a primeira canção (cujo vídeo fixou os dias do confinamento) sabemos claramente onde estamos, com quem estamos e imaginamos que algo bom e novo (mesmo sem ser “inovador” ou “revolucionário”) nos querem dar. E 14 canções mais tarde fica claro que, a caminho do meio século de discos editados, ainda aqui estão para as curvas…

A Steady Drip Drip Drip” dos Sparks, está disponível em 2LP, CD e nas plataformas digitais, numa edição da BMG

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