Histórias, memórias e canções que podemos escutar a caminhar entre o Laurel Canyon

O documentário “Laurel Canyon”, de Alison Ellwood, revela um impressionante arquivo e junta memórias de nomes como os de Joni Mitchell, Jim Morrisson, David Crosby, Mama Cass, Jackson Browne ou Arthur Lee. O filme passa amanhã no Indie Lisboa. Texto: Nuno Galopim

É pelas palavras de um fotógrafo que começamos a escutar as histórias do Laurel Canyon. Ele é o mítico Henry Diltz e, pela amostra da sua coleção de slides, percebemos logo que não só se cruzou com uma multidão de nomes maiores da história da música popular como reparamos que algumas daquelas imagens míticas moram na nossa própria experiência de ver capas de discos, artigos em revistas ou reproduções publicadas em livros. Logo depois outra fotógrafa entra em cena. Ela é Nurit Wilde. Começou por seguir muitas bandas como groupie, mas foi do seu trabalho como fotógrafa que o tempo aprendeu a fixar as memórias daquele lugar. E de que lugar se fala? A Norte (e na verdade não muito longe) do Sunset Strip, e igualmente perto de Hollywood, o Laurel Canyon é na verdade um segmento da zona mais montanhosa de Los Angeles. Uma estrada em ziguezague circula entre os sopés dos montes em volta, sugerindo um trilho no fundo de um vale. As suas ramificações por estradas secundárias e outras, ainda mais pequenas, que delas saem rumo às casas ali espalhadas, fazem em conjunto aquilo a que o tempo se habituou a chamar o Laurel Canyon. Habitada por tribos nativas até ao século XIX, que dali se afastaram depois da guerra com o México, aquela zona tinha conhecido já primeiros passos de urbanização na primeira metade do século XX e nomes como Houdini ou Tom Mix chegaram a ter ali as suas residências. Mas foi com Franz Zappa (que ali se instalou nos anos 60), que o Laurel Canyon ganhou a identidade pela qual hoje o conhecemos, atraindo para ali sobretudo músicos e figuras do movimento de contracultura que floresceu na segunda metade dos anos 60 e aurora dos 70. É este o espaço que serve assim de elo comum entre os muitos nomes que fazem de “Laurel Canyon” um retrato (bem contado) de grandes nomes e movimentações que marcaram a história da música precisamente nesse período.

                  “Laurel Canyon” é na verdade uma minissérie de dois episódios e o facto de destacar a presença de dois fotógrafos – quando na verdade fala sobretudo de música – não é um acaso. É que Alison Ellwood optou por contar a história dos músicos que colocaram o Laurel Canyon no mapa da história da cultura popular sobretudo através de fotografias e alguns filmes de arquivo, deixando as narrativas entregues às vozes (em off) dos músicos que, assim, contam eles mesmos as suas histórias. Cruzam-se registos de épocas e origens distintas, nivelados todos eles numa linha narrativa que transporta as palavras para um plano de memórias que tem o presente como alicerce. As entrevistas filmadas a Henry e Nurit são as únicas realmente novas captadas pela equipa de Alison Ellwood. E se a essas imagens juntarmos os planos sobre vários pontos do Laurel Canyon, temos aí o que há de realmente novo nos ingredientes com que Alison Ellwood partiu para criar este documentário. Todo o restante material é de arquivo. E que arquivo!

                  O cuidado maior da realização foi aqui o de encontrar uma ordem para arrumar o puzzle de frases e memórias, ordenando-as numa linha cronológica, destacando um a um os protagonistas que vão entrando em cena, notando como uns e outros, mais adiante, se cruzam por sua vez com as memórias de outros que ali chegaram depois… Todos (ou quase todos) moravam ali, e se de dia habitavam o canyon, de noite passavam, a poucos quilómetros de distância, pelo Troubadour ou outros clubes que iam definindo as revelações e tendências da música de Los Angeles… E assim o documentário começa por evocar os Love, os Doors, os Byrds, os Mamas & the Papas e os Buffalo Springfield, notando como destes dois nascem os Crosby, Stills, Nash & Young (sublinhando, claro, o facto de Graham Nash ser inglês e ter antes militado nos Hollies). Os Monkees também fazem parte desta narrativa, sublinhando o filme a atmosfera de liberdade e diversidade que esta grande família vivia em conjunto (já que passavam dias em casa uns dos outros). Mais adiante entra em cena Joni Mitchell e com ela uma das histórias de vida (e de música) mais marcantes (e representativas) da identidade do Laurel Canyon. Jackson Browne é, depois, um primeiro rosto de uma nova geração, que entre outros acolhe ainda as vozes de Linda Rondstat ou Bonnie Riatt e que assiste ao nascimento dos Eagles. Se na etapa inicial há sobretudo entre todos os ecos de um tempo partilhado em atmosfera de amor e paz, com as demandas estéticas a dominar as agendas de cada um (com os grandes festivais como expressão maior desse momento), com o tempo nota-se como as lutas pelos direitos civis, a guerra no Vietname, os assassinatos ligados ao “caso Manson” e a tragédia em Altamont (num concerto dos Rolling Stones), atinge esta geração de músicos e assombra a luz que outrora dominava a sua música.

                  Plasticamente cuidado, revelando uma impressionante coleção de memórias (sobretudo em fotografia e depoimentos áudio), “Laurel Canyon” segura bem a narrativa, serve o contexto e deixa-nos não só recordar a música como aprender o que pode estar para além das canções. A ver!

Os dois episódios de “Laurel Canyon”, de Alison Ellwood, integram a secção Indie Music do Indie Lisboa e passam amanhã, dia 26, pelas 21.00, na Culturgest.

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