“Eletrónica:Mentes” recua às visões de grandes pioneiros como Jocy de Oliveira e Jorge Antunes e, notando como a relação entre o músico e a máquina é importante nesta história, mostra-nos como a música eletrónica depois floresceu (em vários sentidos) no Brasil. O filme passa hoje no Indie Lisboa. Texto: Nuno Galopim

Quando falamos em pioneiros da música eletrónica é natural que figuras como Karlheiz Stockhausen, Luciano Berio ou Pierre Schaffer surjam entre as referências mais citadas. E, depois deles, nomes como os de Klaus Schulze ou Hans Joachim Rodelius, que encontramos entre os primeiros militantes de uma movimentação na Alemanha de finais dos anos 60 e inícios de 70 que, depois, se manifestou num conjunto de visões que acabariam catalogadas sob a etiqueta krautrock. Nomes como Raymond Scott ou Wendy Carlos são igualmente figuras marcantes nesta etapa que, foi gerando pólos de atividade noutras geografias, uma delas o Brasil. E é precisamente para nos dar a noção de como a eletrónica ali floresceu e depois se alargou a novas possibilidades que Dácio Pinheiro, Denis Giacobelis e Paulo Beto criram Eletronica:Mentes, um olhar histórico e abrangente sobre a música eletrónica no Brasil para, no fundo, fazer o que amanda chang, a dada altura, nos explica no filme, notando que é importante saber o que houve antes para perceber o que se está a fazer, até mesmo para pensar “fora da caixinha”.
Jocy de Oliveira, que em 1961 apresentou o histórico Apague Meu Spot Light com vozes processadas, e Jorge Antunes, a quem é atribuído o primeiro disco integralmente feito com ferramentas eletrónicas no Brasil – Música Eletrônica, de 1975 – são aqui referências primordiais. Com um discurso claro (e nada fechados no tempo em que geraram revoluções) observam a importância que a tecnologia tem nesta história. Jocy recorda como levava dias para fazer em estúdios de acesso nada democratizado o que hoje se pode realizar rapidamente em casa. Jorge, por sua vez, lembra como a sua música chegou a ser notada pelas grandes ideias musicais mas ao mesmo tempo marcada pela precariedade de meios com que era criada. Da dificuldade de acesso a meios às características dos equipamentos, ambos lançam assim um dos alicerces de toda esta aventura: a relação dos músicos com as máquinas. E não é por acaso que vemos como o facto de luís roberto oliveira, depois de comprar um sintetizador Arp, fez questão de o mostrar e partilhar, surgindo entre os que então frequentaram um curso uma nova geração de entusiastas que acabou por abrir mais ainda os horizontes da criação de música eletrónica no Brasil.
A música eletrónica mais exploratória, tanto a dos pioneiros como a de artistas de gerações seguintes, que ecnontramos num percurso até ao presente (e aqui entra por exemplo em cena a dupla Tetine), tem um peso marcante na narrativa (não cronologicamente ordenada) que o filme nos propõe. É referido o modo como, nos tempos mais recentes, as raves e a pop “roubaram” para si a visibilidade da expressão “música eletrónica”, tendo os militantes das faces mais exploratórias passado a falar de “música electroacústica”. Eletronica:Mentes não deixa de espreitar alguns criadores mais focados numa música eletrónica com objetivos focados na música de dança. Mas mais do que explorar a variedade de expressões atuais da música popular que empregam ferramentas eletrónicas, o filme quer antes dar-nos a conhecer como das visões dos pioneiros nasceram caminhos diferentes entre as gerações seguintes, atribuindo o filme (justificada) atenção à cena new wave dos anos 80 mostrando nomes como Akira S, Azul 29 ou Harry e lembrando o papel da loja (e depois editora) Cri du Chat. Eletronica:Mentes é uma viagem cativante, narrativamente muito clara, cheia de tesouros de arquivo e rica também em momentos contemporâneos expressamente captados para o filme junto de músicos do nosso tempo. Deixa, no fim, a vontade de continuar a descobrir um espaço do qual poucos de nós conhecerão muitos dos músicos, obras e a sua real dimensão, origens e consequências. Em 80 minutos Eletronica:Mentes abre assim portas a um universo que pode guardar boas revelações. E, sim, o filme lembra que é bom nunca reduzir o retrato da música de um país aos seus ecos internacionalmente mais visíveis. Porque há mais música ali do que a que surge nos universos da MPB, entre as descendências da bossa nova ou, mais recentemente, os domínios do baile funk, que muitas vezes dominam as atenções dos discursos sobre “música brasileira”.
“Eletronica:Mentes”, de Dácio Pinheiro, Denis Giacobelis, Paulo Beto, integra a secção Indie Music do Indie Lisboa. O filme passa hoje, dia 27, às 21.30 no Cinema São Jorge (Sala 3). E repete dia 29 às 19.15 no Pequeno Auditório da Culturgest.