Os acontecimentos de 2020 deixam claro que esta é ainda uma luta real e urgente. E talvez por isso parece bem atual (apesar das diferenças de tempo e contexto) o que encontramos em “White Riot”, filme que recorda o movimento ativista dos anos 70 Rock Against Racism. Texto: Nuno Galopim

Se fizermos conta, sobretudo aos grandes acontecimentos e movimentações sociais (e políticas) ocorridas desde a conquista de espaço mediático em plena revolução rock’n’roll, nos anos 50, notaremos que a música, os músicos e quem os escuta com atenção, têm sabido estar no lado certo da história. Veja-se o que aconteceu com as lutas pelos direitos civis ou contra a guerra no Vietname nos anos 60, a mobilização pela luta (global) contra a sida nos anos 90 ou a próprio entendimento da canção popular portuguesa como “uma arma” política antes e logo após a revolução de abril de 74. Entre as grandes causas que a esmagadora maioria das músicas e músicos têm assumido está uma frontal vontade em combater as mais variadas formas de discrimação. E na Inglaterra dos anos 70, perante um cenário de cada vez maior visibilidade (e presença mediática) da National Front, partido de extrema-direita que focava grande parte do seu discurso no evidenciar de um ódio racial (que queria purgar com a expulsão dos não brancos do seu território), músicos e ativistas deram as mãos. Assim nasceu o movimento Rock Against Racism, um espaço de intervenção política e social claramente motivado por um modo de agir através da cultura e da informação. As memórias da sua intervenção, o que os motivou e como combateram (culminando de certa forma com uma contribuição para a derrota da National Front nas eleições de 1979), são o foco de White Riot, documentário de Rubika Shah que toma por título uma canção dos Clash que lembrava que a luta contra o racismo não era só um combate de quem tinha a pele com outra cor. Era também uma luta de quem tinha a pele branca.
Fotógrafos, artistas gráficos e colaboradores de fanzines são aqui quem alimenta o tutano da narrativa. E porquê? Porque foi através de fanzines (antes, está visto, da adesão de publicações como o NME ou o Melody Maker) que começou a ganhar forma um discurso de ativismo contra o racismo mobilizado através da cultura. A música teve aqui um papel central. E em plenos ecos da revolução punk (que tinha igualmente descendências entre adeptos do outro extremo do espectro das ideias) juntaram-se bandas em concertos que rapidamente se multiplicaram pelo país. Através dos fanzines davam-se pistas sobre como organizar eventos sob a égide do movimento Rock Against Racism. Como fazer, quem contactar, que equipamento, que cuidados ter… O rock animava muitas das bandas que aderiam. Mas rapidamente bandas de reggae entraram igualmente em cena. A diversidade morava, assim, no próprio discurso musical.
O documentrário evoca momentos de confrontos na rua, entrevistas de ideólogos de extrema-direita e o modo como os músicos assumiram ser rostos de uma mobilização junto dos mais jovens contra um cenário político ameaçador que parecia pairar sobre o país… O filme não deixa de lembrar, contudo, como foi através de comunidades imigrantes (chegadas de vários pontos da Commonwealth) que o Reino Unido se reerguera depois do esforço de guerra nos anos 40… Mas enfim, as memórias são curtas… E o que vemos em 2020 é mais uma prova desse mal que ainda não conheceu vacina.
As memórias aqui reunidas encaminham-nos para um clímax em abril de 1978, numa manifestação convocada em conjunto pelo movimento Rock Agains Racism e a Anti Fascist League, que levou perto de cem mil de Trafalgar Square ao Victoria Park onde, nessa tarde, atuaram os Clash, Steel Pulse, Sham 69, Tom Robinson ou os X-Ray Spex… Meses depois a National Front sofria um desaire (fatal) nas eleições… O filme reconhece que essa batalha foi ganha. Mas lembra, e com razão, que a luta não terminou.
“White Riot”, de Rubika Shah, passa hoje, pelas 21.30, no Capitólio, integrado na secção Indie Music do festival Indie Lisboa.