Depois do sucesso global dos Wham! e de um primeiro álbum a solo que, na verdade, não tinha mudado muito a sua caracterização como ‘pop star’, George Michael lançou a 3 de setembro de 1990 um disco bem diferente ao qual chamou “Listen Without Prejudice”. Texto: Nuno Galopim

Três anos depois de Faith um álbum de estreia a solo que se transformara sem surpresa num fenómeno de popularidade com expressão global, acompanhado por de uma extensa digressão que correu mundo, George Michael sentiu que era chegada a hora de mudar o jogo. E, tal como em 1967 Scott Walker definiu o momento em que resolveu caminhar para além do que era o terreno que lhe dera visibilidade entre um público essencialmente juvenil, foi com um álbum que disse a todos: este sou, afinal, eu. E daí em diante seguiu outro camimho.
Foi com Listen Without Prejudice – Volume 1 que a reviravolta se deu. E o título lançava logo todo um programa de significados que depois a música e as estratégias de edição justificariam. Ali canções como Praying For Time (apresentada como primeiro single), Waiting For That Day, o “beatlesco” Heal The Pain ou o mais jazzy Cowboys and Angels apresentam uma faceta mais sóbria, o que não impedia que um festim pop ali também tevesse espaço para ganhar forma, o que de resto acontece com Freedom 90 (o “90” servindo essencialmente para que se não confunda com a canção dos Wham!) que de resto se afirmaria depois como um dos mais fortes momentos da obra a solo de George Michael. Mas não era só na música que o jogo mudava. Contra o que era o seu hábito até então, o cantor resolveu ser firme na expressão da imagem. E, sublinhando a ideia de que era chegada a hora de ouvir e não de ver, recusou surgir nos telediscos promocionais e na própria capa do próprio disco.
O Listen Without Prejudice – Volume 1 não atingiu o mesmo patamar de popularidade global de Faith mas o tempo acabou por dar-lhe razão. Se a decisão e 1986 em colocar um ponto final nos Wham! não tivera um impacte imediato na música e na forma de comunicar, a verdade é que Faith começou por assegurar um espaço de transição que deu termpo para que, na hora de se experimentarem mais evidentes sinais de mudança, um álbum como Listen Without Prejudice – Volume 1 pudesse nascer sob um clima de expectativa. Assim foi, embora o ebate da diferença tivesse gerado alguns atritos… E um deles pode ter sido o pequeno detalhe que o título logo levanta. E, 30 anos depois, sabemos que o “volume 2” acabou por nunca acontecer.
Se essa foi ou não uma questão de peso na decisão de George Michael em mudar de ares é coisa que podemos mais inferir do que garantir. O certo é que, seis anos depois de Listen Without Prejudice – Volume 1 e com uma batalha legal entretanto travada, o cantor apresentava-se numa outra editora e com um álbum (Older, editado em 1996) que devia mais aos desejos de expressar uma demanda pessoal (tal como o havia feito o disco de 1990) do que o que possivelmente muitos poderiam esperar no regresso de um nome com o peso no mapa mundial da pop que George Michael tinha talhado desde a estreia do primeiro single dos Wham! em 1982.
Como elemento biográfico vale a pena lembrar que Listen Without Prejudice – Volume 1 surgiu no mesmo ano de Bare, uma autobiografia coescrita com Tony Parsons publicada pela Penguin. É um livro ainda sem a frontalidade do discurso que George Michael teria mais adiante, mas interessante para nos dar uma análise pessoal sobre o que haviam sido os dias vividos nos Wham! ainda o início do seu percurso em nome próprio. E que refletia assim o clima mais pessoal que ele mesmo procurava, pelas canções, fixar nessa mesma altura em Listen Without Prejudice – Volume 1.
Havia já uma reedição de Listen Without Prejudice – Volume 1 já prevista na agenda de lançamentos antes da notícia inesperada da morte de George Michal, que nos surpreendeu no dia de Natal de 2016. A edição especial acabou projetada para mais adiante. E nela ficava claro o reconhecimento de que o legado de George Michael que se vier a construir depois do seu desaparecimento tem como primeiro momento de comunicação o reencontro com o álbum que, independentemente dos êxitos maiores nascidos de outros discos ou das marcas imediatas que então inscreveu no momento em que foi lançado, hoje podemos recordar como sendo, talvez, a sua obra de referência.