Editado em 1974 o álbum “Musik Von Harmonia” foi o primeiro retrato dos encontros entre Michael Rother (dos Neu!) e Jans-Joachim Roedelius e Dieter Moebius (dos Cluster) num estúdio que então estava a nascer nas paisagens rurais no centro da Alemanha. Texto: Nuno Galopim

Costuma chamar-se “supergrupo” a uma banda que nasce da reunião de elementos de outros grupos, tendo estes já conquistado alguma notoriedade… Assim sendo é natura que os Harmonia tivessem sido encarados como o “supergrupo” nascido entre a família krautrock na primeira metade. Eram um trio, resultado do encontro entre os dois elementos dos Cluster (Jans-Joachim Roedelius e Dieter Moebius) com Michael Rother, uma das metades dos Neu! Os Cluster tinham surgido em Berlim em 1971, ano em que editaram o seu álbum de estreia. Os Neu!, também com berço em 1971, eram de Dusseldorf, nascidos de uma separação de uma formação anterir dos Kraftwerk (nos quais militavam tanto Micahel Rother como o baterista Klaus Dinger, o principal “arquiteto” do ritmo que acabou conhecido por motorik, apesar de nunca o músico ter usado semelhante expressão).
Apesar da história urbana tanto dos Neu! como dos Cluster, o “supergrupo” ganhou forma no campo. Tudo aconteceu quando um antiquário pensou em criar uma comunidade artística em Frost, em volta de uma série de residências rurais perto de uma pequena aldeia na bacia do rio Weser. Rother e Dinger tinham deixado os Neu! a viver um breve episódio de pausa após a edição dos seus dois primeiros álbuns e, em 1973, dirigiu-se a Frost para conhecer os Cluster. Reza a mitologia que o encontro teria em vista uma possível vida comum na estrada entre os Cluster e os Neu!… Mas do encontro nasceu uma vontade do guitarrista em experimentar ideias com os dois elementos dos Cluster… E, com a ajuda de três gravadores de fita e uma simples mesa de mistura, gravaram um álbum no estúdio que o duo berlinense ali tinha começado a montar.
Com o título Musik Von Harmonia (e uma capa com a força da vitalidade de uma imagem de cunho pop art), o álbum fixou momentos de um encontro que cativaria atenções, acabando mesmo Brian Eno (que poucos anos depois estaria a gravar tanto com os Harmonia como com os Cluster) por sentir que estavam ali chaves para a música pop/rock do futuro… E com efeito podemos encontrar aqui algumas pistas que certamente terão estado entre as principais influências dos discos que Bowie gravaria de 1977 a 1979.
Não é por acaso que Musik Von Harmonia é visto, à distância de mais de 45 anos, como um dos discos mais influentes do krautrock. Sem ser necessariamente uma “montra” de ideias ou um “catálogo” de formas, a verdade é que neste primeiro encontro entre metade dos Neu! e a dupla Cluster se nota como, a partir da identidade de ambos os grupos surgem não apenas somas de experiências mas todo um mais vasto leque de possibilidades que aqui se abre. Guitarra, percussão e teclados conversam e imaginam caminhos… Desafiam-se, contemplam o futuro… E tanto encontramos aqui expressões do fulgor rítmico da “escola” Neu”! em Dino, como, em Sehr Kosmische, escutamos o sentido de paisagismo “cósmico” várias vezes explorado pelos Cluster e que acabaria por influenciar a noção de música ambiente de Eno. Depois surgem os cruzamentos e visões, como em Watussi ou Veterano, que unem as sensibilidades dos três músicos e quase projeta uma ideia de uma obsessiva visão para o futuro pop. Por sua vez, em Sonnenschein ou Hausmusik parecem emergir entre os sinais de modernidade dos instrumentos ecos de memórias do passado (histórico no primeiro tema, mais familiar e vivencial no segundo), vincando o poder sugestivo – podemos dizer cinematográfico – deste encontro. Em Ohrwurm, por sua vez, rumamos ao cosmos…
O poder sugestivo do encontro entre os três músicos motivou novos encontros, tendo o seguinte – do qual nasceria o álbum Deluxe (1975) chamado Conny Plank para colaborar na produção (que, de facto, ganha outro lustro). Apesar da mão-cheia de ideias que os dois álbuns lançaram, a verdade é que o sucesso não abraçou os Harmonia. Chegaram a gravar com Brian Eno mas tanto essas como outras últimas gravações ficaram na gaveta. Tracks and Traces, registo das colaborações com Eno, chegaria a disco apenas em 1997. Dez anos depois surgiria Live 1974, gravação de um concerto em Grissen (Alemanha). E em 2015 a integral das gravações dos Harminia ganhou forma na caixa Complete Works.