E são já 14 anos a fazer retratos do novo talento que nasce por estes lados

Acaba de sair o 14º volume da série que a Fnac tem dedicado à divulgação de Novos Talentos na música que se faz entre nós. Para escutar o novo disco e fazer um balanço deste percurso, trocámos palavras com Henrique Amaro, diretor artístico deste projeto. Entrevista de: Nuno Galopim

São já muitos os nomes que, desde 2007, encontramos entre os alinhamentos dos CD que, anualmente, a Fnac tem lançado no âmbito do seu projeto de divulgação de Novos Talentos. No primeiro volume, em 2007, aqui encontrávamos nomes como os de Mazgani, Rita Redshoes, Cacique 97, DJ Ride, Macacos do Chinês, Stereoboy, Sean Riley & The Slowriders ou Deolinda… No novo disco, além de Pedro (que editou o seu álbum de estreia já este ano), encontramos nomes a descobrir (ou ouvir com mais atenção) como Castilho, Kiko Mori, Azar, Bejaflor, A Garota Não, Neon Soho, Mema, Callaz ou Misfit Trauma Queen, entre muitos outros que, num total de 35 propostas, fixam aqui mais um olhar sobre um panorama em constante ebulição que borbulha entre nós.

A bordo deste projeto desde 2007, Henrique Amaro (da Antena 3) explica, num texto que podemos ler no inlay deste 14º volume, que “a produção desta edição dos Novos Talentos Fnac decorreu em confinamento e em pleno estado de emergência”, reforçando que não deixou de ser um projeto “encorajador por demonstrar, a cada canção escutada, que a música tem esse poder de nos guiar na comoção e na catárse”.

Pelo contexto será assim um disco que a história desta série lembrará como diferente. Mas no fundo representa a continuação de uma lógica de atenção à diversidade de novas propostas que se mantém intacta desde o início. E nada melhor do que trocar umas palavras com quem, uma vez mais, está por detrás deste retrato feito na forma de canções (e alguns temas instrumentais).

Este é já o 14º volume da série “Novos Talentos”. Num olhar panorâmico podemos encontrar aqui uma progressão dos sinais de mudança e evolução em alguns espaços da música portuguesa no percurso de 14 anos aqui já retratado?

Mal de nós, se não fossem visíveis sinais de mudança e evolução. Talvez o mais perceptível de todos seja a pluralidade de discursos. Essa construção é permanente, amplia-se diariamente e uma breve audição pelas 14 edições desta série revela-nos essa realidade. Depois existe um natural domínio técnico nos processos de produção que a maioria dos músicos hoje detém, e que lhes garante maior eficiência em relação ao passado.

Como chegas habitualmente aos artistas e bandas que aqui vão surgindo ano após ano? Há mais buscas tuas? Há artistas e bandas que te enviam propostas para escutar?

De tudo um pouco. De pesquisas individuais, a sugestões de outros, passando pelo contacto com músicos. Nos últimos anos, o concurso que a Fnac promove e que tem revelado um volume inusitado de participações tem sido uma excelente ferramenta de descoberta. A velha ideia do “segredo mais bem guardado”, já teve melhores dias.

E que critérios usas depois para definir cada alinhamento? Não só na seleção de bandas mas, depois, na própria ordem de apresentação das faixas?

Ao longo dos anos, libertei-me dos critérios que fui criando para a selecção desta série. Interessa-me sobretudo a variedade de discursos, valorizar  canções, ter espaço para a experimentação e que o disco seja fiel ao que está a acontecer no país. O modo como construo o alinhamento é uma das maiores dificuldades do processo. As propostas musicais são tão dispares que conseguir organizá-las com harmonia está sempre relacionado com a sensibilidade do momento.

Nomes já reconhecidos como os de Rita Redshoes, Márcia, DJ Ride, Norberto Lobo, Moullinex ou Minta já passaram por aqui logo nos primeiros anos… Imaginavas, a estes e outros, o que o futuro lhes guardava?

Em qualquer selecção que participe vem associado um objectivo comum – que todos consigam projectar-se publicamente e que a criatividade se concretize num projecto de vida. No entanto, existem tantas variáveis nesse processo, que fazer previsões é procurar problemas e decepções. Em 14 edições, já experimentei a surpresa e a satisfação pelo crescimento que alguns conquistaram, mas também me lamentei com outros tantos que escolheram outros caminhos e desistiram de produzir música. Os nomes que referes pertencem ao lado bonito da história. Estão activos, construíram obra e recomendam-se.

Neste volume de 2020 há umas tendências mais evidentes do que outras. Por um lado a “escola” Capitão Fausto parece estar a dar frutos. Por outro notam-se expressões de novas buscas tanto nos espaços da música eletrónica como no hip hop… Como fazes, através deste disco, o retrato atual do nosso estado da nação pop?

A questão das filiações que começamos a encontrar nestes compositores emergentes, é só por si uma novidade. Identificar os Capitão Fausto, B Fachada ou Buraka Som Sistema como referências indica uma mudança de paradigma. No passado esses faróis tinham origem noutras geografias. Considero difícil e precipitado, traçar um retrato da música produzida em Portugal com base num só disco. Esta edição retrata um modo de olhar para uma realidade muito recente e sem o necessário distanciamento temporal para tirar conclusões mais abrangentes. Ainda assim, mais do que discutir opções artísticas, destaco a certeza e a eficiência que estes músicos garantem no que querem mostrar. Creio estar ultrapassado o dilema da debilidade que durante anos se reconhecia na música que por cá foi produzida. Reparo também no crescimento de projectos em nome próprio em detrimento do colectivo, e receio que o conceito de “banda” comece a ser colocado em causa. Pode ser impressão minha, mas gostava de conhecer as razões para essa transformação.

Há nesta edição um particularmente estimulante peso de uma nova geração de projetos de jazz. Ou seja, não é só em Londres que a coisa está a borbulhar…

Sim, também temos o nosso “caleidoscópio”. O aparecimento fulgurante desta nova geração de músicos de jazz portugueses, é uma realidade com alguns anos. O que se torna agora mais notório, é o modo como começam a transformar essa matriz noutros modelos musicais. Há quem se aproxime da electrónica, do funk, do rock, e esses sinais de modernidade serão entusiasmantes de acompanhar num futuro próximo.

Num contexto invulgar como o que estamos a viver em 2020 um volume de uma série de discos como esta pode transportar mais significados?

Acredito que sim. Vivemos uma pandemia viral, e em paralelo de obesidade, de excesso de opções e uma notória incapacidade de decisão. O volume da oferta sobrepõe-se ao nosso entendimento, e este disco é apenas um facilitador para que essa comunicação aconteça e não se dilua. Os últimos meses confirmaram a importância da música no nosso quotidiano e o poder catártico que possui. Ao mesmo tempo, os músicos, os que criam algo tão essencial para as nossas vidas, estão a experienciar os dias mais dramáticos dos seus percursos.
Ter disponibilidade para os considerar como opções nas nossas escolhas pessoais seria a melhor das recompensas.

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