O exotismo de Martin Denny também viajou entre os pioneiros da música eletrónica

Lançado em 1969 e nunca desde então reeditado, o álbum “Exotic Moog” lembra-nos que devemos juntar o nome do mítico Martin Denny a uma geração de pioneiros que talharam nos anos 60, novas visões para a música eletrónica. Texto: Nuno Galopim

Nova iorquino de berço, criado em Los Angeles, Martin Denny (1911-2005) começou a estudar piano e descobriu um fascínio pelos ritmos latinos durante uma digressão por países da América do Sul nos anos 30, tendo desde logo começado a colecionar instrumentos com sonoridades diferentes das mais habituais. A sua identidade como músico ganha forma mais tarde, já na década de 50, quando, contratado para uma temporada num bar no Hawaii (onde acabaria por fixar residência) dá por si a atuar, com o combo que juntara para o efeito, num espaço dominado por palmeiras, de janelas abertas e com um lago por perto. Durante a atuação o coaxar das rãs fez-se soar durante a primeira música. Mal terminou fez-se silêncio, regressando o som do coaxar mal a segunda peça começou a ser tocada. Às rãs juntava-se, como ambiente, o mais presente som dos pássaros… Aquela sinfonia de instrumentos e sons de animais causou em si uma epifania: porque não explorá-la em disco… E assim foi…

Com uma alusão direta aos ambientes criados nas noites de música ao vivo no Shell Bar (e que mais tarde seriam recriadas em Las Vegas), as sessões que decorreram em 1956 num estúdio em Waikiki (no Hawai) fixaram estes diálogos entre música e ambientes exóticos criados por sonoplastia naquele que foi o primeiro álbum de Martin Denny, ao qual chamou, simplesmente, Exotica. Editado em 1957 o disco conheceu um processo gradual no cativar das atenções, ganhando visibilidade maior com a edição em single de Quiet Village, acabando por conhecer episódios de sucesso maior em 1959, numa altura em que esta ideia de uma música lounge de inspiração jazzy e encenada com elementos de outras geografias e ambientes ganhou uma designação: exótica… E é por isso que hoje, ao referir-se o nome de Martin Denny, é frequente vermos-lhe associado o rótulo de “pai da música exótica”.

É claro que não foi o primeiro a traçar música nestes caminhos. Les Baxter, por exemplo, tinha já lançado a base da sua visão em Ritual of The Savage na aurora dos 50s, e outros mais exploravam “exotismos” para bar, restaurante chique e disco por aqueles dias… Mas Martin Denny ajudou a cunhar o termo e juntou ao álbum de 1957 uma sucessão de discos que vincaram um estatuto de sucesso num espaço que, anos mais tarde, acabaria com outros mais rótulos, do easy listening ao lounge… Por todos os discos passava uma sugestão de exotismo longínquo e paradisíaco, muitas vezes em clima tropical, entre folhagens de selva ou junto a paisagens oceânicas bem arejadas. Mas tudo como se fosse recriação de um estúdio de Hollywood, claro. Forbidden Island (1958), Afro-Desia (1959) ou The Enchanted Sea (1959) definiram um mapa de sons que depois chegaram ao cinema, aos palcos, conhecendo sucessivas (mas cada vez menos marcantes) edições em disco ao longo dos anos 60.

Na verdade, e depois das colheitas de finais dos anos 50, o mais saboroso dos episódios seguintes na discografia de Martin Denny chegou em finais dos anos 60, não com uma geografia exótica como mote mas sob o estímulo de uma nova ferramenta: o moog! Um ano depois das visões que Wendy Carlos apresentou em Switched on Bach (que representou um episódio de sucesso), Martin Denny procurou olhar para a sua linguagem “exótica” servindo-se da mesma tecnologia… Nasce assim Exotic Moog, um disco que tem o sabor de uma selva exótica mas em clima sci-fi… Mais do que procurar os desafios da composição, aqui é a forma que fala mais alto. De resto, todo o alinhamento é feito de composições de outros autores (entre os quais John Barry ou Gilbert Bécaud), cabendo a Martin Denny apenas um tema como autor: o clássico Quiet Village, do clássico Exotica de 1957.

A novidade aqui estava no facto de escutarmos o próprio Martyn Denny a reimaginar estas composições, sob o prisma dos códigos “exóticos” da sua linguagem, porém através do recurso a um moog. O texto na contracapa do álbum juntava ainda uns pozinhos de modernice ao lembrar como gravar com uma orquestra era uma complicação fastidiosa de outrora e que agora, com um sintetizador moog e um gravador de oito pistas, a coisa era como comprarar as velhas imagens de Lindenbergh com as fotos da Apollo na Lua (e em 1969 não havia maior referência de modernidade do que o recente feito da Nasa). Exotic Moog é uma viagem de sabores desafiantes… Está ali a linguagem “clássica” de Denny, aquelas visões à la Hollywood do que seria o mundo dos outros, mas aqui com o valor acrescentado da vertigem do desafio de um som novo. E vale a pena sublinhar que a aventura eletrónica alemã para além dos estúdios de Stockhausen ainda estava a nascer quando, depois dos americanos Raymond Scott ou a dupla Louis e Bebe Barron, nomes como os de Wendy Carlos (EUA), Joe Meek e Delia Derbyshire (Reino Unido) ou Tom Dissevelt e Dick Raaijmakers (Holanda), lançavam importantes visões de desafio pioneiro por estes lados. De certa maneira, Martyn Denny juntou-se a esta carruagem em 1969, Mas foi aventura de apenas uma paragem.

“Exotic Moog”, de Martyn Denny, acaba de conhecer a sua primeira reedição no formato de LP em vinil, pela Jackpor Records. A edição, em vinil vermelho, é limitada a 1500 exemplares e surgiu no primeiro ‘drop’ da edição deste ano do Record Store Day.

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