Quando Sakamoto se inspirou em imagens de Tarkovsky para criar um disco… e uma câmara estava por perto

Está disponível em DVD “Coda”, um documentário que acompanha Ryuichi Sakamoto por alturas da criação de “Async” e que abre pontualmente frestas para evocar memórias ou observar o seu esforço enquanto ativista pela defesa do ambiente. Texto: Nuno Galopim

Depois de Out of Noise (editado em 2009), passaram oito anos até que o mundo pudesse escutar um novo álbum de Ryuichi Sakamoto. Houve parte desse período que dedicou sobretudo à composição de música para cinema. Mas, quando em 2014 lhe foi diagnosticado um tumor na garganta, foi forçado a parar. Depois do tratamento retomou a atividade, procurando então criar um álbum que, temia, poderia ser o último pelo que, como depois afirmou, queria criar música que se orgulhasse de aqui deixar. É nesse período de labor criativo, acompanhando-o focado na busca da música que depois nasceria no álbum Async, que a câmara de Stephen Nomura Schible,  o acompanhou. Coda é um retrato de um artista em busca de um desafio na forma de música. E mesmo sob a tensão que sugeria que este poderia ser o seu último álbum de originais (e na verdade desde então só lançou de novo três bandas sonoras), o percurso que acompanhamos em Coda é tudo menos o de um homem em corrida contra o tempo. Tranquilo, focado, curioso, esse é o Ryuichi Sakamoto que encontramos num documentário essencialmente focado no presente onde, quando faz sentido, entram frestas do passado, ora lembrando experiências no cinema (de Oshima a Bertolucci) ora de outros tempos na história da sua carreira (recuando mesmo aos dias da Yellow Magic Orchestra).

O grosso de Coda, contudo, vive-se no presente. Ou em ações ativismo que se seguiram ao desastre de Fukishima ou em momentos de presença em palco, guardando, contudo, o tutano das atenções para os espaços de demanda criativa. E aí entramos no espaço da sua casa, em Nova Iorque. Ora numa sala onde tem um piano, ora numa divisão no piso inferior que transformou no seu estúdio/atelier de trabalho. E tal como o discurso sobre a vida e o presente de que nos vai falando, o olhar não se desvia do universo dedicado ao trabalho. O resto é espaço privado, respeitado como tal, e não passa por aqui.

            Se nos episódios em que as memórias afloram o escutamos a falar de outros momentos da sua vida como músico – e num deles recorda como uma vez Bertolucci o “apertou” no tempo de trabalho, justificando que Morricone seria capaz de resolver o desafio, ao que o japonês respondeu que, assim sendo, também ele o faria – o coração de Coda acompanha-o contudo a regressar de um período de convalescença, a encarar a criação de um novo disco e a procurar materializar o conceito que então definiu: o de fazer do álbum uma banda sonora para um filme inexistente, tendo por base as polaroids de Andrei Tarkovsky. Os sons e os silêncios vão encontrando caminhos… Ao mesmo tempo o músico procura soluções (como numa ocasião em que sai para o quintal numa tarde de chuva, com um balde de plástico na cabeça, certamente em busca de um som. E assim nasce Async. Entre ideias, linhas que lança ao piano e entre eletrónicas, entre vozes (a de Paul Bowles num texto do próprio ou a do velho parceiro David Sylvian a ler um poema do pai de Tarkovsky, entre achados ocasionais… Salkamoto sorri para a câmara ao explicar, tranquilamente, um ou outro som que brotou destas ideias… Sem uma linha narrativa em arco, sem um principio ou um fim evidentes, Coda, faz-nos entrar pelo seu universo e deixa-nos estar ali, durante uns minutos, a vê-lo de perto. Sem pressa. Mas sob o encantamento de quem vê um grande mestre a criar uma obra rara (e magnífica).

“Coda”, de Stephen Nomura Schible, passou entre nós no circuito de festivais. Há edições em home video, uma delas num DVD com legendas em inglês, lançada pela Modern Films.

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