Alfredo Marceneiro “Há Festa na Mouraria” (1964)

Para (re)descobrir um pouco mais sobre a discografia de uma das maiores referências da história do fado para além do clássico “The Fabulous Marceneiro”, o álbum de 1964 “Há Festa na Mouraria” pode ser um bom ponto de partida. Texto: Nuno Galopim

Este texto é o terceiro de uma série abordagens a álbuns da música portuguesa que ou estão ainda guardados apenas na memória do vinil. ou não costumam ser apontados como os títulos de referência dos respetivos autores ou até são por vezes ignorados em listagens dos mais representativos do seu tempo. Todos eles, contudo, são discos a ter em conta para contar as histórias de quem os fez e do período em que foram gravados e editados. Este foi o sucessor do clássico “The Fabulous Marceneiro”, gravado em 1960.

A cada um o direito de definir a noção de “verdade” para a sua relação com a música. E se para o pianista Glenn Gould essa busca o levou a afastar-se dos palcos aos 31 anos, dedicando grande parte do seu labor a um trabalho essencialmente focado no estúdio de gravação, já o fadista português Alfredo Marceneiro sentia exatamente o contrário. Gravar, estúdios de gravação, discos… Nada disso estava na esfera do que entendia ser a sua relação com a música. Mas (a bem de todos nós) lá cedeu e ocasionalmente aceitou deixar-se captar, podendo hoje esse património ajudar a explicar às novas gerações de interessados porque é o seu nome tantas vezes apontado como uma das referências maiores da história do fado.

         Alfredo Rodrigo Duarte (era esse o seu nome) nasceu em Lisboa em 1891 e tinha por isso quase 70 anos quando gravou um disco que invariavelmente faz parte de uma qualquer lista dos mais importantes álbuns da história da música portuguesa. De seu título The Fabulous Marceneiro – o que pode sugerir uma ambição editorial rumo a uma projeção e reconhecimento além-fronteiras – o LP nasceu numa só sessão captada numa tarde no palco do Teatro Taborda (na Costa do Castelo). Só os grandes acontecimentos e figuras geram mitos. E a gravação de The Fabulous Marceneiro gerou os seus mitos, um deles o de que, avesso ao trabalho em estúdio, Alfredo Marceneiro teria usado um lenço a tapar os olhos para assim melhor se concentrar, procurando ignorar o ambiente em sua volta. A verdade, esclarecida depois pelo técnico de som Hugo Ribeiro (como podemos ler numa série de textos recolhidos no livro Os Melhores Álbuns da Música Portuguesa, edição conjunta do Público e da Fnac), é que havia luz a mais naquele lugar. E, estando as janelas demasiado altas para que as pudessem tapar, o lenço assegurou uma certa escuridão possível. E não a ilusão de que não estava em estúdio, como o mito costuma rezar.

         Era, contudo, verdadeira essa sua aversão a gravar. Assim como não gostava de discos… Nem do trabalho de comunicação associado aos momentos das edições, nomeadamente as entrevistas. As casas de fado e outros ambientes mais tradicionais seriam assim aqueles que privilegiava. Mesmo assim a sua discografia começou a nascer ainda nos tempos dos registos a 78 rotações, na passagem dos anos 20 para os anos 30, tendo correspondido essa etapa ao período mais fértil em gravações e edições. Quis porém a evolução do gosto e das opções editoriais que o fado tivesse maior visibilidade na era do vinil do que na aurora do shellac. E se nos anos 50 ocasionalmente editou a 45 rotações, já no início dos anos 60, quando o LP começou a entrar com maior vigor nos hábitos de edição e consumo entre nós, a sua discografia acolheu não apenas esse histórico álbum de 1961 como outros dois mais igualmente registados para a Columbia: Há Festa na Mouraria (1964) e Nos Tempos em Que Eu Cantava (1972). Gravou ainda alguns discos em parceria, um deles, um EP com o filho Alfredo Duarte Jr e  neto Vitor Duarte, para a Estúdio, editora que lançou em 1971 o álbum Alfredo Marceneiro e o Fado.  

         Com Francisco Carvalhinho, Jaime dos Santos nas guitarras e Orlando Silva na viola, o álbum Há Festa na Mouraria apresenta um alinhamento essencialmente dominado por composições do próprio Alfredo Marceneiro (nove no total, entre as quais a que dá título ao disco), juntando ainda um tema popular (Colchete d’Oiro), uma composição de Casimiro Ramos (O Marceneiro) e uma de Álvaro dos Santos (Orfãzinha).

“Há Festa na Mouraria” teve edição original em LP pela Columbia em 1964 (*). O disco teve reedição em CD em 2007 pela Som Livre/Valentim de Carvalho.

(*) segundo a discografia incluída no verbete dedicado a Alfredo Marceneiro na “Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX”.

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