Foi há 40 anos que os Ultravox juntaram os ingredientes certos e definiram o rumo que os levou a criar um clássico

Editado em 1980, o álbum “Vienna” representa um ponto em que vários caminhos da música popular dos anos 70 se encontraram para definir uma linguagem que juntava as visões das eletrónicas a uma história pop/rock elétrica que assim se reinventava. Texto: Nuno Galopim

Formados em meados dos anos 70 os Ultravox procuravam espaços distantes do que então a revolução punk propagava sob os focos mais atentos do jornalismo musical. Trabalharam com Brian Eno num primeiro álbum, com Steve Lillywhite no primeiro e segundo. Na faixa final desse HaHaHa (1977) – Hiroxima Mon Amour – encontraram pistas para um diálgo das guitarras com as (emergentes) eletrónicas um rumo, que exploraram mais profundamente em Systems of Romance (1978), que gravam sob produção de Conny Plank, figura referencial do krautrock (com passagem por nomes como os Cluster ou Can). Mas eis que chegou a noite de 31 de dezembro de 1978, quando tudo mudou. A falta de resultados fez com que a editora (a Island) colocasse um ponto final no seu relacionamento. Decididos a não desistir marcaram eles mesmos uma nova digressão americana. Mas a coisa não correu bem. O guitarrista Robin Simon afastava-se por razões pessoais, acabando por se casar e viver por uns tempos em Nova Iorque antes de regressar ao Reino Unido, onde então colaborou pontualmente com os Magazine antes de retomar a ligação com John Foxx, que fora até 1979 a voz dos Ultravox. Depois da noite final da digressão americana, o vocalista decidira partir para um percurso em nome próprio e aqui as histórias dividem-se, entre os elementos da banda que dizem que o afastaram e ele que conta que saiu. A verdade é que, na primavera de 1979, os Ultravox eram um trio: o baixista Chris Cross, o baterista Warren Cann e o teclista Billy Currie. Todos eles encontraram trabalhos ocasionais por aqueles dias. Chris Cross trabalhou num projeto do guitarrista dos Pretenders. Já Billy Currie viu-se a bordo dos Visage, uma nova aventura então musicalmente coordenada por Rusty Egan (o DJ das noites “Bowie” que então começavam a cativar atenção em Londres), com rosto mediático nas mãos de Steve Strange (que assegurava a muito seleta política da porta dessas mesmas noites) e o guitarrista Midge Ure, cuja história de vida o fizera já passar por uma banda teen (os Slik) e pela aventura pós-Sex Pistols de Glen Matlock e que se preparava para dar uma mão, por umas semanas (na estrada), aos Thin Lizzy. Foi Rusty Egan quem referiu a Billy Currie que ali mesmo, entre o núcleo original dos Visage (que em 1979 se estreavam com o single Tar), tinham o elemento que lhes faltava, reunindo não apenas o facto de ser um bom guitarrista como uma voz segura e um bom compositor… E não é que tinha razão?

Das primeiras sessões de trabalho dos Ultravox com Midge Ure nasceram logo algumas das canções que pouco depois encontrariam caminho para estúdio. Mas isso só aconteceu depois de nova passagem pelos EUA e com uma atuação em Londres em cuja plateia estava alguém da Chrysalis Records que os escutou e ali reconheceu potencial. Vale a pena lembrar que o panorama de reconstrução de visões para a música pop depois da revolução punk apontava o caminho que a música dos Ultravox tomava como uma rota a ter em conta. Afinal Gary Numan tinha encontrado um patamar de sucesso depois de Are Friends Electric? E mesmo não tendo gerado ainda êxitos de escala colossal, as movimentações que se desenhavam entre os ecos da nova música eletrónica que chegava da Alemanha (dos Kraftwerk aos La Dusseldorf) e os primeiros sinais de uma nova geração que começava a ganhar forma em volta das noites com Rusty Egan como DJ iriam definir pouco depois alguns dos maiores casos de sucesso made in UK, alguns deles com um potencial de exportação como há muito a música pop britânica não conhecia. Quando a Chrysalis assinou os Ultravox ainda os Visage não tinham lançado Fade do Grey. Badas como os Human League ou OMD eram ainda pequenos casos de reconhecimento por nichos atentos aos novos sons… E nomes como os Spandau Ballet ou Duran Duran tinham sequer tinham ainda chamado atenções… O teledisco de Ashes to Ashes de Bowie, que recrutara Steve Strange e outras figuras daquelas noites temáticas como figurantes, daria de facto uma outra visibilidade maior a este movimento emergente. Mas por essa altura, já o primeiro álbum da nova formação dos Ultravox estava na rua…

Convenhamos que a equipa de A&R da Chrysalis teve “olho” (ou melhor, ouvido que também sabe ver)… E de facto logo ao primeiro single, Sleepwalk, lançado poucas semanas antes de um primeiro álbum da nova formação, os Ultravox conseguiram o que antes nunca tinha acontecido: criar um êxito e entrar para as tabelas de vendas. Chegaram ao número 29! Passing Strangers, o segundo single, não foi tão longe, embora tenha conseguido trepar até ao número 57. A maior surpresa estava, contudo, guardada para mais adiante quando, já em janeiro de 1980, a editora cedeu aos Ultravox e deu OK para avançar com a edição do tema-título do álbum como single. Mais épica (e há quem diga pomposa) do que as demais canções do disco, deu-lhes um número dois (apenas travado por um single do recentemente desaparecido Lennon e de uma canção de êxito fugaz de um tal Joe Dolce de quem nunca mais ninguém ouviu falar desde então). Tinham razão ao dar o título da canção ao disco… Vienna era na verdade mais um pensamento sobre um estado de alma do que um retrato da cidade à qual foram, pela primeira vez, quando chegou a hora de filmar o teledisco. Semanas depois All Stood Still, quarto single, dava-lhes uma segunda entrada nos dez mais, alcançando o número oito. Vienna (o single), contudo, tinha-lhes dado exposição internacional, alcançando o número um também na Irlanda, Bélgica e Holanda, e lugares de visibilidade tanto em outros países europeus como na Austrália e Nova Zelândia. Pelo caminho o tema New Europeans (que nunca entendi porque não foi single neste lado do mundo) foi usado por uma campanha publicitária no Japão e aí teve ordem para ser editado a 45 rotações, gerando pouco tempo depois um álbum local (uma compilação) que usava o título da canção.

Estas foram as “janelas” que chamaram atenções para Vienna. Mas convém escutar o álbum para compreender como juntou ingredientes e porque se destacou e ainda hoje é, juntamente com o disco seguinte dos Ultravox (Rage In Eden, de 1981), uma referência da pop da primeira metade dos anos 80. Ao chegar a bordo, Midge Ure não vinha com ideias de mudar os cantos à casa mas, antes, arrumar as ideias e continuar o caminho. Afinal, entre pistas lançadas por Hahaha e, sobretudo, Systems Of Romance, havia uma rota desenhada que não havia ainda sido levada ao seu destino na plenitude das capacidades. E de facto as primeiras pistas para chegar a Vienna encontram-se na visão sugerida por Hiroxima Mon Amour, nos singles de 1978 Slow Motion e Quiet Man e ainda em Dislocation, outra das canções-chave de Systems of Romance. A sensibilidade pop com gosto pela pista de dança que Midge Ure então experimentava nos Visage (que em simultâneo criavam o seu álbum de estreia) acabaria por se manifestar em faixas como Sleepwalk, Passing Strangers ou All Stood Still. Mas a rede de ligações não se esgota aqui. A presença de Conny Plank, que voltava a trabalhar com o grupo, assegurava uma dimensão mais exploratória, que ora se manifestava na relação das eletrónicas com as guitarras em New Europeans ou Private Lives ou com uma vontade de desenhar cenografias mais elaboradas em Western Promise ou no instrumental de abertura, isto sem esquecer a dimensão mais “clássica” do arranjo final de Vienna. Mr. X, por sua vez (canção que teve uma versão em alemão como Herr X) assegurava por sua vez a ligação mais evidente às mesmas heranças da música eletrónica alemã que já tinham encantado os Ultravox nos tempos de John Foxx e que o seu antigo vocalista tomaria como gramática de referência em Metamatic, álbum de estreia a solo que editou logo em janeiro de 1980 (meses antes de Vienna, portanto).

Podemos hoje ver Vienna como um ponto particular na história pop daquele tempo. O disco herda o legado (então recente) da primeira etapa dos Ultravox concentrado nas ideias projetadas em Systems of Romance. Ao mesmo tempo, igualmente alimentando as ideias de Vienna, estará Visage, o álbum de estreia do projeto com o mesmo nome que representa, na verdade, um disco-irmão de Vienna. Por perto não podemos deixar de observar o trajeto, com passado partilhado (e afinidades evidentes) que escutámos em Metamatic, de John Foxx. Uma melhor compreensão dos quês e porquês de Vienna e das identidades estéticas do movimento new romantic (que aqui tem um álbum de referência) implica passar por estes outros três discos.

Quarenta anos depois Vienna tem o sabor de um clássico (uma vez mais o título foi certeiro aqui). E a nova edição comemorativa do 40º aniversário do álbum procura acima de tudo complementar a memória do seu tempo. Já tinha havido em 2008 uma edição com som remasterizado e um disco extra com os lados B e algumas raridades (acrescentando ainda mais umas, nomeadamente gravações em soundchecks). Havia que fazer mais… E assim, além do álbum original e desse lote de temas extra, a nova caixa (de 5 CD e um DVD áudio) acrescenta um disco com uma nova mistura do álbum (que valoriza de facto a clareza da presença de todos os elementos em cena), um outro com ensaios da época registados em cassete (exclusivo da caixa em CD) e um disco com uma gravação de um concerto em St Albans em agosto de 1980. E aqui, além das canções de Vienna e de Face To Face (lado B de Passing Strangers), o alinhamento recupera três canções da fase John Foxx (Hiroxima Mon Amour, Slow Motion e Quiet Man) e uma versão de King’s Lead Hat, de Brian Eno, que o grupo já tocava desde as suas primeiras atuações com a “nova” formação. Pena não haver um DVD com imagens desta altura. Há telediscos… Certamente atuações televisivas e até gravações de concertos, mesmo que sem as melhores condições técnicas (mas, como os New Order nos mostraram logo na caixa dedicada a Movement, o “valor” documental da coisa justifica a partilha).

“Vienna (Deluxe Edition – 40th Anniversary)” é uma caixa de 5CD e um DVD áudio, igualmente disponível nas plataformas de streaming, numa edição da Chrysalys Records. Está também editado um 2LP com o álbum remasterizado e os lados B e alguns extras mais. Através do site dos Ultravox há ainda uma edição em 4LP que junta não apenas este 2LP acima referido como inclui, em dois discos em vinil, o concerto em St Albans.

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