“Hair” no cinema não repetiu o impacte cultural da peça em palco no final dos anos 60

Um dos mais célebres exemplos das “óperas rock” que partiram dos palcos do teatro para o grande ecrã, “Hair” pecou por ter esperado tantos anos para o fazer. O filme fez sucesso, mas o clima musical e social ao seu redor não era o mesmo dos anos 60… Texto: Nuno Galopim

O palco e o ecrã são tanto destino como origem de muitos musicais, podendo depois a mesma ideia rumar de um para o outro espaço. Se West Side Story emergiu num teatro e depois arrebatou atenções num filme de Robert Wise e Jerome Robbins, já Pricilla Queen of The Desert começou por inscrever um momento cinematográfico na história da cultura popular para depois rumar aos palcos… Ou seja, ambos os caminhos são possíveis. O palco é contudo o berço natural de um certo modelo de espetáculo musical. Mas não faltaram já as ocasiões em que as ideias nascidas no palco conquistaram depois maior impacte no cinema. E o já citado West Side Story é disso um belo exemplo. Há porém episódios que geraram sucesso, e até chegaram mesmo a inscrever momentos relevantes em palco que, quando chegaram ao grande ecrã, em nada repetiram os mesmos feitos. A adaptação de Hair ao cinema, por Milos Forman, em 1979. É disso um exemplo. Não porque seja um filme menor. Mas porque, em 1979, uma história sobre a cultura hippie estava longe de constar da ementa dos maiores interesses de quem queria sentar-se numa sala escuta frente ao ecrã para ver um filme… Basta lembrar que pouco mais de um ano antes o entusiasmo, nesse departamento, ficara por conta de Febre de Sábado à Noite… Os gostos e interesses tinham mudado. E Hair, mesmo tendo sido um acontecimento social no seu tempo, não repetiu o mesmo impacte cultural quando chegou ao cinema. Foi um êxito, vendeu muitos bilhetes, pagou a produção e deu lucros… Mas quando hoje se fala de Hair a memória (e o impacte) das produções teatrais ofuscam a memória do filme.

         Estreado numa primeira produção off-Broadway em 1967, Hair celebrava a contracultura jovem do seu tempo. Levantava questões que iam da revolução sexual que se vivia a uma abordagem ao consumo de drogas ou ao pacifismo (focando concretamente a guerra no Vietname). Celebrava uma noção de liberdade que incomodou códigos de moral então vigentes junto grupos sociais mais conservadores. E gerou um fenómeno de sucesso, não apenas na bilheteira (das várias produções que então se multiplicaram em muitas cidades) como levou o disco com a gravação das músicas pelo elenco de uma produção na Broadway a um patamar de vendas na ordem dos três milhões. Canções como Aquarius, o tema-título ou Good Morning Sunshine geraram êxitos e várias versões.

Entre o musical de palco e o filme há diferenças na caracterização de algumas das personagens e até no foco temático. No palco o pacifismo tem um peso determinante na condução da narrativa. O filme opta por acompanhar mais os comportamentos do grupo hippie quando um jovem do Oklahoma chega à cidade em véspera de ser integrado na recruta (que o levará ao Vietname para combater). Há também diferenças na música, havendo canções que acabaram cortadas na montagem final e uma (Somebody To Love) que foi expressamente criada para a adaptação ao cinema.

         A memória e a carga cultural do musical de palco levou muita gente ao cinema em 1979. Tanta gente que as contas no fim até correram bem. Houve uma banda sonora editada em disco. Canções voltaram a ser escutadas… Mas numa altura em que o disco fazia êxitos mainstream e nas franjas alternativas se movimentavam os ecos da revolução punk, a proposta de uma ópera rock não causou o mesmo impacte da música que, uma década antes, tinha adquirido o poder de um símbolo.

2 pensamentos

  1. Tenho 61 anos e era criança quando a peça foi encenada aqui no Brasil. No entanto, corri para assistir ao filme, depois da liberação, já que, a princípio, ele foi censurado aqui.
    É o filme da minha vida. Se na época estivesse em fase de me alistar no exército, não me alistaria mais. Bela matéria. Parabéns!

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    1. É o filme da minha vida também. Tenho 60 anos e desde a primeira vez que assisti o filme não parei mais. Já assisti mais de 25 vezes e não me cansei. Penso que cada um no seu quadrado. Na época a peça foi um sucesso devido ao alto nível de repressão em que estávamos passando, seria um grito de liberdade assistir a peça. O filme já dez anos depois está em uma outra vibe, anos 80, final do regime militar, um povo mais liberado digamos mentalmente e mesmo assim não deixou de ser um sucesso. Mas…eu prefiro o filme.

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