Passam hoje 30 anos sobre a edição de “Behaviour”. Era o quarto álbum do duo e revelava, sem se afastar de uma linguagem pop, uma opção menos focada no diálogo com a luz e a dança para mergulhar antes rumo à introspeção que chega com o final da noite. Texto: Nuno Galopim

Se pode fazer sentido pensar que a antologia Pop Art possa representar a mais suculenta edição discográfica da obra dos Pet Shop Boys – o que traduz a excelência das sucessivas propostas que foram levando ao formato de single – não deixa também de ser verdade que o grupo tem lançado, ao longo do seu percurso, uma série de álbuns que são também peças marcantes… e gourmet. E se for preciso escolher “o melhor” dos álbuns dos Pet Shop Boys, teremos de apontar o dedo a Behaviour (com Actually, Introspective e Very, todos eles editados na sua “fase imperial” a representar outros momentos maiores se tivermos em conta o conceito de “álbum”).
Depois de uma primeira série de três discos de alma pop sob batimento cardíaco mais próximo dos universos da música de dança, os Pet Shop Boys surpreenderam ao apresentar em 1990 Behaviour, um álbum de toada mais tranquila, disseminando pelo alinhamento um volume mais expressivo de baladas, canções mid tempo e propostas para o então emergente conceito chill out, deixando para o single-aperitivo So Hard a mais evidente janela de comunicação para com a obra anterior do duo.
Coproduzido entre o grupo e Harold Faltermeyer (que procuraram por ter sido um importante colaborador de Giorgio Moroder), Behaviour é um álbum elegante, cuidado na escrita, aqui confirmando em pleno um saber que já havia sido claramente explorado em títulos anteriores. Mas desta vez, o que até então era a prioridade (a relação das formas pop com ideias escutadas nos espaços da música de dança) cedeu o protagonismo não apenas a uma mais meticulosa tarefa de composição (com o trabalho de escrita das letras a seguir igual patamar de exigência) e um trabalho de arranjos capaz de sugerir subtileza mesmo perante um recurso a uma vasta gama de ideias, sonoridades e soluções cénicas.
Há aqui canções que vinham das primeiras maquetes do grupo (como Jealousy, que foi criada por Chris Lowe ainda longe de imaginar o futuro que um dia teria na música) e outras de berço mais recente. Há aqui clássicos maiores como Being Boring ou My October Symphony, esta última apontada por Neil Tennant como a sua canção preferida do alinhamento deste álbum e que surpreendentemente nunca conheceu edição em single. E exemplos de relacionamento com as palavras e as ideias – como por exemplo em How Can I Expect To Be Taken Seriously – que sublinham nos Pet Shop Boys uma das mais interessantes almas críticas no retrato de vivências urbanas do nosso tempo.
Trinta anos depois Behaviour revela uma rara capacidade em resistir ao tempo. O disco não guarda nenhum dos singles de maior popularidade da obra dos Pet Shop Boys. Mas logo no momento em que foi lançado, o disco revelou em Being Boring uma canção capaz de levar muitos conhecedores mais atentos da obra do grupo a apontá-la como uma das suas melhores composições. My October Symphony é outro momento notável e no espetáculo a que chamaram Performance usaram esta canção para desafiar as noções clássicas do que era uma “atuação”, apresentando-se Chris Lowe e Neil Tennant como meros figurantes, deixando a voz entregue a dois cantores convidados e a música a sair de uma gravação. A noção de “verdade” na música ao vivo era assim levada a uma reflexão envolvendo ideias de encenação e de artificialidade. E convenhamos que “artificialidade”, por muito que custe aos trovadores da voz e guitarra, é uma coisa natural à criação artística. A voz vem da natureza. Já uma árvore de guitarras é coisa que nunca vi… A consciência e o vincar da evidência do artifício, de resto, são elementos-chave na construção de todo o discurso artístico dos Pet Shop Boys. E esse momento em palco, ao som de uma canção de Behaviour, é um belo motor de reflexão para quem gosta de encarar a música pop como mais do que uma coisa de ouvir, mastigar e deitar fora.
Para resumir a coisa a uma frase: Se me pedirem para dar o exemplo de um álbum pop perfeito não hesitaria em apontar este.