38. Demis Roussos “Fire and Ice” (1971)

Este é o número 37 da lista “100 Discos Daqueles que Raramente Aparecem nas Listas”… Foi editado em 1971 e representou a estreia a solo de Demis Roussos, num disco que, apesar de abrir portas ao que faria no futuro, ainda está longe dos caminhos de êxito que faria na canção ligeira. Texto: Nuno Galopim

Quem entrar numa loja de discos na Grécia notará a enorme oferta de edições locais, em muitos casos com nomes que, a menos que tenhamos uma relação mais atenta com o que musicalmente ali acontece, possivelmente não conheceremos… Apesar da esmagadora presença de música grega nos consumos locais (e que na verdade se estendem a outros espaços nas imediações mediterrânicas), houve já vários nomes que “saltaram” a fronteira e criaram uma relação com públicos internacionais. Dos compositores Mikis Theodorakis a Eleni Karindrou, das cantoras Maria Callas a Nana Mouskouri, isto sem esquecer aqueles que por janela eurovisiva chamaram atenções mais longe (o mais recente caso sendo o de Eleni Foureira, que representou Chipre na edição lisboeta do concurso, em 2018), o volume de nomes gregos que circulam pelo mundo é considerável. A todos eles devemos acrescentar o nome de uma banda rock, que, por um feito na reta final da sua discografia, marcou os primeiros tempos da invenção de uma música mais elaborada e desafiante que ficou conhecida como rock progressivo. Chamavam-se Aphrodite’s Child e estiveram ativos entre 1967 e 1972, deixando não apenas um legado de três álbuns e vários singles, mas também os primeiros sinais de visibilidade para os seus elementos. E se o guitarrista Silver Kolouris e do baterista Loukas Sideras tiveram depois sobretudo uma relação mais local com outros músicos e até discos seus, já o teclista Vangelis Papathanassiou seria reconhecido ainda nos anos 70 como um dos mais populares pioneiros da música eletrónica e o vocalista do grupo, Artemious Venturous Roussos (mais conhecido como Demis Roussos), tornar-se-ia um fenómeno de sucesso para a canção ligeira mais adiante. Porém, nem sempre na canção ligeira esse vocalista se fechou. E se em Magic (1977) visitou o disco sound no disco que representa o seu reencontro com Vangelis, logo na sua estreia a solo, ainda nos tempos dos Aphrodite’s Child, procurou estabelecer pontes entre o passado e o presente, firmemente ancorado na sua identidade grega (embora cantando em inglês).

Editado com o título Fire and Ice (embora em alguns territórios tenha ficado conhecido como On The Greek Side of My Mind, o primeiro álbum que Demis Roussos edita a solo surge num tempo em que os Aphrodite’s Child se começam a desintegrar, processo que acompanha a criação de 666, duplo álbum esteticamente dominado pela visão de Vangelis que faz a música do grupo migrar de um terreno pop/rock mais acessível para rumos que veriam depois o disco como uma referência do emergente rock progressivo. Durante o processo de criação do derradeiro álbum dos Aphrodite’s Child, iniciada em 1970, Vangelis aceita o desafio de criar música para o filme L’Apocalypse des Animaux, de Fréderic Rossif. Por seu lado Demis Roussos acolhe o desafio para gravar um primeiro single – We Shall Dance (1971), no qual colabora o baterista Loukas Sideras. Logo depois é lançado o álbum… E quando finalmente 666 chega às lojas em 1972, já os Aphrodite’s Child eram uma memória.

Um pouco como a evocação marcas de identidade gregas que Vangelis promoveria em Odes, álbum editado em 1979, embora num registo diferente e mais distante dos ecos de músicas locais ali recuperados, Fire and Ice segue o caminho de busca de uma linguagem pop/rock que acolhe as cores dos instrumentos da orquestra amplificando a cenografia de canções que têm inevitavelmente a voz imediatamente reconhecível de Demis Roussos como característica mais evidente. Os arranjos procuram uma noção de sinfonismo que reflete um sentido de maior complexidade do que a norma pop/rock mainstream do seu tempo (que mesmo assim não deixa de estar ausente, como se escuta em, End Of The Line). Nem sempre mergulha, como faria o disco contemporâneo dos Aphrodite’s Child, em terrenos do progressivo. Há eletrónicas em We Shall Dance. Há uma erupção de ecos da folk em My Blue Ships A-Sailin’. E uma experiência mais teatral do que de canção em On The Greek Side of My Mind, onde a voz de Demis Roussos lê um poema, deixando o canto para um coro masculino que escutamos mais distante. Um ano depois, no álbum Forever And Ever (que inclui My Friend The Wind) Demis Roussos estaria já a caminho de uma linguagem ligeira, muitas vezes tropeçando naquela ideia de “coisa mais ou menos grega para estrangeiro ouvir, mas não demasiado grega para estranhar”. Mas neste seu primeiro álbum mostra sinais do que acontecia nas franjas da cultura ocidental depois de vivida uma década em que a cultura pop/rock tinha atravessado fronteiras e conquistado o mundo.

“Fire and Ice”, de Demis Roussos, teve edição original pela Phillips em 1970. E conheceu edições em vários territórios (por vezes com capas diferentes) até meados dos anos 70. Talvez exista na Grécia uma edição em CD (mas não tenho informação que o confirme).

Da discografia de Demis Roussos a pena descobrir discos como:
“Forever and Ever” (1972)
“666” (1972) – dos Aphrodite’s Child
“Magic” (1977)

Se gostou, experimente ouvir:
Aphrodite’s Child
Vangelis
Mariza Koch

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