E chegou a hora de JP Coimbra se fazer ouvir através da sua própria “voz”

Para que não haja equívocos, este é um disco instrumental. Mas em “Vibra” a voz criativa de JP Coimbra alcança um momento de expressão mais profunda das suas próprias demandas e desafios, num projeto que nasceu a contemplar lugares do Porto. Texto: Nuno Galopim

Conhecemos o João Pedro Coimbra nos tempos dos Bandemónio e, também como baterista, colaborou mais tarde com os Três Tristes Tigres. Através dos Mesa abriu um espaço para a afirmação de uma voz mais pessoal, ainda através das linguagens da canção pop, começando a definir um espaço mais pessoal que se estendeu ainda a um projeto mais pontual a que chamou Andrew Thorn. Mais recentemente vimo-lo a bordo do projeto Paião, criado em torno do legado do autor de clássicos como Playback ou Cinderela (e vale a pena lembrar que, ainda como Mesa, tinha já recriado O Senhor Extraterrestre, precisamente num álbum de tributo a Carlos Paião). Vibra representa, contudo, uma experiência diferente. É mais pessoal, daí a assinatura (pela primeira vez) em nome próprio. E revela uma busca por outros caminhos (e processos) que corresponde a uma afirmação muito natural de um gosto, uma curiosidade e uma vontade em assumir o desafio. Vibra é uma aventura audiovisual alicerçada em referências a lugares da cidade do Porto. E num ano de voltas trocadas como aquele que estamos a viver acabou por nascer gradualmente, revelando primeiro alguns sons, algumas imagens, deixando os palcos para mais adiante. Mas mesmo sem essa materialização “ao vivo” a música de Vibra deixa já claro um caminho trilhado entre eletrónicas e possíveis diálogos com outros instrumentos e timbres, nomeadamente as cordas e até mesmo a voz, embora num contexto diferente do mais habitual no espaço da canção. Nas entrelinhas de Vibra há possibilidades que se levantam. E das afinidades com as imagens que desde logo definiram a criação desta música, notam-se possibilidades que o mundo do cinema e do audiovisual em geral poderão depois desenvolver em episódios seguintes. Para já, o princípio de tudo. E aqui tudo começa num disco, para já disponível em CD e nas plataformas digitais. E deixemos que seja o próprio João Pedro Coimbra a apresentá-lo…

Como surgiu a ideia e o que te estimulou para criar este novo projeto?

Quando interrompi os Mesa em 2016, era claro para mim a necessidade de encontrar um projeto onde pudesse amadurecer determinadas ideias musicais que não cabiam num formato que eu adoro – as canções – mas que por uma série de razões já não me preenchia. Por outro lado, sempre gostei de cruzar linguagens musicais e apetecia-me trabalhar sem ter a voz como centro e fui-me apercebendo nessa pesquisa, que talvez por reação a uma música cada vez mais formatada, existia espaço e público para uma música baseada nessa premissa. Vivemos numa época extremamente interessante onde os cruzamentos estilísticos criaram uma espécie de metalinguagem.

O que tem de diferente este projeto face aos outros em que já estiveste envolvido, tanto musicalmente como na própria definição de um conceito?

Desde logo a ausência de uma voz como objeto central na composição. No Vibra existem também vozes mas elas são tratadas como instrumentos, a sua preponderância é semelhante à das cordas, ou dos sintetizadores, por exemplo. Este foi o primeiro projeto em que a forma e o conceito surgiram antes da música. Decidi explorar a identidade musical de determinados locais na cidade do Porto. Os espaços foram considerados do ponto de vista formal como instrumentos musicais, contribuindo com a sua volumetria e idiossincrasias geométricas na própria conceção musical. Decidi também que o projeto seria maioritariamente instrumental vivendo de um cruzamento inspirado quer na música clássica quer eletrónica, convivendo numa espécie de pós-modernismo musical.

Em alguns dos temas quase que emerge uma ideia de canção, porém com instrumentos a tomar o papel da voz… Era intencional essa ideia de uma voz subliminar ou foi fruto do acaso?

Parti desde logo com a ideia de compor sem ter a voz como objeto central. Essa ideia foi libertadora e a composição talvez por isso, surgiu rápida e concreta. 

Este universo musical começa a ter uma importante família de nomes a ele associados. Quais são os que tem mais impressionam não apenas como músico mas como ouvinte?

Da nova geração gosto bastante da Kaitlyn Aurelia Smith, Hildur Guonadóttir, Max Richter, Nils Frahm, Galya Bisengalieva, Nico Muhly, Ben frost ou Jóhann Jóhannsson, entre outros.

O projeto começou por se chamar Vibra mas acabaste por assinar em nome próprio. Para quem viveu sobretudo em bandas como encaras este confronto direto com a assinatura de um nome teu na capa de um disco?

Acho que o motivou essa alteração foi o facto deste projeto se ter tornado algo muito pessoal, onde me sinto muito confortável e isso fez-me pensar que ao fim de tantos anos ligado a esta profissão, talvez estivesse na altura de ter algo em meu nome. O Vibra é 100% do meu ADN de repente não me fez sentido assinar como banda ou um alter-ego.

A capa do disco como nasceu? É mais um fruto da identidade visual que está desde raiz associada a este projeto?

Sim, era importante que depois da identidade visual criada pelo Vasco Mendes, o artwork do disco refletisse esse caminho. Cruzei-me por acaso com o trabalho do Txaber, um artista plástico Basco e apaixonei-me pelo seu “V”. Acho que remete para os lugares onde o Vibra foi gravado, para os materiais de que são construídos esses espaços e que os tornam quase instrumentos, pois a sua acústica, molda e altera o som e aquilo que lá executas passa a ser outra coisa.

Apesar do carater multidisciplinar, não deixa de haver, no fim, um disco e um espetáculo… Continuam a ser as bases de um trabalho na música?

A música precisa de ser comunicada e nesse sentido essas duas formas continuam na minha opinião a ser importantes, a par de outras de importância crescente tais como os canais por cabo de que são bons exemplos, a Netflix e a HBO.

O presente momento, com cancelamentos e adiamentos, afetou a criação deste projeto?

No caso do VIBRA isso começa-se a sentir agora. As gravações iniciaram-se no início do mês de Março em estúdio e depois passaram pela Casa da Música, pela estação de Metro do Marquês e por último, pela Fundação de Serralves. Esta última ocorreu inclusivé no dia anterior ao fecho de todos os espaços culturais no país, o que foi uma sorte. O grosso das gravações ficaram concluidas mas ficam a faltar ainda dois locais, um rio subterrâneo e a câmara anecóica da FEUP. Para além disso, é impossível deslocar o meu piano para o estúdio que estou a montar a partir de casa e este é um elemento central no disco.

Que perspetivas internacionais guardas para este projeto?

As reações têm sido maravilhosas, com um maior interesse do que eu estaria a contar. Sinto que o VIBRA poderá ser algo único e isso deixa-me muito feliz. É algo que estou a fazer com liberdade extrema, sem ter de pensar em formatos ou condicionantes.

Este disco nasce de um projeto particular. Mas poderá ser primeiro episódio de uma nova área de exploração para a tua carreira?

Quando surgiu era isso, mais um projeto particular, uma ideia que pretendia tirar “retratos sonoros” de espaços públicos da cidade do Porto, como Serralves, o foyer da Casa da Música, Estação de Metro do Marquês e o rio de Vila, um rio subterrâneo por debaixo da Rua Mouzinho da Silveira. O que aconteceu é que percebi que estava a construir uma linguagem e que essa linguagem para além de um disco poderá trazer outros. É uma galáxia em expansão que terá certamente novos capítulos.

E como fica agora a tua relação com a canção? Adiada? Vais fazendo uns singles? A Mesa está arrumada por uns tempos? Como vai ser?…

Eu e a música temos uma relação aberta. Os Mesa estão em standby desde 2017, mas como sabes estou sempre envolvido em múltiplos projetos. Essa curiosidade pelo fenómeno musical leva-me sempre a lugares diferentes e essa é a única coisa que eu tenho como adquirida.

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