Memórias pioneiras da pop eletrónica, segundo Ryuichi Sakamoto

Editado originalmente em 1981 e depois com uma versão “internacional” (modificada) apresentada como “Left Handed Dream”, o álbum “Hidari Ude No Yume” é agora reeditado na sua forma original, juntando um disco instrumental extra. Texto: Nuno Galopim

Com formação em música feita na Universidade de Tóquio na segunda metade da década de 70, tendo procurado desde logo explorar tanto as novas possibilidades das eletrónicas como os espaços da etnomusicologia, Ryuichi Sakamoto conquistou atenções bem cedo, quer através do trabalho com a Yellow Magic Orchestra, como a solo, tendo editado em 1978 primeiros álbuns tanto com o grupo como em nome próprio. Os contactos internacionais, um deles na forma de uma colaboração com os Japan em 1980 na canção Taking Islands in Africa, encetando uma colaboração muito regular desde então com David Sylvian, e o saciar de visões mais exploratórias em B2-Unit, editado também em 1980, levou-o a procurar, para o seu terceiro disco, uma lógica de diálogo ainda maios evidentes com novas formas da música popular.

            Na base do terceiro álbum a solo de Ryuichi Sakamoto está, assim, uma curiosidade pela forma da canção pop ocidental (sem procurar mimetismos, mas antes uma assimilação de ideias com vista à expressão de um fruto da sua identidade). Adepto do diálogo e do trabalho em colaboração, chamou a bordo o produtor britânico Robin Scott, os companheiros da Yellow Magic Orchestra (ou seja, Haruomi Hosono, Yukihiro Takahashi e ainda, por aqueles dias, Hideki Matsutake) e também Kaoru Sato (violino), Satoshi Nakamura (saxofone) e o guitarrista norte-americano Adrian Belew.

            Se numa canção como Kachacucha Nee sentimos ecos de uma presença evidente da cultura japonesa, encarada sob o ponto de vista desafiante das novas eletrónicas, e se em temas como Boku no Kakera ou Saru To Yuki To Gomi no Kodomo ou até mesmo Living in the Dark se desenham passos primeiros num caminho pessoal que o levaria, igualmente sem perder o norte de uma identidade japonesa, à visão que fixou no clássico Beauty (1990), um dos seus álbuns de referência, já em temas como The Garden of Poppies ou Venezia, a demanda destaca-se para além dos ecos da cultura e da geografia para sugerir uma ideia plástica em sintonia com a linha da frente da invenção contemporânea de uma linguagem pop feita sobretudo com eletrónicas. Elementos funk, new wave, um sentido de cenografia elaborado e um gosto pela exploração, juntam-se num episódio desafiante que, com origem evidente no Japão, alcança de facto aqui (tal como era desejado) um patamar capaz de estabelecer uma comunicação com um público ocidental. Não por aculturação. Mas pela arte do diálogo e da natural assimilação que nasce sempre que aprendemos algo com a cultura dos outros.

            Originalmente editado no Japão em 1981 com o títiulo Hidari Ude No Yume, o álbum conheceu edição internacional no ano seguinte com o título em inglês Left Handed Dream. O alinhamento era, porém, modificado face ao original, sacrificando duas faixas e usando três outras numa versão cantada em inglês. A edição de Hidari Ude No Yume que agora é apresentada não só recupera o álbum na sua expressão original, como junta, num disco extra, uma versão instrumental do álbum, até aqui inédita. Quase 40 anos depois vale a pena (re)encontrar um disco que merece ser referido entre os melhores da primeira geração da pop eletrónica.

Hidari Ude No Yume”, de Ryuichi Sakamoto, está disponível numa reedição em 2LP e 2CD num lançamento da We Want Sounds

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