Em “American Rapstar”, que passa hoje no Porto Post Doc, o realizador Justin Staples dá-nos a conhecer uma cena musical que fez nascer jovens estrelas milionárias na era do ‘streaming’ mas não aproveita para fazer o retrato social e político que a gerou. Texto: Nuno Galopim

Um dia depois do tão esteticamente maravilhoso quanto esclarecedor Dark City: Beneath The Beat, a secção Transmission do Porto Post Doc apresenta um olhar sobre outra realidade atual nascida da cultura hip hop nos Estados Unidos. E tanto o modo de fazer os retratos como a realidade apresentada não podiam ser mais diferentes. Em Dark City: Beneath The Beat, focado em cenas que emergem da street culture de Baltimore (no Maryland) a realizadora TT The Artist cativa-nos pela música e pelas imagens para nos revelar uma cena musical que nasce num espaço socialmente desvalorizado (quase ignorado) e que, através da música, procura formas de inclusão e de relacionamento entre a(s) comunidade(s). O sucesso mede-se aqui pela concretização das ideias, pela arte de fazer e de apresentar. E não damos por ninguém a celebrar feitos milionários ou celebrar a cultura da fama e do dinheiro. A música que vem das ruas de Baltimore nasce de uma luta pela integração, por um sentido de vida, pela conquista de um lugar. E o filme presta-lhe terna, bela e séria homenagem. American Rapstar, de Justin Staple, é algo completamente diferente. A atenção aqui está focada para um universo que emergiu na era do streaming, mostrando casos de sucesso fulminante (e milionário) de jovens rappers – como Lil Pump, que tão débil figura fez recentemente num comício de Trump e, ao que parece, nem sequer estava recenciado para votar…
A contextualização é jornalisticamente bem defendida, contando sobretudo com a ajuda das palavras de um jornalista do New York Times que explica como surgiu este fenómeno e nota que a plataforma Soundcloud teve aqui uma relevância maior, já que foi a eleita destes músicos e dos que os escutam. Há até quem chame ‘soudcloud rap’ a este som porque, mais do que ter um berço com uma geografia física, ele emerge virtualmente nessa plataforma. Além do streaming (em detrimento da clássica “edição”), e de um alheamento face à história do próprio hip hop, a opção pela comunicação através das redes sociais ao invés dos media tradicionais é uma das características deste universo, notando o documentário mais algumas características comuns a muitos dos que ali emergiram: regimes de prescrições de medicações, tatuagens faciais e, como nota uma muito jovem rapper (que tem a voz mais autocrítica entre os muitos entrevistados), muitos tentam apresentar a coisa “mais estúpida” para se fazer notar. O documentário nota o fascínio com que todos estes jovens músicos falam de um sucesso que se manifesta em dólares. E ao mesmo tempo observa a tragédia anunciada que pairava sobre alguns deles, nomeadamente casos como Lil Peep ou XXXTentacion, vítimas de mortes precoces respetivamente em 2017 e 2018.
O realizador deixa-se fascinar por estas histórias de sucesso e de tragédia. Mas peca depois ao não perseguir algumas pontas que acabam soltas… Como quando se nota que mais do que o que se diz a forma como se apresentam aqui é mais notada… E só aí estava um belo ponto para aprofundar um olhar (mais crítico) sobre o sentido niilista que parece brotar desta cena. Uma cena de rebeldia partilhada, de fulgor comentado, se choque e sensações, vibrante nos dólares mas aparentemente vazia de futuro. Não se leia aqui um juízo de valor nestas palavras. Mas o realizador, perante uma realidade social com muito mais que se lhe diga, fica ofuscado pelas luzes e brilhos e American Rapstar acaba por não aprofundar o retrato, pouco mais fazendo que enumerar os casos e nomes, mal olhando para eles fora dos palcos onde encenam uma fama milionária com um tempo de vida incerto pela frente. E explorar esse vazio por detrás do ruído daria outra dimensão a um filme que é oportuno a apontar um caso, mas falha em olhar para ele com maior profundidade. Só de notar que esta é uma realidade da cultura juvenil que ganhou este fôlego na América de Trump era coisa que daria pano para mangas…