
Foi a 31 de Dezembro de 1981 e a festa de passagem de ano parecia não ter outra banda sonora senão a do álbum de estreia dos Duran Duran, lançado alguns meses antes. A música chegava de muito perto pelo que a festa dos vizinhos era quase como se estivesse a acontecer em casa.
Recorde-se que Portugal foi, em 1981, um dos primeiros países a fazer dos Duran Duran um fenómeno de popularidade. De resto, Planet Earth, o seu primeiro single, atingira o número um entre nós (o que aconteceu apenas em mais dois outros países: a Suécia e a Austrália). Tinham por cá passado para uma atuação televisiva no “Passeio dos Alegres” e os outros três singles lançados nesse ano – Careless Memories, Girls on Film e, sobretudo My Own Way – eram presença regular nos espaços para telediscos na continuidade da emissão da RTP e em vários programas de rádio, independentemente das porradas que levavam da crítica local (mal imaginava ainda por esses tempos que um dia teria uma voz para ajudar a, pelo menos, desafinar esse coro).
Essas quatro eram as canções dos Duran Duran que conhecia, sendo My Own Way já um primeiro aperitivo para um segundo álbum que chegaria apenas na primavera de 1982. E na verdade, de todas as quatro canções, esse single era o único dos discos dos Duran Duran que tinha, na edição que surgiu apenas em Portugal, com uma foto da banda e não o desenho do toureiro na capa. Mas naquela noite a música que chegava da casa dos vizinhos, bem perto de Sesimbra, mostrava outras mais canções que nunca escutara até então. Não lhes conhecia os nomes mas, tantas vezes que foram repetidas, acabaram por soar quase como se fossem da família. Três delas cativaram particularmente a minha atenção (mais tarde saberia que tinham por título Anyone Out There, Sound of Thunder e Friends of Mine e, hoje, são ainda os temas do álbum de estreia do grupo aos quais que mais vezes regresso).
Estávamos em 1981 e a economia portuguesa não era coisa que brilhasse por aí além… Ainda a fazer o liceu, vivia da semanada (não muito folgada) e tratava de poupar o mais possível no dinheiro para o almoço e lanche na escola. Feitas as contas, sobravam por semana perto de 120 escudos (aproximadamente uns 60 cêntimos atuais), precisamente o que era então o preço de um single. Durante a semana, faltasse um professor ou houvesse um “furo”, visitava as novidades na Compasso, em Campo de Ourique. E a cada manhã de sábado passava em revista os escaparates das novidades nas lojas do Chiado. Começava na discoteca dos armazéns Novo Figurino, subia ao último andar dos Armazéns Eduardo Martins, gastava a maior parte do tempo nas lojas Valentim de Carvalho e Discoteca Melodia, via as importações na Discoteca do Carmo, passava ainda pelos espaços dedicados aos discos nos Armazéns do Chiado e Grandella. E, depois de muitas pré-escutas (a Melodia tinha ainda cabinas individuais para ouvir discos antes de os comprarmos, na Valentim havia vários auscultadores num balcão junto à entrada), escolhia “o” single a levar para casa. Querendo um álbum fazia uma dieta sem singles durante três semanas e então tinha reunidos os 360 escudos que um LP custava. Mais perto do aniversário e no Natal, com os presentes na forma de envelopes com notas lá dentro, a coisa dava para luxos de comprar dois ou três álbuns de uma vez!
Ainda com o mealheiro natalício por gastar, aquela noite ajudou a decidir qual seria o primeiro álbum a levar para casa no ano que começava. Em 1981 tinha comprado discos dos Depeche Mode, Lene Lovich, Classix Nouveaux, Human League, Blondie, Soft Cell, Stranglers ou Madness e, apesar de muito ter escutado na rádio Girls On Film, Careless Memories ou Planet Earth, dos Duran Duran ainda tinha apenas o tal single de My Own Way. Os três restantes singles custariam 360 escudos. O mesmo do que o álbum. Este juntaria às três canções as “novas” que descobrira nessa noite. Gerindo o orçamento e as possibilidades de investimento, optei pelo álbum e, na verdade, logo nas semanas seguintes acabei por comprar os singles, descobrindo os lados B Late Bar, Khanada e Faster Than Light, com o tempo tendo depois juntado à coleção algumas edições internacionais tanto do LP como dos singles (ainda há poucas semanas encontrei o single espanhol de “Planeta Tierra” e um promo americano com a versão longa do single de estreia, com uma foto bem old school da banda na capa). Gastar os 360 escudos no álbum de estreia dos Duran Duran foi a minha primeira decisão musical tomada numa noite de passagem de ano. E desde então não passa nenhum 31 de dezembro em que não escute, de novo, esse álbum de 1981 (e na verdade a playlist passou depois a juntar Rio e aquele que fosse a cada ano o mais recente álbum de originais, neste caso ainda Paper Gods)… Esta é a minha banda sonora para hoje. E para todos um bom ano.