O concerto virtual que Jean Michel Jarre apresentou esta noite como proposta de reveillon em Paris está já disponível na forma de disco (por enquanto em versão digital), com o título “Welcome to the Other Side – Concert From Virtual Notre Dame”. Texto: Nuno Galopim

Juntos, mesmo que distantes. Foi sobre esta ideia que, uma vez mais, Jean Michel Jarre apresentou uma atuação “ao vivo”, desta vez tomando como cenário uma versão virtual da catedral parisiense de Notre Dame. Proposta de réveillon, a atuação (com perto de uma hora de duração), arrancou perto de meia hora antes da chegada – a Paris – do ano 2021 e, além de permitir o visionamento em direto através de algumas plataformas, convidou quem quisesse a experimentar tecnologia de realidade virtual (VR), o que deu a muitos a possibilidade de, assim, partilhar aquele “espaço” com o músico e os demais espectadores. Tanto para quem experimentou os dispositivos de VR como para quem assistiu à transmissão do concerto através de um ecrã, a experiência reafirmou o aprofundar do trabalho de criação de imagens com que o músico tem vindo a trabalhar recentemente e que, ainda em junho de 2020, permitira já a criação de uma atuação em moldes semelhantes. A Notre Dame virtual, porém, dotou as imagens de um corpo pleno de memórias, permitindo explorar não apenas as formas das naves mas também os vitrais que, em conjunto com as formas geométricas “contemporâneas”, estabeleceram assim um diálogo entre tempos. A música do presente acolhia a chegada do ano novo num espaço cheio de ecos de memórias (o que junta ainda mais sentidos dada a história recente não apenas da catedral mas também da cidade de Paris como um destino turístico de primeiro plano).
Musicalmente o concerto não se afastou muito do que tem sido a linha mais “dura” (claramente marcada pelas assimilações do tecno) que Jean Michel Jarre desenvolveu ao vivo depois da edição do díptico Electronica. O alinhamento destacou precisamente elementos desses dois álbuns feitos de colaborações com músicos de várias gerações, escolhendo faixas criadas em parceria com nomes como os Boyz Noise, Jeff Mills ou Armin Van Buuren. A parceria com Edgar Froese em Zero Gravity ou uma versão de Exit, mas sem as palavras de Snowden, surgiram num alinhamento que depois cedeu algumas janelas a memórias. Mesmo assim, algumas dessas incursões pelo passado fizeram-se através de abordagens desenhadas segundo reconstruções sugeridas por remisturas recentes, como a Kosinki remix de Oxigene 2 ou a Astral Projection remix de Oxygene 4. As partes 8 e 19 do tríptico Oxygene sublinharam uma presença igualmente marcante desse corpo de trabalho, cabendo depois a Exquinoxe 4 e The Opening (de Equinoxe Infinity). Herbalizer, criado para a Electronica Tour, e discograficamente estreado na antologia Planet Jarre, completa o alinhamento.
Se a ideia de uma experiência VR é uma das apostas desta proposta, a mais surpreendente de todas acaba, contudo, por ser a disponibilização, imediata, do “live album” que surgiu nas plataformas digitais depois da atuação. Welcome to the Other Side, com o subtítulo “Concert From Virtual Notre Dame” é, assim sendo, a primeira grande edição discográfica de 2021. Resta saber ser terá depois versões “físicas” à moda antiga. Ou se permanecerá, assim, uma experiência em tudo virtual.
“Welcome to the Other Side – Concert From Virtual Notre Dame”, de Jean Michel Jarre, está disponível nas plataformas digitais numa edição de autor, com distribuição da Sony