A despedida de Hal Wilner ficou registada num belo tributo às canções de Marc Bolan

Criado por Hal Wilner, naquela que terá sido o seu derradeiro projeto a ganhar forma, um disco de tributo às canções de Marc Bolan junta, entre outros, nomes como os de Nick Cave, Peaches, Gavin Friday, Marc Almond, os U2 e Elton John. E é magnífico! Texto: Nuno Galopim

Depois de primeiras experiências, espaçadas entre si, ao longo da década de 80, o impacte mediático global de Red Hot + Blue (1990) e I’m You Fan (1991) abriram os portões a uma maré de tributos (uns melhores, outros nem por isso). O primeiro destes discos, tendo por base as canções de Cole Porter, era na verdade um disco-campanha, propondo-se a recolher fundos para esforços de combate ao VIH, representando a primeira operação do género da (ainda ativa) Red + Hot Organization. O segundo, produzido pela revista francesa Les Inrockuptibles, propunha uma coleção de versões de canções de Leonard Cohen. Juntos reuniam nos respetivos alinhamentos nomes como os de David Byrne, Neneh Cherry, U2, Debbie Harry, Iggy Pop, Pixies, R.E.M., John Cale, Ian McCulloch ou Nick Cave & The Bad Seeds, expressando através de uma seleção gourmet dos nomes de então as respetivas homenagens… Na verdade a coisa não era de todo uma novidade. E já em 1981 o produtor norte-americano Hal Wilner tinha reunido músicos de jazz para celebrar a música de Nino Rota em Armacord: Nino Rota. Nos anos seguintes, procurando sempre juntar novas famílias de músicos (de vários géneros), criou tributos a Kurt Weil ou às canções dos filmes clássicos da Disney… Mais adiante desviaria o conceito dos discos para os palcos, entre os vários projetos tendo então emergido “Came So far For Beauty”, um espetáculo de homenagem ao autor de Suzanne que gerou depois o documentário Leonard Cohen: I’m Your Man. Das canções de Tim Buckley às de Randy Newman, das palavras de Edgar Allan Poe às do Marquês de Sade, num percurso que envolveu em 2016 um dia inteiro de celebrações em memória de Lou Reed. O trajeto artístico de Hal Wilner, que envolveu ainda a produção de álbuns de Gavin Friday, Marianne Faithfull, Laurie Anderson ou o próprio Lou Reed, foi interrompido em 2020. Uma das muitas vidas ceifadas pela pandemia que assola o mundo, Hal Wilner não chegou já a ver editado em disco um projeto que o fez regressar ao conceito do disco de tributo. Pensado para assinalar o facto de, em 2020, Marc Bolan ter sido um dos nomes acrescentados ao Rock’N’Roll Hall of Fame, começou a ganhar forma um tributo ao músico, juntando não apenas canções dos T-Rex mas também da etapa (folk) que viveu nos Tyrannosaurus Rex… Editado na reta final do ano Angelheaded Hispster: The Songs of Marc Bolan & T-Rex já não chegou a tempo de Hal Wilner poder ter o disco nas mãos. Mas agora, na hora em que o escutamos, podemos encará-lo não apenas como uma homenagem a Bolan, mas um próprio tributo à visão e ao labor do produtor… E vale a pena sublinhar que a despedida de Wilner se faz com um dos melhores discos-tributo de sempre.

            Angelheaded Hispster: The Songs of Marc Bolan & T-Rex não é apenas uma coleção de versões soltas que vários artistas e bandas foram criando e enviando para alguém que depois as pudesse ordenar num alinhamento. Pelo contrário, o modus operandi é o que Hal Wuilner aplicava aos seus projetos, entendendo-os não como uma soma de parcelas, mas antes como uma reunião de um elenco sob uma matriz comum. Sem que tal implique um atenuar das assinaturas de identidade e as naturais marcas autorais dos nomes reunidos, o tributo nasceu de sessões que contaram com um leque controlado de músicos e colaboradores, às vezes convocando mesmo uma orquestra de câmara. Apesa r de não assinarem as versões, nomes como os de Bill Frisell, Donald Fagen, Budgie, Kevin Shields, Van Dyke Parks ou Marc Ribot são, assim, figuras a acrescentar a um elenco de notáveis que cruza géneros e gerações e aqui reúne Nick Cave, Devendra Banhard (naturalmente vincando heranças naturais do Bolan de finais dos sessentas), Peaches, Gavin Friday, Father John Misty, Perry Farell, Marc Almond, Todd Rundgren, Joan Jett, Lucinda Williams, Sean Lennon, Nena ou Kesha, entre outros mais… As abordagens são telas de horizontes abertos às possibilidades que nascem dos encontros dos intérpretes com a banda de estúdio e a matéria prima de Bolan. E com espaço para cruzar até referências como, ao som de Ballrooms of Mars, numa versão cantada por Emily Haines (a voz dos Metric), a dada altura entram em cena citações do segmento marciano da suite Os Planetas, de Gustav Holst. No campeonato dos pesos-pesados de gente “famosa” o tributo apostou num encontro entre os U2 e Elton John, ao som do clássico Bang a Gong (Get it On)… Agora é mergulhar nas 26 canções, saborear as versões… e muito provavelmente acabar a reencontrar as memórias dos próprios originais logo a seguir… Belo tributo!

“Angelheaded Hispster: The Songs of Marc Bolan & T-Rex”, que junta vários artistas, está disponível em 2LP e 2CD numa edição da BMG.

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