O primeiro grande disco pop de 2021

O sexto álbum editado em nome próprio por Steven Wilson (Porcupine Tree, No-Man) propõe uma reflexão sobre identidade e a sociedade atual através de uma coleção de canções pop para gente crescida, apresentadas com um trabalho visual de exceção. Texto: Nuno Galopim

Com um percurso que passou por bandas como os Porcupine Tree e No-Man, com um trabalho em paralelo na produção e algum reconhecimento mais conquistado recentemente em trabalhos de remistura de álbuns pop clássicos, como Vienna dos Ultravox ou Sowing The Seeds of Love dos Tears for Fears, Steven Wilson é ainda autor de uma discografia a solo que, mesmo espelhando evidente competência na escrita e na moldagem das canções, na verdade nunca gerara um álbum capaz de arrebatar atenções. Com uma génese longa e complexa, e marcado por mudanças de calendário levantadas pelo estado das coisas de um mundo a enfrentar uma pandemia, eis que poderá caber finalmente a The Future Bites o papel de mudar o seu perfil e reconhecimento.

Com um primeiro momento de comunicação lançado em março de 2020, apostando numa canção de nove minutos como cartão de apresentação, The Future Bites começou então a trilhar um caminho de relacionamento com vários públicos, desde os que conheciam antigas aventuras prog e bandas de outros tempos nas quais o músico militara aos admiradores do seu trabalho junto de clássicos da pop, juntando ainda os que entretanto iam sendo surpreendidos pelas novas canções ou pelas linguagens Steven Wilson que usou para as ir apresentando. Uma das maiores (e boas) surpresas nesse single de avanço, Personal Shopper, uma reflexão sobre o consumismo na qual Elton John surge como voz convidada, era uma clara imersão por possibilidades levantadas pela assimilação de sons e formas da pop eletrónica.

A descoberta dos demais temas do álbum, se por um lado aprofunda a exploração temática de questões de identidade e de relação com a sociedade do presente, por outro a paleta de referências e caminhos seguidos revela-se bem mais alargada do que um caminho na linha definida por Personal Shopper poderia sugerir. A procura de uma unidade na diversidade é o desafio que aqui se coloca e que o perfil do produtor (que habita o músico) ajuda a garantir ao álbum. E dos ecos de um funk feito pop em Self ou do minimalismo de King Ghost ao classicismo de 12 Things I Forgot à eloquência sinfonista de Follower (que lembra a grandiosidade dos E.L.O. de inícios dos anos 80 e, a dada altura, até pisca o olho aos Buggles), The Future Bites apresenta uma bela visão pop marcada pela personalidade do autor, a sua história pessoal (a tal identidade) e o mundo ao seu redor. Juntemos à música o trabalho de design que acompanha os discos, o cuidado pensamento que tem desenhado os vídeos criados para cada canção e o modo como uma edição antecipada de apenas um exemplar ultra-especial do disco, vendida em leilão em dezembro (recolhendo fundos para o Music Venue Trust, auxiliando salas de espetáculos afetadas pela pandemia), e assim se vinca a identidade de um disco. É tudo isto o que faz um disco pop ser uma voz capaz de ser reflexo do seu tempo. Mesmo quando formalmente evoca heranças de outros dias.

“The Future Bites”, de Steven Wilson, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição da SW Records.

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