
O primeiro leitor e gravador de cassetes chegou a minha casa nos primeiros meses de 1973. E a primeira cassete que tive como minha foi a gravação, feita a partir da transmissão via rádio, da edição desse ano do Festival da Eurovisão. E das tantas vezes que a escutei ainda hoje conheço as canções desse ano, letra inclusive, nas mais variadas línguas, naturalmente ao jeito de quem entoa “estangersenderaaaaid” para um Strangers In The Night… Era uma cassete BASF de 90 minutos com etiqueta cinzenta e riscas horizontais em cinzento claro, verde e vermelho (ou seja aquela geração que precedeu as cassetes cor de laranja C60, as verdes C90 e as azuis C120). Uma outra cassete surgida pela mesma altura, creio que gravada por um colega do meu pai (que depois foi meu professor) deixou-me descobrir a banda sonora de A Laranja Mecânica e, na outra face, o álbum An Electrical Storm dos White Noise). E entre a mais vasta coleção de gravações de música clássica que tínhamos em casa lembro-me de descobrir A História do Soldado e a Sagração da Primavera de Stravinsky… Eurovisão, Wendy Carlos, White Noise, Stravinsky… Pois é, o caldo ficou logo entornado!
Nos anos seguintes a tradição de gravar os desfiles das canções da Eurovisão manteve-se ritual com o dedo pronto a carregar no “REC” no momento do início e do fim de cada canção (tirava a contribuição do comentador, sem imaginar que um dia a minha voz faria esse papel). E pelas mesmas razões sei igualmente de cor as canções de 1974, 75 e 76… Assim como o nome do maestro finalndês… Ossi Runne.
Em 1974, na convalescença da operação aos olhos, além de um primeiro gira-discos, o outro presente que recebi foi uma coleção de cassetes gravadas pelo meu padrinho, juntando leituras (feitas por ele mesmo) de contos tradicionais de vários pontos do globo, a cada história juntando depois um exemplo de música dessa região. E assim se davam os primeiros passos numa visão de horizontes abertos que me ajudou a nunca fechar no espaço pop/rock os únicos destinos das atenções na hora de ouvir música e comprar discos. De resto, tinha já muitos discos e cassetes com músicas diferentes quando, em 1979, comecei a ouvir rádio com frequência e, aí, a fazer a descoberta desse mundo pop/rock que até aí me tinha passado relativamente ao lado… Primeiro com os programas do Luís Filipe Barros e do António Sérgio, juntando depois os de Jorge Pêgo (que anos mais tarde seria o diretor que me daria carta branca para criar um primeiro programa de autor na Antena 1) e de Adelino Gonçalves, a rádio revelava novas músicas que, com o mesmo método do dedo sempre pronto a premir o “REC”, fez com que as cassetes fossem então o veículo para guardar e escutar das canções, antes de depois escolher quais compraria em disco (à medida do que a semanada ia permitindo).
Antes da rádio dos outros, as minhas primeiras aventuras a “fazer” programas nasciam em cassetes. Liam-se textos dos livros que tinha no quarto, inventavam-se entrevistas, gravava-se música. E como só havia um microfone, eu fazia a voz, realizava o “programa” e ficava junto ao aparelho e o meu irmão Rui captava o som. E muitas vezes, apanhando-me desprevenido, acrescentava “contribuições” sussurradas que não estavam no guião quando, junto a uma das colunas, deveria estar apenas a “captar” a música que delas saía. Atitudes criativas… O mini-perfeccionista que eu já era “passava-se”… E o Rui ainda hoje se ri desses momentos.

Entre as mais antigas memórias que tenho da presença de cassetes em casa estão ainda episódios que fazem parte da nossa história. Aa 25 de abril de 74, 28 de setembro do mesmo ano e 11 de março de 1975 as emissões de rádio que davam conta do que se estava a passar foram em parte gravadas em cassete. E a mim coube-me, entre os seis e os sete anos, o papel de estar atento ao fim de cada lado, para tirar a cassete, mudá-la e voltar a carregar o “REC”… Essas cassetes (de 60, 90 e 120 minutos) ainda hoje estão comigo. São memórias de ouvir nas quais uma história pessoal se cruza com a de todos nós.
A chegada do Walkman, na aurora dos anos 80, fez com que as cassetes passassem a ser uma maneira de levar a música para lá da casa e do carro. As primeiras playlists nasceram assim em fita. Aqui optava pelas cassetes de 60. Já as de 90 serviam para gravar os álbuns que os amigos (sobretudo o Paulo Oom) já tinham e eu ainda não.
Curiosamente foram poucas as cassetes pré-gravadas que comprei nesses tempos. E o motivo para o fazer decorria apenas do facto de serem edições exclusivas nesse formato como o foi Alchemy: An Index of Possibilities, álbum instrumental de David Sylvian originalmente editado apenas em cassete e que só mais tarde teve edição em CD e, há bem pouco tempo, vinil. Habituei-me a comprar cassetes pré-gravadas nos anos mais recentes, ora novas (Mint) ora em segunda mão. E a coleção tem crescido bem, de facto…

Um pensamento