Este é o número 41da lista “100 Discos Daqueles que Raramente Aparecem nas Listas”… Foi editado em 1972 e inclui duas das mais célebres canções de Aznavour, pelas quais mostrou saber estar na linha de evolução do pensamento do seu tempo. Texto: Nuno Galopim

A relação de Charles Aznavour com a música começou bem cedo quando, ainda bem pequeno, ainda sob o seu nome real Shahnourh Varinag Aznavourian, começou a cantar em pequenos espetáculos locais. Filho de emigrantes arménios, nasceu no bairro parisiense de Saint Germain des Près em 1924 e, durante a ocupação nazi, ele e a família ajudaram a esconder judeus no seu apartamento. Por essa altura tinha já desenvolvido uma admiração particular por nomes da canção francesa como Maurice Chevalier ou Charles Trenet. Tinha já um trabalho regular de escrita de canções (inicialmente em parceria com Pierre Roche) quando, depois da guerra, foi notado por Edith Piaf que o chamou para trabalhar a seu lado. Durante algum tempo Aznavour esteve sob a sua sombra, mas na década de 50 as canções que escreve para Gilbert Bécaud e as que ele mesmo começa a gravar nos seus discos dão-lhe visibilidade que o liberta e transporta para um espaço de protagonismo na música francesa que o acolheu como um dos grandes da segunda metade do século XX.
A sua discografia recua aos tempos dos discos de 78 rotações e acompanhou o LP quase desde os primeiros passos deste formato. Editou mais de cem álbuns e mais de 400 singles e EPs, construindo uma obra com dimensão internacional que, no plano das vendas, terá alcançado números na ordem dos 180 milhões de exemplares. Mas mais do que os números e a soma dos êxitos, a obra de Aznavour abriu caminhos importantes no plano das ideias. Foi dos primeiros a cantar questões de identidade queer num plano mainstream, colocando na sua voz as experiências que até ali não tinham sido levadas a este patamar de visibilidade com esta seriedade. Aznavour quis, como ele mesmo chegou a explicar, “quebrar tabus” em Comme Iles Disent, canção que cedo se revelou como um dos maiores focos de atenção do alinhamento do disco de 1972 Idiote Je T’Aime, que correspondia ao 23º álbum de estúdio da sua discografia. Inspirado por algumas figuras que lhe eram próximas canta sobre um homem gay que vive com a mãe, fala do seu dia a dia, e do trabalho à noite, como travesti. A canção teria, nos anos 90, uma versão brilhante por Marc Almond, que a cantou em inglês (com o título What Makes a Man a Man) no concerto 12 Years Of Tears no Royal Albert Hall.
A força das palavras, o fulgor do intérprete, foram sempre elementos na obra em disco e em palco de Charles Aznavour. Mas convém não secundarizar os valores da própria música quando encaramos os seus discos. E entre o alinhamento de Idiote Je T’Aime encontramos um episódio de evidente arrojo no modo como cruza linguagens (incluindo assimilações recentes de linguagens pop/rock e funk) para moldar a visão desafiante que nos apresenta em Les Plaisirs Demodés, canção que representa, juntamente com Comme Iles Disent, um dos momentos do alinhamento deste disco de 1972 que lhe deram consideráveis êxitos no formato de single.