Tudella “Canta Música de Pedro Jordão” (1969)

Nascido em Maputo em 1929, com formação académica feita em Coimbra na década de 40, João Maria Tudella começou cedo a encarar a música como um hobbie. Começou por cantar fado de Coimbra no regresso a Moçambique, alargando depois o universo de referências quando começa a fazer digressões que o levaram a países vizinhos e, ainda nos anos 50, a editar primeiros discos. Em 1959 lança Kanimambo que se torna um êxito tremendo, numa altura em que mantinha um trabalho numa petrolífera e conquistava ainda atenções como jogador de ténis. O impacto de Kanimambo abre a porta a outros discos e a novas digressões. E durante alguns anos, praticamente ao longo de toda a década de 60, vive intensamente a atividade como músico, inscrevendo um espaço na canção ligeira, embora com características (vocais e musicais) distintas dos cantores românticos então em voga.

            O rumo da música de João Maria Tudella começa a mudar em 1968. Concorre ao Festival da Canção com Ao Vento e às Andorinhas, com música de Pedro Jordão, onde se mostra já num plano de sons e ideias diferente. A mudança é acentuada depois de um “caso” no Natal dos Hospitais por cantar Cama 4, Sala 5, com letra de Ary dos Santos e música de Nuno Nazareth Fernandes, canção que lançava sinais de uma postura com leituras políticas mais evidentes e que ele mesmo continuaria a explorar, pouco depois, num concerto ao lado do pianista e compositor Pedro Jordão no qual apresenta canções como Liberdade ou Fuzilaram um Homem num País Distante, a primeira criada sobre um poema de Manuel Alegre, a segunda nascida de palavras de José Gomes Ferreira.

            Estas canções surgiriam pouco depois num álbum todo ele feito a partir de música de Pedro Jordão e que a Manuel Alegre e José Gomes Ferreira junta ainda nomes como os de Joaquim Pedro Gonçalves, Reinaldo Ferreira ou Fernando Pessoa, entre outros). A poesia aqui é um dos alicerces de um disco que é musicalmente desafiante, explorando caminhos distintos dos que então eram definidos pelas principais “famílias” da música popular portuguesa. Estava claramente longe das formas da canção ligeira mais popular, assim como não parecia caminhar pelo (então emergente) trilho dos baladeiros. Pelas canções de Tudella Canta Música de Pedro Jordão correm fluxos de ecos do tempo (inclusivamente alguns ventos de modernidade com afinidades com o psicadelismo) e uma certa herança da canção de bar ou de teatro, que procura uma cenografia e um espaço para a voz que comunica.

            Relativamente “apagado” da memória coletiva face ao que foi o sucesso de Kanimambo ou até de êxitos populares como O Meu Chapéu, de Tudella Canta Música de Pedro Jordão representa na verdade a mais estimulante das contribuições de João Maria Tudella para a história da canção popular em Portugal. As palavras e as ideias justificam que o encaremos como uma peça na construção de uma voz mais política na canção portuguesa pré-74. A própria capa a negro (salvo as letras a frisar o nome do cantor) pode ser entendida como um statement. E a música revela um sentido de ousadia formal e arrojo que muitos possivelmente não imaginariam a marcar presença, desta maneira, no Portugal de 1969. O disco nunca conheceu qualquer reedição desde a sua prensagem original.

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