O segundo nascimento dos Japan

Editado em finais de 1979 (ou já em 1980 em alguns territórios) “Quiet Life”, o terceiro dos Japan, rompeu definitivamente com toda uma série de experiências dominadas pelas guitarras e abriu caminho à descoberta da sua identidade. Texto: Nuno Galopim

Depois de dois álbuns de demanda frustrada num terreno dominado pelas guitarras nas quais nem a voz de David Sylvian nem o trabalho para teclados de Richard Barbieri tinham o merecido espaço para respirar, o vocalista dos Japan rumou a Los Angeles para tentar, com um novo produtor, algo completamente diferente. O produtor com quem ia propor uma colaboração era nada mais nada menos que Giorgio Moroder, figura que ganhara o seu espaço na história da música sobretudo através do disco sound, com momentos mais relevantes criados até aí em discos de Donna Summer. Sylvian levava na bagagem maquetes de algumas novas canções nas quais os teclados ganhavam novo protagonismo. Escolheram Life in Tokyo que, editado no formato de single em 1979, revelava a partida dos Japan para outros territórios. Mas, tal como acontecera com os primeiros dois álbuns e respetivos singles, poucos foram os que, na altura, deram por esta aventura. Mas mesmo tendo passado a leste da atenção das rádios e das canções, a canção acabaria por lançar os Japan rumo a novos desafios.

Com a Hansa Records a pedir desesperadamente ao management que o grupo lhes desse um hit, os Japan saíram de Londres para Nova Iorque em busca de novos estímulos e com um desejo na bagagem: o de trabalhar com John Punter, que havia produzido tanto os Roxy Music como discos a solo de Bryan Ferry.

Frustrada a hipótese de voltar a trabalhar com Giorgio Moroder dado o insucesso de Life in Tokyo, é num espaço que tanto herda os ensinamentos de discos recentes de David Bowie (nomeadamente Low) como o sentido de elegância de Ferry e dos Roxy Music que emerge o corpo de canções do qual nasce o terceiro álbum de originais dos Japan. Os sintetizadores estão agora num plano de protagonismo. E, pela primeira (e única) vez os Japan levam arranjos de cordas a algumas das canções.

Quiet Life, a canção que dá título ao álbum, foi escolhida como tema de abertura do lado A. A presença mais visível dos sequenciadores, apoiadas por um novo tipo de entendimento entre o baixo de Mick Karn e a bateria de Steve Jansen, lançavam os evidentes sinais de mudança que a voz de David Sylvian (que aqui descobre o seu tom barítono do qual desde então não mais de afastou) ajuda a sublinhar.

No departamento da imagem um novo look mais em sintonia com os sinais dos tempos, fez com que fossem tomados como figuras de primeira linha do movimento new romantic que então emergia à volta de Londres com nomes como os Visage e Spandau Ballet na proa das atenções. Cedo deixaram saber que essa filiação não se lhes ajustava. E apesar de algumas afinidades nas referencias e nas sonoridades, a verdade é que bastava ouvir as canções para entender que esse não era o seu destino. A coisa era mais… art pop.

Além de Quiet Life canções como Halloween ou In Vogue construíam uma música que evidenciava sinais de mudança, a primeira em claro terreno Roxy Music pós-Manifesto, a segunda ensaiando um trabalho cénico para teclas mais detalhado e sofisticado. Alien levava vivências de angulosidade funk a outros destinos, abrindo rotas que não fechavam, contuduo, as portas às recentes experiências disco (como se escuta no refrão de Fall in Love With Me). Despair, com parte da letra cantada em francês, e o épico The Other Side of Life, com sumptuosos arranjos de cordas, que fecha o alinhamento do álbum, representam primeiros sinais de busca de ideias que teriam continuidade mais adiante e que têm como ponto de partida o instrumental que fechava o anterior Obscure Alternatives.

Além de sete composições de David Sylvian, o alinhamento de Quiet Life inclui uma versão de All Tomorrow’s Parties dos Velvet Underground, que foi editado como single em 1983, já depois de anunciada a separação dos Japan.

Lançado no Japão, Alemanha e Canadá em finais de 1979 e noutros mercados (entre eles o britânico) já em inícios de 1980, Quiet Life deu aos Japan a sua primeira incursão nas tabelas de vendas, alcançando um discreto número 72. A reedição, em 1981, depois do impacte de Tin Drum, levá-lo-ia mais acima, até ao número 53. Dois singles foram extraídos do álbum e ambos apenas após o sucesso que só em 1981 sorriu aos Japan. Surgiram assim em formato a 45 rotações o tema título (que alcançaria o nº 19) e o já referido original de Lou Reed para os Velvet Underground (que chegou ao nº 38).

A nova edição agora disponível conta ao detalhe a história dos tempos de Quiet Life. Por um lado uma remasterização “half speed” dá origem a uma nova prensagem em vinil, surgindo ainda no primeiro dos três CD que encontramos na caixa que corresponde à versão DeLuxe desta reedição. O CD2 junta os singles e máxis associados a este álbum, recuando ao episódio de transição que foi Life In Tokyo, e envolvendo os lados A e B dos lançamentos a 45 rotações que ocorreram não apenas por alturas do lançamento do álbum, mas envolvendo ainda a chuvada de singles que, depois do sucesso conquistado pelos Japan em 1981, levou a Hansa Records a criar, até 1983, novos discos a 45 rotações com o material da etapa em que o grupo gravara para si. Estão por isso aqui também singles como European Son ou I Second That Emotion, assim como o instrumental A Foreign Place, no qual se notam evidências de uma admiração pela cultura asiática que emerge mais claramente na reta final das gravações dos Japan. O CD inclui ainda as quatro faixas do EP Live In Japan que o grupo edita por esta altura, abrindo aí uma janela para canções da etapa anterior da sua discografia.

A maior surpresa desta reedição surge no CD 3. Com as devidas notas que explicam não se tratar de uma gravação profissional, justificando-se assim a qualidade menor do áudio, o registo de uma atuação no Budokan, em Tóquio, a 27 de março de 1980, ou seja, durante a digressão que apresentou este álbum, é um pequeno tesouro que documenta como, também em palco, os Japan viviam tempos de mudança (e davam claramente conta do recado). Como complemento esta caixa inclui ainda um booklet com liner notes e fotos da época que contam a história da criação do álbum e dos sinais de mudança que a mudança no som e na imagem levaram aos Japan que, aqui, conheciam um segundo nascimento. Na verdade, é com Quiet Life que nascem os Japan “canónicos”, embaixadores maiores da art pop da alvorada dos oitentas… O passado naturalmente não é presença a omitir. Mas é neste renascimento que os dados ficam definitivamente lançados. Para os Japan. E para o que os músicos do grupo fariam depois.

“Quiet Life – DeLuxe Edition”, dos Japan, é uma caixa com um LP, 3 CD e um booklet, editada pela BMG.

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