
As compilações de êxitos atravessam a história do disco desde a entrada em cena do LP (formato lançado em 1948 mas que só adquiriu um peso maior de mercado com o avançar da década de 50). Há edições para todos os gostos em todas as épocas. Mas curiosamente entre os finais dos anos 70 e a alvorada dos 80 emergiram várias séries que, ora lá fora ora cá dentro, fixaram em formato de LP (por vezes duplo LP) as canções de sucesso dos últimos meses. Se no Reino Unido a série Now That’s What I Called Music tinha por base uma representação de canções pop/rock e de alguns outros espaços não muito distantes que tinham marcado presença no top de singles britânico (e essa série acaba assim por contar a história dos êxitos desde então, sabendo-se que o fazia com canções das editoras que aderiram à série) entre nós as primeiras manifestações do género alargaram um pouco mais (além da pop e cercanias) o espectro da representação do que era “sucesso” e, portanto, ficava ali fixado. E vale por isso olhar o alinhamento do primeiro volume da série Jackpot como expressão do que era “êxito” no Portugal de 1979. Ou seja, antes do “boom” de uma nova cultura juvenil que emergiu pouco depois, entre 1980 e 1981.
O disco é um álbum duplo prensado em vinil transparente e colorido. O disco 1, em azul, junta 17 canções que então marcavam presença na rádio e televisão. E aqui sublinhe-se a diversidade da representação, mais alargada do que os caminhos mais “fechados” no formato Top 40 que depois caracterizariam a própria evolução desta série nos anos 80. Havia aqui êxitos de vozes nacionais, como Mulher Sentimental de Marco Paulo, já um cantor popular, mas ainda sem a dimensão maior que obteria brevemente com Eu Tenho Dois Amores, Adeus à Vida de Fátima Caldeira, Chula da Livração de Paco Bandeira, Cara de Gitana de António Mourão ou Fandango da Moda, de Lara Li, esta última com saboroso tempero de travo disco (de facto, na “moda”). A representação nacional incluía ainda as duas primeiras classificadas da edição desse ano do Festival da Canção: Sobe Sobe Balão Sobe, de Manuela Bravo, e Eu Só Quero, de Gabriela Schaaf, para muitos a grande revelação do programa, em 1979 (apesar de ter discos editados antes de ter passado pelo festival).
Tal como o Festival da Canção não falha na representação nacional, também a Eurovisão de 1979 está aqui presente através de Su Canción de Betty Missiego (Espanha) e de uma versão em inglês de Disco Tango de Tommy Seebach (Dinamarca). Mais do que espelho de uma popularidade pop/rock juvenil (na verdade apenas traduzida por Cool For Cats dos Squeeze), a restante seleção de “êxitos” internacionais escuta mais a Onda Média da rádio e até mesmo a televisão. We’re All Alone, de Rita Coolidge, por exemplo, ouvia-se na banda sonora da telenovela O Astro. This is My Life, de Shirley Bassey, assegurava mais um piscar de olho ao disco sound, surgindo a canção na ‘disco mix’ de Meco Monardo… Mas depois a colheita seleciona memórias bem ligeiras como Boa Sorte e Onde Estão os Teus Olhos Negros dos The Fevers (banda brasileira com duas entradas no alinhamento), A Little More Love de Olivia Newton John ou Some Girls dos Racey (uma “novelty song”, ensopada em azeite, na linha dos Brotherhood of Men). Até mesmo Suzi Quatro é aqui chamada em formato leve-levezinho com Stumblin In, dueto com Chris Norman.
Agora se achavam que o “troféu azeite” deste primeiro Jackpot ia parar às mãos dos Racey, então tratem de pegar no disco 2, o vermelho. E aí encontrar o que é anunciado na capa como “a música de Amália em discosound” (assim mesmo em “discosound” como se fosse uma só palavra). Bom, seria incrível ter Amália a cantar disco. Como o foi ouvi-la em aventura pop no Senhor Extra-Terrestre… Mas não… O que o segundo disco mostra é um medley, que se estende por duas faces de um LP, com canções que de facto tiveram visibilidade maior na voz de Amália – como Foi Deus, É ou Não É, Fadinho Serrano, Vou Dar de Beber à Dor, Amália, Fadinho da Ti Maria Benta ou Barco Negro, entre outras mais – mas cantadas por vozes que lembram o registo característico do que se encontraria num teatro de revista (nada contra, sublinhe-se) e com arranjos de sabor disco, embora diferentes da maior sofisticação de estúdio que por aquela altura se escutaria num Ring My Bell de Anita Ward ou Le Freak dos Chic… Produção da casa, assinada por António Pinho, esta abordagem disco ao “cancioneiro” Amaliano é um tesourinho que, apesar de apenas guardado nesta edição inaugural da série Jackpot, acaba por ser a única criação de raiz que algum dos seus volumes apresentou. Ou seja, na hora de apresentar “todos os sucessos do momento”, o primeiro Jackpot arregaçou as mangas e não se limitou a juntar as canções que já tocavam na rádio e passavam em programas de televisão.
Uma nota final para a discreta referência que encontramos no canto superior esquerdo da capa e que observa: “conforme apresentado na rádio e na TV”. Com a entrada dos anos 80 a comunicação destas compilações passará a valorizar sobretudo a sua exposição na televisão. Mais uma marca de sinais dos tempos, portanto…
E quem achava que um disco destes não tinha nada para contar, que fique agora com a noção de que aqui, afinal, está um bom retrato do que era a comunicação do que era “êxito” musical do Portugal de 1979. Um ano depois o mapa pop seria completamente diferente…
Penso que na inglaterra as colecções “Now That’s What I Called Music” ou “Hits Album” agrupavam trabalhos de várias editoras o que não era o caso por cá. Uma curiosidade é que em portugal a CBS lançou uma versão para portugal do “Hits 3”. Outra curiosidade é o facto de um disco de Amália (“Fado” de 1982) ter usado a etiqueta Jackpot quando normalmente usava EMI ou Columbia.
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Por falar em material inédito. Uma das compilações “Jackpot ” tem uma versão em inglês de “Sempre Que o Amor Me Quiser” nunca editada. Acontece o mesmo com algumas produções da Nice Tan Productions como Ligia, Fighters Brigade e Claudia. discogs.com/artist/6365953-Nice-Tan-Productions No discogs tem um disco autónomo “Os Êxitos De Amália Em Disco Sound” que poderá ser igual ao 2º disco desta compilação.
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