
É mais uma voz da canção ligeira que caracterizou o terreno mainstream da canção popular portuguesa antes de 1974 que nos deixa (aos 83 anos). Artur Garcia foi presença de relevo num espaço ao qual, com algum desdém, alguns chamaram “nacional cançonetismo” e por várias vezes foi o escolhido em eleições de concursos de popularidade muito características do star system musical português de então. Foi Rei da Rádio de 1967 a 1969 (*) e Príncipe do Espetáculo em 1969. Conquistou pelo menos um cognome: “o rouxinol” (talvez pelas características vocais, talvez pelo facto de ter somado um dos seus êxitos ao som de Rouxinol dos Meus Amores. Passou várias vezes pelo Festival da Canção. Gravou discos em diversas editoras. Mas hoje a sua memória é ténue eco da expressão da sua popularidade, sobretudo no Portugal dos anos 60 e inícios de 70. Basta caminhar entre as plataformas digitais e notar uma ausência que, na verdade, salvo junto de raros casos da sua geração que venceram a erosão do tempo, caracteriza os maus tratos a que é votada a memória de uma música que não deixa de ser importante representação sociológica e cultural do Portugal pré-25 de abril.
Nacido em Lisboa em 1937, Artur Garcia era filho de um ator amador. O palco não lhe era coisa estranha e aos 14 anos já o pisava para cantar. Manteve uma atividade amadora (ao mesmo tempo que iniciava um percurso profissional como empregado nos armazéns Eduardo Martins) até que, incentivado por colegas e amigos, em 1956 prestou provas no Centro de Preparação de Artistas da Rádio da Emissora Nacional, a grande “escola” que talhou os caminhos da canção ligeira portuguesa entre os finais da década de 50 e a aurora dos anos 70. Começou então a cantar para plateias mais vastas, mas só depois de cumprido o serviço militar abraçou em pleno a profissão dividindo o tempo entre a gravação de discos, atuações na rádio e televisão, espetáculos (aqui envolvendo os universos do teatro de revista e da opereta). Entre os “Serões Para Trabalhadores” na Emissora Nacional ou as “Melodias de Sempre” na RTP, assim como entre os palcos do ABC, Maria Vitória ou Laura Alves, nasceram canções que cativaram a atenção popular, algumas delas fixadas numa série de edições, sobretudo a 45 rotações, que foram surgindo nos catálogos de etiquetas como a Columbia, Decca, Alvorada, Riso e Ritmo, ou Marfer (esta ligada à loja Grande Feira do Disco).



Foi uma das presenças no Festival da Canção logo aquando da sua estreia em 1964, apresentando dois temas a concurso no I Grande Prémio TV da Canção Foi Sonho e Finalmente. No ano seguinte regressou com Amor e Nasci, Sonhei, Cresci e Amei. Em 1967 ali defendeu a Porta Secreta. Em 1969 apresentou-se com Sombra de Ninguém. E em 1974 teve a sua derradeira passagem pelo concurso com Dona e Senhora da Boina. Tirando o segundo lugar conquistado por Amor em 1965 as suas classificações foram quase sempre discretas. O que não o impediu de fazer da Porta Secreta, de 67, um dos seus maiores êxitos. Melhor sorte teve no Festival da Figueira da Foz (que venceu por três vezes) ou no de Aranda de Duero (no qual triunfou em 1967), assinalando ainda passagens pelo Festival de Espinho, o Festival Atlântico ou o Festival do Mediterrâneo. A estas presenças juntou uma vida em palcos, atuando inclusivamente em Angola, Moçambique, Espanha, França, Reino Unido, EUA, Canadá, Brasil ou Índia.
Voz colocada, dicção cuidada – afinal marcas da “escola” da Emissora Nacional -, Artur Garcia cantou nomes como os de Ferrer Trindade, Nóbrega e Sousa, Tavares Belo ou Carlos Canelhas, entre outros. E além dos temas que defendeu no Festival da Canção somou êxitos com Olhos de Veludo, Homem do Leme, Como o Tempo Passa, Casaca Azul e Ouro ou Amor, Lobos da Cidade. Associado a um espaço musical que perdeu visibilidade mediática depois de 1974, Artur Garcia reinventou o seu caminho tendo focado atenções numa loja de discos, que abriu e manteve de 1978 a 1998 e à qual chamou… Porta Secreta. Mas mesmo assim não deixou ocasionalmente de se apresentar como cantor, surgindo no catálogo da CBS nos anos 80. A sua discografia está sobretudo dispersa em EPs lançados entre os anos 60 e 70. Na era digital, em CD, surgiram até hoje apenas algumas compilações em coleções budget.
Um pensamento