Entre as histórias de famílias com mais do que uma geração na música o clã Sinatra é claramente um caso maior. É certo que nunca a filha Nancy disputou sequer o espaço da obra do pai. À sua maneira Nancy definiu um rumo pessoal e distinto, num caminho pelo qual o pai se cruzou consigo em algumas ocasiões, seja ao gravar pela Reprise (a editora fundada por Frank), ao cantar com ele Somethin’ Stupid ou no momento em que ele pediu a Lee Hazlewood para que ajudasse a filha a reencontrar um rumo para a sua carreira depois de uma sucessão menos feliz de discos lançados no início da década de 60. E foi em finais de 1965 que Nancy Sinatra – que se estreara cinco anos antes num especial de televisão dedicado ao regresso de Elvis depois deste ter cumprido o serviço militar – encontrou em These Boots Are Made For Walkin’ a chave para a sua reinvenção como cantora. Hazlewood, autor da canção, não só pediu à cantora que baixasse o tom da voz como a desafiou a interpretar o tema como se o seu público fosse feito de camionistas… E foi o que foi!
A dupla manteve-se nos discos seguintes, com Hazlewood não só a assinar a autoria de algumas das canções, como a assegurar a produção dos discos e, depois, a partilhar com Nancy o alinhamento de dois álbuns, um deles Nancy & Lee (1968), que representa um dos momentos maiores de toda a sua discografia. O segundo disco partilhado, Nancy & Lee Again, surgiria quatro anos depois, em 1972. Um terceiro álbum nasceria em 2004.
O período que corresponde ao intervalo entre a edição do single These Boots Are Made For Walkin’ e do álbum de estreia Boots (que surgiria no início de 1966) e a edição do primeiro LP partilhado com Lee Hazlewood representa uma das etapas mais inspiradas de toda a obra em disco de Nancy Sinatra. Encontramo-la a partir de um registo que tanto pisca o olho a uma pop bubblegum como encara a canção com a elegância de sofisticados arranjos orquestrais, assimilando depois ecos da alma folk americana mais profunda, inclusivamente a country, como se escuta por exemplo em Jackson. Datam desta altura, e além dos duetos com Lee Hazlewood – entre os quais o maior Some Velvet Morning -, canções como a dramática Bang Bang (que surge no seu segundo álbum) ou Only Live Twice, gravada para o filme com o mesmo título da série James Bond. Depois de alguns momentos não tão marcantes, o reencontro com Lee Hazlewood em 1972 gera um segundo magnífico álbum que não corresponderia à derradeira colaboração entre ambos, já que depois ainda assinaram um single conjunto em 1976 (uma versão de L’Eté Indien, de Joe Dassin) e um terceiro álbum de parcerias já no século XXI, este na verdade editado no mesmo ano álbum a que chamou simplesmente chamou Nancy Sinatra e no qual se reinventou uma vez mais, desta vez junto de nomes como os de Morrissey, Thurston Moore, Jarvis Cocker ou Joey Burns, dos Calexico.
Start Walkin’ 1965-1976 é uma coleção de 23 clássicos de Nancy Sinatra colhidos entre memórias que situamos entre o single de 1965 que a fez encontrar um caminho (These Boots Are Made For Walkin’) e a versão da canção de Joe Dassin que gravou com Lee Hazlewood em 1976. O alinhamento é essencialmente feito de temas editados em formato de single, juntando Bang Bang (de 1966, apenas lançado como single na Grécia), duas canções do segundo disco com Hazlewood que não surgiram a 45 rotações (Paris Summer e Arkansas Coal) e ainda Machine Gun Kelly, um tema gravado nas mesmas sessões de 1972 e que só mais tarde emergiu no alinhamento da compilação The Very Best of Nancy Sinatra. Retrato de alguns dos melhores episódios da obra de Nancy Sinatra – para ter o verdadeiro “best of” faltaria juntar aqui canções do álbum de 2004 – Start Walkin’ 1965-1976 é o cartão de visita para uma série de redições que a Light in The Attic vai colocar no mercado, recuperando títulos da obra da cantora. E para o final deste ano estão já anunciadas as reedições de Boots e dos dois primeiros álbuns assinados em parceria com Lee Hazlewood.
“Start Walkin’ 1965-1976”, de Nancy Sinatra, é uma compilação disponível em 2LP, CD e nas plataformas digitais num lançamento da Light in The Attic.